segunda-feira, 28 de julho de 2008

"Conferência Internacional para o diálogo" (Artigo de Anselmo Borges no DN de 26-07-2008)

1. Realizou-se em Madrid, na semana passada, com a presença de muçulmanos, cristãos (o cardeal J.-L. Tauran representou o Vaticano), judeus, budistas, hindus e membros de outras religiões, uma conferência sobre o diálogo inter-religioso. Inédito: a iniciativa partiu do rei da Arábia Saudita, Abdullah bin Abdulaziz Al Saud, guardião dos lugares santos do islão em Meca e Medina, após um encontro, também ele inédito, com Bento XVI no Vaticano.
Na sessão de abertura, o rei Abdullah apelou ao diálogo para fazer frente à “perda de valores” e “confusão de conceitos”, frutos, no seu entender, do “vazio espiritual”. O islão “é a religião da moderação, da ponderação e da tolerância." Para o monarca saudita, a diversidade de religiões há-de ser um meio para a “felicidade” dos humanos, porque se Deus tivesse querido outra coisa, “teria imposto uma só religião à Humanidade.” “As tragédias vividas não foram causadas pelas religiões, mas pelos extremismos adoptados por alguns dos seus seguidores e pelas crenças políticas.”Também o rei de Espanha, Juan Carlos, defendeu o diálogo inter-religioso e intercultural, fazendo votos para que a Conferência contribua para um mundo “mais justo, mais próspero e solidário” e “que acabe com a inaceitável barbárie terrorista, lute contra a fome, a doença e a pobreza, respeite os direitos do ser humano e promova a defesa do meio ambiente.” A Conferência concluiu com uma Declaração, que afirma que “as mensagens divinas rejeitam o extremismo, o fanatismo e o terrorismo” e recomenda que “se promova uma cultura de tolerância e compreensão”. Para isso, convida a Assembleia Geral das Nações Unidas a “impulsionar o diálogo entre os seguidores de todas as religiões, civilizações e culturas, organizando uma sessão especial para o diálogo.”
2. Simultaneamente, em La Coruña, promovido pela Universidade Internacional Menéndez Pelayo, realizou-se um encontro sobre “Cristianismo e Islão em Diálogo”, em que participei. Foram também três dias de reflexão sobre temas fundamentais, tratados por peritos cristãos e muçulmanos: a situação actual do cristianismo e do islão, relação homem-mulher, experiência de Deus, o poder, justiça e solidariedade.Entre os peritos islâmicos, encontrava-se Tariq Ramadan, figura densamente polémica, Professor em Oxford e um dos intelectuais muçulmanos mais influentes no Ocidente.
Convoquei-o para o debate sobre a laicidade. E ele, num discurso ágil, foi declarando que no islão há a autoridade que vem de cima, de Deus – o credo, com os cinco pilares do islão, que se impõem àqueles que quiserem pela fé aceitá-los – e a autoridade da razão, uma racionalidade negociada nos domínios da ciência, da ética, da justiça, uma negociação da humanização. Enquanto houve esta separação assistiu-se a uma efervescência intelectual no mundo islâmico. Hoje, há uma perversão por causa da não separação destas autoridades e poderes. Mas, por outro lado, não se pode esquecer o profundo trauma no mundo islâmico por causa da colonização, de tal modo que, quando se fala em laicidade e secularização, pensa-se em ocidentalização e colonização. E culminou: “Eu próprio estou proibido de entrar na Arábia Saudita e de ir a Meca.” À margem do encontro, Xabier Pikaza, teólogo católico de renome, também disse, referindo-se à intolerância radical da Arábia Saudita, onde os não muçulmanos são considerados “infiéis”, não lhes sendo permitido praticar a sua religião: “Como pode promover fora uma reunião impossível na Arábia? Imaginem que iam à capital da Arábia Saudita milhares de cristãos e judeus e celebravam missas e cultos sagrados segundo as suas tradições e que falavam abertamente com as pessoas da rua, pedindo sinagogas e igrejas, e que perguntavam pelas lapidações e pela situação das mulheres e pelos assassinatos dos homossexuais...”
3. De todas as formas, o diálogo, mesmo no quadro de uma eventual operação de marketing, é sempre bem-vindo. Mas, como disse David Rosen, membro do Comité Judaico Americano, espera-se que a Conferência de Madrid não seja apenas “uma oportunidade fotográfica.”
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