quarta-feira, 22 de abril de 2009

Cernache do Bonjardim-Terra do Santo Condestável*

Saúdo, em primeiro lugar, as entidades às quais se deve esta iniciativa e, em particular ao meu Presidente, Santos Ponciano.

É para mim uma honra e um privilégio poder intervir nesta sessão de apresentação do livro “Cernache do Bonjardim – Terra do Santo Contestável” da autoria do Professor Doutor Aires Nascimento em boa hora promovido pela ARM.

Apresentar o Professor Aires Nascimento não é tarefa fácil, dado o seu extensíssimo e qualificadíssimo currículum.

Peço-lhe que me perdoe a ousadia, devida à enorme admiração que por ele tenho há quase 50 anos.

Recordo que o seu rigor terminológico já vem de há tanto tempo que já naqueles primeiros anos recorria ao dicionário para perceber os artigos que então escrevia nas revistas “Volumus” e a então “Missionário Católico”.

Esta admiração é porém justificada.

Cito o Professor Aires Nascimento:

“Lemos em Platão, no diálogo de Teeteto, que Sócrates surpreendeu um dia os seus ouvintes ao dizer: “quem afirmou que Taumas é filha de Íris disse uma bela palavra”. Em registo transposto e racionalizado, o mestre ateniense queria significar que só é válida a admiração que nasce de um juízo esclarecido e que este é tanto mais integrador quando predispõe para a admiração e a ela conduz”.

É o meu caso.

O Professor Aires Nascimento é uma personalidade tão eminente como discreta da nossa Cultura, que muitas vezes se apaga na apresentação dos seus trabalhos de paciência beneditina.

Graças ao seu empenho e saber foi possível recuperar na actualidade verdadeiros tesouros da nossa cultura.

Tem sido ele quem tem publicado em versão portuguesa numerosas obras escritas inicialmente em latim, fazendo com que tivessem saído do círculo restrito daqueles que ainda conhecem essa língua.

O Professor Aires Nascimento (estejam descansados que não vos vou ler as duas dezenas de páginas do seu curriculum !), além das referências que já lhe fez o Senhor Presidente da ARM, licenciou-se em Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1970 e foi Professor Catedrático da mesma desde 1985.

Ao longo da sua carreira desempenhou várias funções universitárias, desde Coordenador do Departamento de Estudos Clássicos daquela Faculdade, Vice-Presidente do seu Conselho Científico, e Pró-Reitor da Univerdidade de Lisboa.

Foi Director de diversos projectos científicos na área de Estudos Clássicos, sendo unanimemente considerado o maior Codicologista Português e um dos maiores da Europa.

Foi Presidente do Instituto Português de Arquivos e Membro do seu Conselho Superior.

Académico exímio, pertence às mais conceituadas Associações e Academias nacionais e internacionais e tem uma extensíssima obra publicada quer para especialistas quer para outros públicos.

De recordar ainda que, além de outras prémios, recebeu o prémio PEN CLUB PORTUGUÊS pela sua tradução da obra “Utopia” de Thomas Morus, editada em 2006, pela Fundação Calouste Gulbenkian.

No meio da mediocridade a que desceu a Universidade Portuguesa, o Professor Aires Nascimento honra-a pelo rigor da investigação e pela sua honestidade intelectual.

É este o autor do livro apresentado nesta sessão.

O livro é constituído por dois textos diferentes que li com o maior agrado e prazer intelectual, e que não vou resumir para não vos retirar o mesmo prazer aquando da sua leitura.

Não quero cair na tentação a que se refere o autor no segundo texto, citando o gramático latino Terenciano Mauro, em frase que ficou para a posteridade, pro captu lectoris habent sua fata libelli, ou seja, pela maneira de ler, fica traçado o destino de qualquer livro.

O primeiro texto, conforme aqui já se referiu, foi escrito para a Revista Boa Nova e destina-se a realçar a proclamação de Santidade de São Nuno de Santa Maria que irá ser feita no próximo dia 26 de Abril, na Praça de S. Pedro, pelo Papa Bento XVI.

Realça a fundamentação desta proclamação, aliás tardia, e as peripécias que levaram a que só acontecesse agora.

