terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Escritores da ASEL: P. Joaquim Correia Duarte*

Ao Homem, Padre, músico, historiador e romancista.

Nunca é tarde quando, mesmo já fora de tempo, ainda se chega a tempo. O problema e a dificuldade neste caso são outros: Que falar ou dizer de quem já tantos e tão autorizados disseram e falaram?

Escrever é um dom e publicar é uma coragem a que devem dar resposta e seguimento quem esses predicados possuir e tiver preparação e sabedoria para o fazer, sendo até quase um dever de quem o faz, se aceitarmos como direito da comunidade o partilhar do saber dos outros numa linha de crescimento do bem estar intelectual e progresso da humanidade.

Quem escreve fala para os outros e partilha em permanência futura com a comunidade o seu saber, experiência e sentimento.

Da comunicação escrita à falada, qual delas a mais bela e encantadora, vai no entanto uma diferença entre a eficaz permanência futura da 1ª e a volatilidade da 2ª, a qual subsiste somente enquanto os ouvidos da memória retiverem o que os ouvidos físicos apreenderam.

No direito e dever de comunicar cada um tem na sociedade o seu lugar com o seu papel.

Quem escreve e publica doa à comunidade a riqueza do seu pensamento, o sentir das suas apreensões e o encanto do seu estilo, inconfundível e pessoal.

Vem isto, e não sei porquê, a propósito de Joaquim Correia Duarte, de quem eu hoje queria falar e quase me desviava do tema.

Não gosto e é difícil falar de pessoas, quando a amizade ou a limitação de dados nos rodeia (e pior ainda, quando há junção das duas), porque constrange por defeito a eficaz exposição do pensamento e a merecida adjectivação da forma.

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Nascido em 1940 na freguesia de Paus do concelho de Resende, bebeu não sei em que data nem em que rio o imperativo interior de falar e escrever:- notas e letras, música e palavras, composições e textos.

No meio da encosta entre a serra e o Douro com entremeada oxigenação na quinta da Assoenga, quis em jovem pensar em grande e dedicar-se às causas perenes do espírito no meio da sociedade que o mundo lhe dispensou, sobrando-lhe em vontade e riqueza espiritual o que em bens materiais não superabundou na juventude.

Ordenou-se sacerdote em de Agosto de 1963, após 12 anos de intensa preparação nos seminários de Lamego.

O múnus sacerdotal em paróquias da diocese constituiu a sua acção apostólica em simultâneo com a dedicação ao ensino nas escolas públicas para cujo fim se preparou também com uma licenciatura em Ciências Históricas pela Universidade do Porto.

É na gestão qualitativa do tempo dedicado ao apostolado e ensino que o mesmo lhe sobrou ainda para se dedicar também ao estudo aturado do concelho de Resende de que resultou levantamento histórico do mesmo em obras de rara qualidade que lhe valeram em 2007 a rara distinção e honrosa nomeação para membro da «Academia Portuguesa de História» título grande que recompensa interiormente todo o trabalho a esse campo dedicado, perpetua para os anais do conhecimento este filho de Resende e enobrece a Igreja de Lamego.

Para descansar da sua incursão qualificada e laboriosa nos escaninhos da História volta-se para o romance e saem-lhe da gaveta, quase em 3 tempos, três apreciados romances, com sabor a história das encostas do rio Douro, entre o Bestança e o Balsemão, misturando os rodeios e enleios do estilo com personagens de nome composto mas de existência real.

Apraz-me neste campo da literatura comentar, (sem seleccionar ou escolher um melhor que o outro) e revelar que no seu 1º romance foi possível com gosto descobrir na vida e vestes do Pe. Alfredo o verdadeiro Pe. Rosas que na minha paróquia de Santiago de Piães, há anos atrás, 1940 também e um mês após o meu nascimento, me aspergiu com a agua benta do baptismo e que depois de um percurso pela África voltou a Resende, sua terra, para aí morrer à espera de

«Uma Carta que chegou Tarde Demais».

Elencar somente a sua produção literária não é ocupar espaço nem elogio vão e por isso a seguir se indicam as suas obras publicadas, não referindo a sua larga intervenção em conferências, guias turísticos e artigos em vários jornais da região cujo começo fértil e qualificado teve início conhecido em 1958:

-1966- Missa da Família Paroquial - música

- 1994 – Resende e a sua História - 1º volume

- 1996 - Resende e a Sua História - 2º volume

- 2001 - Resende na Idade Média

- 2004 - Resende no séc. XVIII.

