sábado, 18 de abril de 2009

História das Termas das Caldas de Aregos (As Termas de D. Mafalda)

Por Paulo Sequeira*

Toma-se os banhos em uma casa onde sai o manancial mais copioso, e junto a ela está uma Ermida da invocação de Santa Maria Madalena, cujo administrador tem obrigação de fazer prontas certas camas para comodidade dos enfermos” (Aquilégio Medicinal, 1726). A ermida e a obrigação aqui descritas foram instituídas por D. Mafalda, esposa de D. Afonso Henriques, que aqui edificou uma gafaria/albergaria, com duas camas para os pobres, instituído também uma barca de passagem do Douro. O porto fluvial de Aregos e a proximidade de Cárquere fazem supor o conhecimento destas nascentes desde a época romana, período de difusão dos banhos públicos.

A gafaria instituída por D. Mafalda parece não ter sofrido grandes alterações até aos finais do século XVI, época em que a ermida deu lugar a uma capela com a mesma invocação, o que corresponderá possivelmente a uma reforma também do tanque de banhos. O mesmo aparece assim descrito nas Inquirições Paroquiais de 1758 por João de Paiva, abade de Anreade: “O tanque está no meio e dentro duma casa térrea, chamada Hospital, a qual, além de ser muito pequena, acha-se bastante destruída e destituída dos preparos necessários para a assistência dos doentes”. Após esta data deve ter sofrido alguns melhoramentos, pois Frei Cristóvão dos Reis (1779) descreve-os como sendo dois os tanques “de águas sulfúreas muito quentes, divididos com tabuado e em quartos separados, para tomarem banhos e suores, homens e mulheres”.

Curiosa era a descrição da utilização das “aquas calidas” para outros fins. “De tal sorte ferventes, que aos moradores daquele lugar evita o gastar lenha em tudo o que não é cozinhar. E foi providência, por ser muito falto dela o sítio, do qual as lavadeiras, e são muitas, nem para todo o seu ministério recorrem ao fogo, nem temem o frio do Inverno. Porque com o cálido vapor, que resulta daquelas águas, e que em tempo de serenidade se vê como densa névoa cobrindo ao mesmo vale, o rigor daquele em muito modera”, documentava em 1733 Frei Teodoro de Melo. O Padre Luís Cardoso, no Dicionário Geográfico (1747), referia ainda que “os moradores das Caldas empregam-na no uso da cozinha, amassando igualmente com elas o pão, e nem este nem as iguarias cozidas nelas dão o mais remoto indício do seu sabor e cheiro”.

Estas “águas milagrosas” foram, pela primeira vez, analisadas por Lourenço Azevedo em 1866. No ano seguinte, o engenheiro Schiappa de Azevedo, no seu relatório de visita às termas do Norte, escreve sobre estas Caldas: “Estes banhos, que parecem ter gozado de alto favor em tempos passados, hoje são apenas albergue que convém não descrever. Pertencem aos povos do Concelho, e esta circunstância, junta com a falta de comunicações e proximidade das Caldas de Moledo, explicam os poucos cuidados que esta estação termal tem merecido”.

Em 1892, o albergue achava-se em ruínas, como se depreende da descrição de Alfredo Luís Lopes: “O antigo estabelecimento termal, hoje propriedade particular, é modesto e administrado sem direcção médica. Parte dele, o banho da Albergaria, o mais antigo de todos, construído no séc. XII pela rainha portuguesa D. Mafalda para uso exclusivo dos pobres que ali encontravam hospitalidade e tratamento balnear, está hoje em ruínas. O restante apesar da celebridade que antigamente gozavam estas termas, e da fama que ainda hoje têm, é bastante defeituoso desde a captagem das águas até às casas baixas e pouco abrigadas, dentro dos quais são tomados os banhos. É porém muito frequentada nos meses de Junho a Outubro.”

Dada tal grande frequência de aquistas, começaram a surgir, no início do século XX, vários casas para banhos, aproveitando as várias nascentes. No relatório de reconhecimento elaborado pelo engenheiro Melo (1909) para o pedido de concessão são enumeradas as seguintes: “Banhos da Figueira, explorados por António Joaquim Correia; Banhos do Ribeiro, explorados pela viúva de José Pedro do Cabo; Banhos de Santa Luzia, Albergaria e D. Ana, explorados pela Sr.ª D. Maria José Pinto. Todas estas instalações são muito deficientes para tão numerosa clientela e a maior parte delas são muito acanhadas, sem luz e com pouco ar, o que as torna verdadeiramente infectas, devendo, por isso, ser demolidas para darem lugar a uma instalação conveniente”.

Em 26 de Junho de 1909, a exploração das águas minerais de Aregos passou a ter um alvará de concessão, e, na véspera do Natal desse ano, as águas das cheias do Douro cobriram as Caldas de Aregos com cerca de três metros de água.

Em 1913/1914, construiu-se o balneário e Hotel do Parque, que o Eng. Alcorofado descreve como “o estabelecimento de maiores proporções e importância destas Termas (…). As secções de banhos de imersão para cada um dos sexos são analogamente constituídas, cada uma, por 6 cabines, bastante espaçosas, bem iluminadas e ventiladas, dotadas de banheiras de mármore e ferro esmaltado, de muito boa aparência e em confortáveis condições. As duas secções de duches para cada um dos sexos, também convenientemente instaladas, em salas espaçosas e higiénicas”.