As qualidades / virtudes do Santo Contestável são aí referidas baseando-se, entre outros, no “Sumário que o Infante deu a Mestre Francisco pera pregar do Condestabre Dom Nuno Alvarez Pereyra”, atribuído a Dom Duarte (Bons tempos em que se preparavam convenientemente os sermões e se eu o fizesse também seria mais breve!) e que me permito ler (páginas 8 e 9):

1)ter interpretado como dom de Deus quando Ele lhe concedeu ao longo da vida e ter cultivado as virtudes qualquer que fosse a sua categoria – teologais, intelectuais e naturais; 2) ter mantido dotes de corpo e de alma próprios da sua condição; 3) ter usufruído de longa vida com boa saúde; 4) ter sido por todos louvado e amado por causa dos seus bons feitos e merecimentos; 5) ter sido muitas vezes vencedor de seus inimigos e nunca vencido nem passar por ele míngua; 6) ter tido linhagem nobre, continuada nos descendentes; 7) ter sabido lograr e possuir nobremente todos os bens; 8) ter feito magníficas obras em que resplandece e se prolonga o seu bom-nome. Consumado em virtudes, por último (interpretava D. Duarte) cumprira soberanamente o Evangelho quando, para o claustro, seguiu “o conselho do Senhor que disse: se queres ser perfeito, vende tudo o que possuis e segue-me”. Por isso, rematava-se, “é assim de concluir que Nosso Senhor Deus o coroou de coroa d’honra em esta vida e segundo seus feitos e sua fim assim cremos que o é e sempre o será na outra”.

Como não podia deixar de ser, convida-nos a festejarmos a glorificação solene do Santo Condestável e, em contraponto, às vozes que se levantaram no Parlamento contra este gesto cita Aquilino Ribeiro que não hesitou em escrever que ele “é uma das figuras mais integras da Humanidade portuguesa” e Luís de Camões que se lhe refere em muitos versos, entre os quais “Ditosa Pátria que tal filho teve”.

O segundo texto, mais extenso, faz jus ao rigor e às qualidades do investigador e académico Professor Aires Nascimento.

Aí faz-se a resenha das diversas fontes que são analisadas criticamente para se concluir que Nuno Álvares Pereira nasceu em Cernache do Bonjardim e que faleceu não a 1 ou 6 de Novembro mas a 1 de Abril de 1431.

Elvas (Flor da Rosa) ou Santarém são afastados como locais de nascimento com argumentos sólidos que, até a um leigo como eu, não custou a compreender.

Porém, o rigor do Professor Aires Nascimento não lhe permite afirmar com toda a segurança que o lugar de nascimento foi de certeza Cernache de Bonjardim, mas eu fiquei convencido.

Quanto à data do falecimento, com a mesma análise critica das fontes e com os conhecimentos que lhe dá o contínuo estudo dos códices, conclui contra o que é vulgar e generalizado, mesmo entre os Carmelitas em que professou, que D. Nuno Álvares Pereira, conforme testemunho de D. Duarte, faleceu no dia de Páscoa de 1431, que nesse ano aconteceu a 1 de Abril.

Aproveita o autor para nesse texto minimizar a importância do polémico milagre que permitiu a canonização do Santo Condestável, para se referir aos milagres que a tradição popular lhe atribuía e que foi passada a escrito em documentos aí citados.

O Santo Condestável já foi canonizado pelo povo há muitos séculos.

E para aqueles que, como hoje vinha no Diário de Notícias, não dão importância ao acto que vai acontecer no próximo dia 26 de Abril, ou até se lhe opõem, cita mais uma vez Aquilino Ribeiro (personalidade pouco dada a devoções) que, referindo-se a D. Nuno Álvares Pereira, escreveu: “Não se topa exemplo mais acabado de lealdade, rectidão, espírito esclarecido e ânimo cheio de clemência para com os vencidos do que o beato Nuno de Santa Maria (...) Amassado desta greda, rara, superfina, nada mais legítimo que oferecer-lhe a Igreja Católica um supedâneo nos altares”.

No livro, como já disse, é citado Luís de Camões.


Eu, para terminar, recordo o poema de Fernando Pessoa na Mensagem:

Que auréola te cerca?

É a espada que, volteando,

Faz que o ar alto perca

Seu azul negro e brando.

Mas que espada é que, erguida,

Faz esse halo no céu?

É Excalibur, a ungida,

Que o Rei Artur te deu.

‘Sperança consumada,

S. Portugal em ser,

Ergue a luz da tua espada

Para a estrada se ver!


*Texto de Vítor Borges, que apresentou o livro em epígrafe.

sábado, 18 de abril de 2009

História das Termas das Caldas de Aregos (As Termas de D. Mafalda)

Por Paulo Sequeira*

Toma-se os banhos em uma casa onde sai o manancial mais copioso, e junto a ela está uma Ermida da invocação de Santa Maria Madalena, cujo administrador tem obrigação de fazer prontas certas camas para comodidade dos enfermos” (Aquilégio Medicinal, 1726). A ermida e a obrigação aqui descritas foram instituídas por D. Mafalda, esposa de D. Afonso Henriques, que aqui edificou uma gafaria/albergaria, com duas camas para os pobres, instituído também uma barca de passagem do Douro. O porto fluvial de Aregos e a proximidade de Cárquere fazem supor o conhecimento destas nascentes desde a época romana, período de difusão dos banhos públicos.