- 2005 - Uma Carta que Chegou Tarde Demais - (romance)

- 2007 - As Meninas da Comenda - (romance)

- 2008 – As Monjas de Portejães - (romance)

- 2008 - Casas e Brasões de Resende

E porque a quem muito trabalha sobra sempre tempo para mais, aceitou, em 2006 e 2007, integrar a equipa coordenadora da Edição da - «Antologia - Estrela Polar» numa responsabilidade a que não poupou o seu melhor esforço e dedicação.

Dr. Correia Duarte não é uma revelação recente, um produto de ocasião ou um meteorito inesperado; basta retroceder aos fins da década de 1950 e princípios de 1960 e vê-lo activo e dinâmico como Director da Estrela Polar ou Presidente da Congregação Mariana.

Dos 19 artigos conhecidos (e publicados no jornal - Estrela Polar) nessa época, os 4 primeiros são do ano de 1958 a que deu os expressivos títulos: «Liberalismo e Igreja», «Caminho de Luta», «Cristo nas Conferências de Alto Nível», «Natureza e Arte» deixavam já antever em potência o que hoje conhecemos do Homem e do Padre, no apostolado e nas Letras.

E agora que do ensino pediu já o retorno do seu trabalho no descanso de uma aposentação merecida, bom tempo lhe vai sobrar para nos surpreender no futuro com mais do melhor que aí virá, saído da pena de Correia Duarte.

*Apontamento escrito pelo Dr. Adão Sequeira, publicado n' "A Voz de Lamego".

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Casa de S. José*

Durante 150 anos, a Casa de S. José foi um centro de acolhimento de raparigas órfãs ou pobres e de formação na área de lavores e lides domésticas. Orientada por directoras de grande preparação e sensibilidade e assistida por capelães dedicados, destacou-se por ministrar uma educação sólida, assente nos princípios e valores da época. As ex-alunas recordam ainda hoje com saudade e afecto esses tempos e vivências.


Resenha histórica

A quinta de S. José tem uma longa história de formação, ligada à Igreja. A mesma foi comprada, no século XVI, a Álvaro Coelho pelo Bispo D. Manuel de Noronha, tendo sido anexada à capela de S. Nicolau, em Lamego, cujos rendimentos tinham como objectivo custear as despesas com um colégio de preparação de candidatos ao sacerdócio, precursor do primeiro Seminário da Diocese, que viria a ser institucionalizado na segunda metade do século XVIII. Com a criação do Seminário por D. José Píncio, este Bispo, por decreto de 10 de Agosto de 1791, anexou ao mesmo a quinta do Bairro, extinguindo a capela e o colégio de S. Nicolau.

Nesta quinta, veio mais tarde, nos princípios do século dezanove, a ser fundada por Frei António da Santíssima Trindade uma instituição benemérita, que ficou conhecida por Casa de S. José, em virtude de a capela ter como patrono aquele santo. Deve ter sido no segundo decénio desse século que a obra arrancou, tendo aí aplicado os bens herdados de seu pai, Tomás Freire de Andrade, e canalizado empréstimos da Ordem Terceira de S. Francisco de Lamego.

Frei António, falecido em 1876, cujos restos mortais jazem em campa rasa na capela, ingressou na Ordem de S. Francisco de Lamego. A lei de 30 de Maio de 1834, de autoria de Joaquim Augusto de Aguiar (“o mata frades”), que criou um ambiente hostil à Igreja, extinguindo as ordens religiosas, atingiu-o directamente, pois foi perseguido, tendo andado fugido na região. Esta situação contribuiu para que viesse a dedicar-se em exclusivo à obra de beneficência por si fundada, que ainda hoje é uma referência no concelho. Como continuadores e assistentes espirituais marcantes, são de referir os padres Manuel Barbosa, José Pereira Dias , pároco de S. Martinho que faleceu em 1948, e Antonino Pinto Duarte, nascido em 10-10-1910, em S. João de Fontoura, tendo estado à frente da paróquia de 1946 a 1976, e vindo a falecer em 1992.

