sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Padre Agostinho Sousa

Quem teve o privilégio de o conhecer nunca mais o esquecerá.
Homem de doce serenidade, de diálogo, de profunda inteligência e profunda Cultura, o nosso querido Padre Agostinho de Sousa adormeceu nos braços do Senhor pelas nove horas do dia 21 de Outubro.
Tinha 80 anos e nascera em Magueija, a pequena aldeia do concelho de Lamego que nunca esqueceu, apesar da dedicação de toda uma vida aos mais abandonados do Marrere e da Paróquia de Santa Rita de Caramaja, a 40 km de Nampula, de difícil acesso sobretudo na época das chuvas.
Após ter frequentado os seminários da Boa Nova em Tomar, Cernache do Bonjardim e Cucujães, foi ordenado sacerdote em 1955. Ocupou os cargos de professor de Português e Matemática, Prefeito e Vice-reitor em Cernache até 1961, ano da partida para Moçambique. Ali foi professor do Colégio diocesano e professor, vice-reitor e reitor do Seminário diocesano de Nossa Senhora de Fátima e Vigário Geral por duas décadas, interrompidas por um intervalo em Portugal, de 1986 a 1991, como Membro do Conselho Geral da Sociedade Missionária e Reitor do Seminário de Cucujães.
Por ele passaram momentos difíceis antes e depois da independência do País, os flagelos da guerra e da fome, que ultrapassou decerto com imenso sacrifício, mas sem um lamento. Aconselhou políticos desavindos que lhe pediam conselhos, missionários e bispos. Trabalhou incansavelmente em prol dos mais necessitados e pelas suas mãos se ergueram uma escola e uma maternidade.
Quando regressou há dois anos a Valadares, ao seminário da Ordem da Boa Nova, vinha muito doente com um grave problema cardíaco. Sofreu uma intervenção cirúrgica mas outra enfermidade, que lhe seria fatal, não lhe permitiu o regresso a Nampula com que tanto sonhara.
Visitámo-lo no Hospital Universitário de Coimbra e encontrámos um homem de sorriso terno, de bom humor inalterável, a brincar com o seu próprio estado de saúde, porque o que verdadeiramente o preocupava eram a reduzida esperança de vida em Moçambique, os inúmeros órfãos vítimas de Sida. Depois, encantado, mirava a flor que lhe tínhamos oferecido e dizia “É nisto que nos transformaremos todos um dia…”
Ainda festejou com o maior entusiasmo os seus 80 anos juntamente com o centenário do tio, na aldeia onde decorrera a sua infância.
Estivemos juntos pela última vez há dois meses, quando apareceu de surpresa em Magueija para mostrar a um casal amigo e ao padre André Marcos, seu velho companheiro de Missão em Nampula, a linda casa de granito onde nascera, magnificamente reparada pela sua irmã Bernardete Sousa Figueiredo.
Distribuiu por todos a água fresquinha que jorra da fonte, “o vinho da minha terra”, como lhe chamou, sempre sorridente, porque guardava com ele o segredo da felicidade das coisas magnificamente simples e belas.
Pelo afilhado que tem o seu nome, mas que todos tratamos ternamente por Tico, soubemos que piorara muito e fora internado no hospital de São João, no Porto.
Os últimos dias de vida passou-os rezando a Avé Maria, num testemunho de Fé inabalável, sempre acompanhado pelo afilhado que lhe dispensou uma profunda e comovedora dedicação.
Depois, a 21 de Outubro a família mais chegada partiu para o seminário de Valadares, a “sua casa”, como lhe chamou o reitor padre Zacarias. Toda a Sociedade Missionária da Boa Nova nos recebeu com um abraço fraterno, que comovidamente agradecemos.
Rezou-se uma missa de corpo presente às 19h30, em que o padre Anselmo Borges recordou com emoção o grande amigo e companheiro. Depois caiu a noite e um imenso temporal varreu a quinta, abalando árvores e descobrindo sombras.
De manhã, pelas 9h30, realizou-se uma missa solene com a presença de 30 padres e o bispo auxiliar de Braga, D. António Couto.
O funeral seguiu então para Magueija, onde se celebraram duas Eucaristias: às 15h30 na capelinha de Santo António, que o padre Agostinho tanto amava, e às 17h na igreja de Santiago, em que participaram o bispo de Lamego, D. Jacinto Botelho, o Vigário Geral da Diocese, o Superior Geral da Ordem dos Missionários da Boa Nova, o padre Hermínio Lopes e muitos colegas de partida para África e Brasil.
A Presidente da Junta de Freguesia de Magueija, Ex.ma Senhora D.ª Liliana Monteiro, esteve sempre presente nas celebrações, em seu nome e do Ex.mo Senhor Presidente da Câmara de Lamego, Engenheiro Francisco Lopes, o que agradecemos.
Já anoitecia quando o corpo foi depositado no pequeno cemitério da aldeia, junto à campa dos pais e do seu querido irmão Aristides, na maior simplicidade, como pedira.
O nosso querido Tico fora incansável a orientar os acontecimentos, proporcionando a todos refeições quentes e o bem-estar possível, cumprindo os desejos do padrinho que tão carinhosamente amparara nos últimos momentos.
E em Valadares, duas rolas que o padre Agostinho acolhera com imenso amor no seu quartinho esperavam, olhando as árvores por entre as grades da gaiola.
Então um padre aproximou-se, abriu-lhes devagarinho a porta e, conforme lhe fora pedido, lançou-as ao céu.
*Texto de Teresa Henrique, sobrinha do P. Agostinho Sousa

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