A gafaria instituída por D. Mafalda parece não ter sofrido grandes alterações até aos finais do século XVI, época em que a ermida deu lugar a uma capela com a mesma invocação, o que corresponderá possivelmente a uma reforma também do tanque de banhos. O mesmo aparece assim descrito nas Inquirições Paroquiais de 1758 por João de Paiva, abade de Anreade: “O tanque está no meio e dentro duma casa térrea, chamada Hospital, a qual, além de ser muito pequena, acha-se bastante destruída e destituída dos preparos necessários para a assistência dos doentes”. Após esta data deve ter sofrido alguns melhoramentos, pois Frei Cristóvão dos Reis (1779) descreve-os como sendo dois os tanques “de águas sulfúreas muito quentes, divididos com tabuado e em quartos separados, para tomarem banhos e suores, homens e mulheres”.

Curiosa era a descrição da utilização das “aquas calidas” para outros fins. “De tal sorte ferventes, que aos moradores daquele lugar evita o gastar lenha em tudo o que não é cozinhar. E foi providência, por ser muito falto dela o sítio, do qual as lavadeiras, e são muitas, nem para todo o seu ministério recorrem ao fogo, nem temem o frio do Inverno. Porque com o cálido vapor, que resulta daquelas águas, e que em tempo de serenidade se vê como densa névoa cobrindo ao mesmo vale, o rigor daquele em muito modera”, documentava em 1733 Frei Teodoro de Melo. O Padre Luís Cardoso, no Dicionário Geográfico (1747), referia ainda que “os moradores das Caldas empregam-na no uso da cozinha, amassando igualmente com elas o pão, e nem este nem as iguarias cozidas nelas dão o mais remoto indício do seu sabor e cheiro”.

Estas “águas milagrosas” foram, pela primeira vez, analisadas por Lourenço Azevedo em 1866. No ano seguinte, o engenheiro Schiappa de Azevedo, no seu relatório de visita às termas do Norte, escreve sobre estas Caldas: “Estes banhos, que parecem ter gozado de alto favor em tempos passados, hoje são apenas albergue que convém não descrever. Pertencem aos povos do Concelho, e esta circunstância, junta com a falta de comunicações e proximidade das Caldas de Moledo, explicam os poucos cuidados que esta estação termal tem merecido”.

Em 1892, o albergue achava-se em ruínas, como se depreende da descrição de Alfredo Luís Lopes: “O antigo estabelecimento termal, hoje propriedade particular, é modesto e administrado sem direcção médica. Parte dele, o banho da Albergaria, o mais antigo de todos, construído no séc. XII pela rainha portuguesa D. Mafalda para uso exclusivo dos pobres que ali encontravam hospitalidade e tratamento balnear, está hoje em ruínas. O restante apesar da celebridade que antigamente gozavam estas termas, e da fama que ainda hoje têm, é bastante defeituoso desde a captagem das águas até às casas baixas e pouco abrigadas, dentro dos quais são tomados os banhos. É porém muito frequentada nos meses de Junho a Outubro.”

Dada tal grande frequência de aquistas, começaram a surgir, no início do século XX, vários casas para banhos, aproveitando as várias nascentes. No relatório de reconhecimento elaborado pelo engenheiro Melo (1909) para o pedido de concessão são enumeradas as seguintes: “Banhos da Figueira, explorados por António Joaquim Correia; Banhos do Ribeiro, explorados pela viúva de José Pedro do Cabo; Banhos de Santa Luzia, Albergaria e D. Ana, explorados pela Sr.ª D. Maria José Pinto. Todas estas instalações são muito deficientes para tão numerosa clientela e a maior parte delas são muito acanhadas, sem luz e com pouco ar, o que as torna verdadeiramente infectas, devendo, por isso, ser demolidas para darem lugar a uma instalação conveniente”.

Em 26 de Junho de 1909, a exploração das águas minerais de Aregos passou a ter um alvará de concessão, e, na véspera do Natal desse ano, as águas das cheias do Douro cobriram as Caldas de Aregos com cerca de três metros de água.

Em 1913/1914, construiu-se o balneário e Hotel do Parque, que o Eng. Alcorofado descreve como “o estabelecimento de maiores proporções e importância destas Termas (…). As secções de banhos de imersão para cada um dos sexos são analogamente constituídas, cada uma, por 6 cabines, bastante espaçosas, bem iluminadas e ventiladas, dotadas de banheiras de mármore e ferro esmaltado, de muito boa aparência e em confortáveis condições. As duas secções de duches para cada um dos sexos, também convenientemente instaladas, em salas espaçosas e higiénicas”.

O lamecense José Mendes Guerra, responsável por estes equipamentos, constituiu, em 1915, a Companhia das Água das Caldas de Aregos da qual ficou a ser o sócio maioritário.