Para a direcção da casa eram escolhidas senhoras de muita dedicação, experiência e saber. A Superiora que ficou mais recordada foi a D. Prazeres (Maria dos Prazeres Machado), a quem a população chamava “Menina Prazeres” e as meninas que frequentavam a casa tratavam por “madrinha”, e que faleceu nos primeiros anos da década de quarenta do século passado. Veio-lhe a suceder a Sra. D. Piedade (Piedade do Carmo Botelho), natural da Talhada, tendo sido auxiliada por Maria José, de nome completo, a quem as meninas chamavam “Gé”, constituindo também duas figuras de referência.

Data de 1970 a entrada da última criança na instituição, tendo vindo ao longo desta década a decrescer progressivamente o número de internas. No ano de 1981, saiu a última jovem, tendo a D. Piedade e Maria José permanecido na instituição até 1984, em “apagada e vil tristeza”. Nesse ano, a D. Piedade, já doente, foi para a Talhada, sua aldeia natal, onde pôde beneficiar do apoio de familiares, tendo falecido meses depois. Nesse mesmo ano, Palmira dos Santos Pinto, uma figura de referência pelo seu estatuto e percurso, que não esqueceu o passado, pois foi aqui acolhida com 10 meses por morte da mãe, trouxe a Maria José para a sua casa, em Viseu, estando hoje com 93 anos e com graves problemas de saúde.


Prodígios de Frei António

Tendo em conta a importância que a obra fundada por Frei António da Santíssima Trindade teve na região, ainda hoje correm histórias curiosas a seu respeito. Conta-se que, aquando das perseguições pelos apaniguados do “mata frades”, para poder escapar aos guardas, se refugiou numa casa, tendo sido metido num cesto que foi coberto com roupas, o que foi possível devido à sua baixa estatura. Quando revistavam a casa, um dos guardas, vendo o cesto, ficou desconfiado. Puxou do floreto (meia espada) e enfiou-o por entre as vergas, mas nada aconteceu. Após os guardas terem desaparecido, destapado o cesto, saiu de lá Frei António sem qualquer mazela.

Já em pleno funcionamento da casa, por alturas da festa de S. José, em que se juntaram muitos sacerdotes, a cozinheira verificou que não havia nada para comer, expressando grande inquietação junto de Frei António. Este respondeu calmamente que tivesse fé em Deus. Inesperadamente, no meio de um sermão, bateram à porta. Era um velhinho com um burrito, que disse trazer umas coisinhas para a Casa de S. José, pedindo para descarregar o animal. De facto, trazia mantimentos para uma semana (azeite, sal, pão, batatas, etc.). Descarregado o burro e após terem levado tudo para cozinha, procuraram o velhinho para lhe agradecerem e saberem a proveniência de tamanha dádiva. Mas não viram ninguém. Viram apenas as pegadas do burrito viradas para a entrada, não descortinando as da saída.


A menina de Porto de Rei

Na capela além da sepultura de Frei António, há uma outra: a menina de Porto de Rei. Dizem que, aquando do seu funeral daquela localidade para S. José, foi acompanhada por um bando de pombas brancas, que desapareceram após o cortejo. Há cerca de 70 anos, em obras de soalho, os trabalhadores descobriram três caixões encaixados entre si (um de chumbo, outro de pinho e um outro de cerdeira), que resolveram abrir, tendo sido necessário para tal um ferro de assento. Nesta operação, fizeram um rasgo na face da menina, da qual brotou sangue, segundo se conta, tendo os trabalhadores encontrado o corpo intacto. Nessa altura, fizeram um túmulo em pedra, tendo colocado lá o caixão, onde ainda permanece. Ainda hoje, muitas pessoas que visitam a capela de S. José afirmam que da sepultura sai de vez em quando um cheiro a rosas.


A instituição há 50 anos

Chegou a ter cerca de 40 crianças/jovens internas. Contudo, o seu número nos finais dos anos cinquenta do século passado era de cerca de 12. A maioria eram crianças órfãs e/ou provenientes de famílias muito pobres. Mas também havia algumas originárias de famílias remediadas cujos pais pretendiam dar, para alem da escola primária, uma educação mais esmerada e completa às suas filhas, pois lá aprendia-se costura, meia, bordados, renda e outras formações de vida doméstica. Para comparticipar nas despesas, estes pais pagavam uma mensalidade à volta de 80/100 escudos. Havia também algumas meninas das redondezas que frequentavam a instituição em regime de semi-internato, indo jantar (cear) e dormir a suas casas. O ambiente era acolhedor, onde se procurava promover uma educação integral cristã, em que estavam presentes as orações, a reza diária do terço e o ensino do catecismo.