O lamecense José Mendes Guerra, responsável por estes equipamentos, constituiu, em 1915, a Companhia das Água das Caldas de Aregos da qual ficou a ser o sócio maioritário.

Em 1923, Charles Le Pierre procedeu in loco às análises químicas das águas, comentando o estado precário das instalações encontradas: “(…) tudo se encontra no mesmo estado de atraso nas Caldas de Aregos (…) falta absoluta de captagem condigna; instalações balneo-terapêuticas das mais rudimentares; a maior falta de higiene; o riacho, a dois passos das nascentes, porquíssimo; as edificações a caírem de sujíssimas. Em nome da higiene mais elementar, não se deve permitir que o estabelecimento continue aberto ao público, sem ser completamente reformado, sem que haja uma conveniente captação e protecção das nascentes. E note-se bem, que as águas são maravilhosas, notáveis pela sua termalidade e pela sua composição química”.

Em virtude destas precariedades, o engenheiro Freire de Andrade, em 1926, elaborou um anteprojecto de captagem que, embora aprovado de imediato, só veria as obras iniciadas em 1937, finalizando-se em 1941 com a construção do túnel e chaminé de arrefecimento das águas.

No relatório de 1938 da Inspecção de Águas, Luís Acciaiuoli menciona: “Foi visitada várias vezes, durante os trabalhos complementares de captagem. Porque havia muitos abusos da parte dos habitantes de Aregos e das vizinhanças, empregando para banho as águas minerais que caem no lavadouro público, foi, por despacho ministerial determinado que esta Inspecção mandasse fechar durante a noite a água mineral que corre para o lavadouro. Não foi possível, apesar desta determinação, conseguir que este abuso acabe de vez”.

O principal responsável por estas infra-estruturas foi Manuel Pinto Monteiro, natural de Minhães, que a partir da década de 20, quando assume a exploração do Hotel do Parque e do balneário, teve um papel fundamental para o desenvolvimento e reconhecimento da estância termal: fundou o Hotel Portugal, a Pensão Palace, conseguiu a paragem dos comboios rápidos na estação de Aregos e a criação da estação de Correios e Telégrafos, preparando o terreno para a construção de um novo balneário.

Substituí-o Manuel Pinto Espanhol, industrial e grande comerciante de vinhos na Régua e em Vila nova de Gaia, que entre 1944 e 1945 construiu um novo balneário, que em 1946 já se encontrava concluído e equipado. Era uma construção ao gosto monumental do Estado Novo, que se desenvolvia em forma de L, com dois pisos (no piso térreo, encontrava-se a buvete num átrio amplo, os consultórios médicos e os tratamentos ORL; no piso superior estavam os banhos e duches). As Caldas tinham então uma frequência de 2000 aquistas/ano e um dos melhores balneários da Península Ibérica, revestido de mármore, com acabamentos de luxo e com toda a aparelhagem indispensável para a completa utilização das águas.

As cheias de 1962 e de 1966 inundaram o balneário. Com a construção da Barragem do Carrapatelo, cujas comportas fecharam em 1972, a subida das águas provocou um aluimento de terras que entulhou a Ribeira da Cesta, inundando os balneários. Apesar desta sucessão de catástrofes, a exploração termal, embora deficitária continuou ainda por alguns anos, mas em meados da década de 1970 encerrava.

Em 1984, a concessão foi dada à empresa Famisa, sedeada em Leça da Palmeira, com a obrigação de construir um novo balneário e hotel, o que se concretizou apenas e só com o balneário, em 1992, que iniciou a sua actividade, mas sempre de forma precária.

Em 1997, por alvará de transmissão a concessionária passou a ser a empresa Sotermal – Sociedade Turística e Termal SA, mais tarde denominada “Companhia das Águas de Caldas de Aregos, SA”.

Em 2007, as Termas das Caldas de Aregos, que se situavam, entre as suas congéneres nacionais, em vigésimo terceiro lugar, apresentaram apenas 1% do volume de aquistas em Portugal, com um número de inscrições a rondar os 810 (em 2008 diminui para 604), com um valor de facturação por aquista avaliado em 210 euros, muito abaixo quer da média nacional, quer da capacidade do balneário termal.

Indicações:

Prevenção e cura de doenças ortopédicas, doenças de reumatismo, doenças das vias respiratórias, sinusites e doenças da pele.

Natureza:

Sulfúreas, bicarbonatadas, sódicas e fluoretadas (62.º).

Tratamentos:

Balneoterapia: banhos de imersão simples, aerobanho, subaquático e hidromassagem computorizada; duches de jacto, lombar, de coluna, filiforme, manupediduche e com massagem de Vichy.

Vapor: Banhos de vapor aos membros e integral. Aplicações de lamas. ORL: Nebulização individual em bancada e colectiva em câmara, irrigações nasais e retro nasais, aerossóis, duche faríngeo-filiforme, gargarejos e pulverizações”.

*Professor de História e Chefe de Redacção do Jornal de Resende. Artigo publicado no número de Março do JR.
Site Meter