quarta-feira, 1 de abril de 2009

Recriação do Carnaval tradicional em Paus*

Tradições de Carnaval

Até à década de sessenta do século passado, várias aldeias de Paus, com especial destaque para Córdova, levavam a preceito o despique entre raparigas e rapazes na manufactura da comadre e do compadre, cujos bonecos deveriam estar prontos, respectivamente, na “quinta-feira das comadres” e na “quinta-feira dos compadres”. Nestes dias ocorriam as primeiras escaramuças entre os dois sexos, cabendo às raparigas acirrar, na respectiva quinta-feira, os rapazes com o “compadre”, por vezes exposto em cima de burros, sendo permitido utilizar todos os estratagemas na defesa do valioso estandarte. Quando este recolhia a lugar seguro, um dos modos de dissuadir os mais corajosos de o tentar raptar era atirar penicos de urina sobre os adversários. Passados quinze dias, ocorria a inversão de papéis, cabendo agora aos rapazes incitar os elementos do sexo oposto e defender a todo o custo a sua dama, neste caso, “a comadre”. A repetição destas contendas ocorria com mais animação no chamado sábado e domingo gordo, na segunda-feira imediata e no dia de Carnaval, sempre seguidas de bailaricos, em que as pessoas, pintadas de carvão, se apresentavam mascaradas, usando lençóis e roupas antigas. A respectiva captura transformava-a(o) num troféu valioso, pois aos elementos do grupo do sexo vencido era-lhes retirada autoridade para lerem o respectivo testamento, inibindo-os de rebaixarem com dichotes os elementos do sexo oposto. Estas leituras e deixas, versando ocorrências merecedoras de crítica, comportamentos e anúncios de namoros e casamentos, eram feitas normalmente de noite nos cimos das povoações, utilizando funis. Contudo, as mesmas podiam ocorrer em pleno dia. Aliás, um dos últimos e mais célebres testamentos foi feito em cima de um carro de vacas, que percorreu várias povoações da freguesia.

Um outro ritual da época dizia respeito aos chamados “cus novos”. Durante o fim de semana anterior ao Carnaval e no dia de Carnaval, as raparigas tinham de tomar muitas precauções nas suas deslocações ou ficar em casa para não “apanhar um cu novo”. Se surgisse alguma nos caminhos, era agarrada por rapazes pelos ombros e pelos pés, sendo depois sucessivamente balanceada, ao mesmo tempo que diziam “um, dois, três...um p’ró pai, outro p’rá mãe e outro p’ra quem o fez” ou também “um, dois, três…abanadinho, abanadinha, deixa o cu para outra vez”, sendo depois solta para que o “cu” batesse no chão. Ainda hoje, muitas mulheres se recordam dos rituais desses dias, em que os pais as proibiam de sair de casa ou se deslocavam exclusivamente pelos campos, evitando os caminhos.

Nota: Este levantamento foi feito com base na memória das pessoas que ainda viveram antigos carnavais. Cf. também a monografia “Resende e a sua história”, de Joaquim Correia Duarte.

Grupo de jovens recria Carnaval de antigamente

Em boa hora, um grupo de jovens, na sua quase totalidade pertencentes ao rancho de Paus, organizou e recriou algumas facetas de Carnaval do tempo de seus pais e avós. Para angariação de fundos percorreram a freguesia cantando as Janeiras.

Os festejos começaram com um desfile a partir do cimo da povoação dos Carvalhos até à sede do rancho, por volta das 14h30 da terça-feira de Carnaval. Muitas pessoas responderam ao convite, tendo-se apresentado mascaradas tal como o combinado. Antes dessa hora, uma carrinha de caixa aberta com a comadre e o compadre e cerca de 20 jovens percorreu várias povoações da freguesia, recriando uma atmosfera de festa e boa disposição, com roupas multicolores, apitos e “bocas” apimentadas. Após o desfile, as pessoas tiveram ocasião de conviver no salão do rancho com a animação de um grupo musical, enquanto iam chegando mais pessoas. Pelas 17h00, teve início o acontecimento mais esperado do programa, ou seja, a leitura dos testamentos da comadre (por um rapaz) e do compadre (por uma rapariga), atentamente seguidos pela assistência, tendo provocado muitas gargalhadas. Os “meninos e meninos” das diversas povoações foram mimoseados com quadras maliciosas, entre os quais, o actual Presidente da Junta, que se irá casar proximamente: “Para o nosso Presidente/Eu deixo com lamento/Umas cuecas de alforge/P’ró dia do casamento”. E a respectiva noiva também não foi esquecida: “Para a nossa Primeira Dama/Eu deixo com muito lamento/O meu fio dental/P’rá noite de casamento”.

Após a leitura dos testamentos, seguiu-se a queima da comadre e do compadre, que tiveram um fim rápido, já que eram feitos de palha de centeio, revestidos dos respectivos fatos, fitas e adereços, como antigamente. Depois, cerca das 18h00, foi oferecido um lanche aos presentes, seguindo-se um convívio no salão da sede do rancho. Durante o mesmo, foram dados muitos “cus novos”, só que agora, devido à igualdade do género, as vítimas foram sobretudo os elementos do sexo masculino.

*Texto de minha autoria, publicado no Jornal de Resende (número de Março de 2009)

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