Em 1923, Charles Le Pierre procedeu in loco às análises químicas das águas, comentando o estado precário das instalações encontradas: “(…) tudo se encontra no mesmo estado de atraso nas Caldas de Aregos (…) falta absoluta de captagem condigna; instalações balneo-terapêuticas das mais rudimentares; a maior falta de higiene; o riacho, a dois passos das nascentes, porquíssimo; as edificações a caírem de sujíssimas. Em nome da higiene mais elementar, não se deve permitir que o estabelecimento continue aberto ao público, sem ser completamente reformado, sem que haja uma conveniente captação e protecção das nascentes. E note-se bem, que as águas são maravilhosas, notáveis pela sua termalidade e pela sua composição química”.

Em virtude destas precariedades, o engenheiro Freire de Andrade, em 1926, elaborou um anteprojecto de captagem que, embora aprovado de imediato, só veria as obras iniciadas em 1937, finalizando-se em 1941 com a construção do túnel e chaminé de arrefecimento das águas.

No relatório de 1938 da Inspecção de Águas, Luís Acciaiuoli menciona: “Foi visitada várias vezes, durante os trabalhos complementares de captagem. Porque havia muitos abusos da parte dos habitantes de Aregos e das vizinhanças, empregando para banho as águas minerais que caem no lavadouro público, foi, por despacho ministerial determinado que esta Inspecção mandasse fechar durante a noite a água mineral que corre para o lavadouro. Não foi possível, apesar desta determinação, conseguir que este abuso acabe de vez”.

O principal responsável por estas infra-estruturas foi Manuel Pinto Monteiro, natural de Minhães, que a partir da década de 20, quando assume a exploração do Hotel do Parque e do balneário, teve um papel fundamental para o desenvolvimento e reconhecimento da estância termal: fundou o Hotel Portugal, a Pensão Palace, conseguiu a paragem dos comboios rápidos na estação de Aregos e a criação da estação de Correios e Telégrafos, preparando o terreno para a construção de um novo balneário.

Substituí-o Manuel Pinto Espanhol, industrial e grande comerciante de vinhos na Régua e em Vila nova de Gaia, que entre 1944 e 1945 construiu um novo balneário, que em 1946 já se encontrava concluído e equipado. Era uma construção ao gosto monumental do Estado Novo, que se desenvolvia em forma de L, com dois pisos (no piso térreo, encontrava-se a buvete num átrio amplo, os consultórios médicos e os tratamentos ORL; no piso superior estavam os banhos e duches). As Caldas tinham então uma frequência de 2000 aquistas/ano e um dos melhores balneários da Península Ibérica, revestido de mármore, com acabamentos de luxo e com toda a aparelhagem indispensável para a completa utilização das águas.

As cheias de 1962 e de 1966 inundaram o balneário. Com a construção da Barragem do Carrapatelo, cujas comportas fecharam em 1972, a subida das águas provocou um aluimento de terras que entulhou a Ribeira da Cesta, inundando os balneários. Apesar desta sucessão de catástrofes, a exploração termal, embora deficitária continuou ainda por alguns anos, mas em meados da década de 1970 encerrava.

Em 1984, a concessão foi dada à empresa Famisa, sedeada em Leça da Palmeira, com a obrigação de construir um novo balneário e hotel, o que se concretizou apenas e só com o balneário, em 1992, que iniciou a sua actividade, mas sempre de forma precária.

Em 1997, por alvará de transmissão a concessionária passou a ser a empresa Sotermal – Sociedade Turística e Termal SA, mais tarde denominada “Companhia das Águas de Caldas de Aregos, SA”.

Em 2007, as Termas das Caldas de Aregos, que se situavam, entre as suas congéneres nacionais, em vigésimo terceiro lugar, apresentaram apenas 1% do volume de aquistas em Portugal, com um número de inscrições a rondar os 810 (em 2008 diminui para 604), com um valor de facturação por aquista avaliado em 210 euros, muito abaixo quer da média nacional, quer da capacidade do balneário termal.

Indicações:

Prevenção e cura de doenças ortopédicas, doenças de reumatismo, doenças das vias respiratórias, sinusites e doenças da pele.

Natureza:

Sulfúreas, bicarbonatadas, sódicas e fluoretadas (62.º).

Tratamentos:

Balneoterapia: banhos de imersão simples, aerobanho, subaquático e hidromassagem computorizada; duches de jacto, lombar, de coluna, filiforme, manupediduche e com massagem de Vichy.

Vapor: Banhos de vapor aos membros e integral. Aplicações de lamas. ORL: Nebulização individual em bancada e colectiva em câmara, irrigações nasais e retro nasais, aerossóis, duche faríngeo-filiforme, gargarejos e pulverizações”.

*Professor de História e Chefe de Redacção do Jornal de Resende. Artigo publicado no número de Março do JR.
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