O dinheiro não abundava. Viviam de algumas ofertas e do cultivo da quinta. Esta chegou a ter dois trabalhadores diários até aos anos sessenta. Seguidamente, foi entregue a um caseiro, José Coelho (conhecido por José Bento), actualmente com 77 anos. Além das batatas, cereais e fruta, a quinta criava porcos, galinhas e coelhos e tinha um rebanho de ovelhas e algumas cabras.

As meninas frequentavam a escola cujas instalações pertenciam à Casa de S. José, em conjunto com as outras crianças das aldeias vizinhas, cuja frequência chegou a atingir 60 alunos. As professoras de longe ficavam hospedadas na instituição. Só uma das alunas, a Palmira Pinto, muito acarinhada pela D. Piedade e Maria José, continuou a estudar, completando o antigo 9.º no Externato de Resende, tendo trabalhado a seguir na antiga biblioteca da Fundação Gulbenkian e na delegação de saúde de Resende. Após ter tirado o curso de técnica de análises clínicas no Porto, deixou a instituição aos 24 anos para ir para Viseu, onde ainda reside e trabalha.

Normalmente, as alunas saiam entre os 15/20 anos, para trabalhar ou para ir viver para junto de familiares.


Papel do Cónego Pinto Duarte

Com a saída das últimas utentes, a morte de D. Piedade e a ida de Maria José para Viseu, e na falta de adaptação para responder às novas necessidades e carências sociais, a instituição morreu. A partir de 1990, o Cón. António Pinto Duarte, de Fonseca, então director da Casa do Gaiato de Lamego, decidiu recuperar as casas e a quinta com o objectivo de ali fazer um lar com várias valências (infância, juventude e terceira idade). Incompreensões locais e a não aprovação e financiamento por parte da Segurança Social fizeram com que o projecto não saísse da gaveta. Ainda tentou a sua transformação num centro de recuperação de toxicodependentes, tendo o P. Feitor Pinto mostrado interesse pela iniciativa, mas dissensões várias a nível local vieram inviabilizá-la.

Fica como sua herança a recuperação das casas, onde foram gastos cerca de 500 mil euros, provenientes da generosidade de muitos anónimos, muitos deles sensibilizados a partir de uma campanha feita na Rádio Renascença. Actualmente, as instalações são utilizadas por grupos de jovens, em férias, provenientes de instituições, designadamente do Porto.


Restauro da capela

Uma das primeiras tarefas do Sr. Cón. Manuel Esteves, após tomar conta da paróquia de S. João de Fontoura, foi restaurar a degradada capela de S. José. Com obras orçamentadas em 70.000 euros, elaborou um projecto de candidatura a um programa governamental, tendo sido aprovado no montante de 70% deste valor. Contudo, o montante final das obras subiu para cerca de 100.000 euros. Para fazer face às despesas, a Fábrica da Igreja contou com dádivas de particulares, o contributo da Câmara Municipal de Resende através da comparticipação de 10.000 euros e a disponibilização de máquinas e o apoio da Junta de Freguesia de S. João de Fontoura em mão de obra e serviços. Faltam ainda 25.000 euros para liquidação de todas as despesas.

A inauguração decorreu no passado dia 27 de Julho, em cerimónia que contou com a presença do Bispo de Lamego, 12 sacerdotes e 2 diáconos, tendo sido abrilhantada com o Grupo Coral de Resende. A festa registou grande afluência à qual compareceu uma expressiva delegação da Câmara Municipal. A terminar o programa, foi oferecido um lanche/convívio a toda a população pela Junta de Freguesia

Após 7 meses de obras, nasce uma capela nova. Exceptuando as pedras das paredes, tudo é novo ou foi restaurado.


Nota: Além da consulta da monografia “Resende e a sua História” do Dr. Joaquim Correia Duarte, este apontamento baseou-se num trabalho de 1998 da escola do Bairro, que integrou o projecto “preservação do património local”, e na recolha de informações junto do Cón. Manuel Esteves Alves e de pessoas que colaboraram e frequentaram a Casa de S. José, designadamente Palmira dos Santos Pinto.

*Apontamento de minha autoria escrito para o Jornal de Resende (número de Outubro de 2008)

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