quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Documentário de 1945 sobre Caldas de Aregos*

Época d’oiro de Caldas de Aregos
Como bem documentam alguns excertos do Primeiro de Janeiro que ilustram e decoram o bar “Aquas Calidas”, as Termas de Caldas de Aregos eram, na década de trinta do século passado, uma referência a nível nacional como centro de repouso, de prevenção e cura de várias doenças e um pólo de grande animação social. Na época de Verão, Caldas de Aregos era uma espécie de Estoril do norte para onde convergiam as elites de então.
Todo este dinamismo se deveu à acção de Manuel Pinto Monteiro, natural de Minhães, que a partir da década de 20 assumiu a exploração do Hotel do Parque e do balneário, tendo tido um papel fundamental no desenvolvimento e reconhecimento da estância termal, pois fundou o Hotel Portugal e a Pensão Palace, conseguiu a paragem dos comboios rápidos na estação de Aregos, esteve na origem da criação da estação de Correios e Telégrafos e preparou o terreno para a construção de um novo balneário.
Substituiu-o Manuel Pinto Espanhol, industrial e grande comerciante de vinhos na Régua e em Vila Nova de Gaia, que entre 1944 e 1945 construiu um novo balneário. Constituía um grande equipamento ao gosto monumental do Estado Novo, que se desenvolvia em forma de L, com dois pisos (no piso térreo, encontrava-se a buvete num átrio amplo, os consultórios médicos e os tratamentos ORL; no piso superior estavam os banhos e duches). As Caldas tinham então uma frequência de 2 000 aquistas/ano e um dos melhores balneários da Península Ibérica, revestido de mármore, com acabamentos de luxo e com toda a aparelhagem indispensável para a completa utilização das águas.

Novo balneário e potencialidades de Caldas de Aregos e da região em documentário cinematográfico
Nunca foi exibido e divulgado no concelho de Resende, mas foi passado inúmeras vezes nas diversas salas do cinema do país, tendo sido estreado no Politeama de Lisboa, em 16 de Janeiro de 1946. Até há pouco tempo não se sabia da sua existência, repousando tranquilamente nos arquivos da Cinemateca Nacional.
Acabado de construir, é natural que a Junta de Turismo das Caldas de Aregos e a Companhia das Águas das Caldas de Aregos não quisessem perder a oportunidade de promover e divulgar um do mais modernos e funcionais balneários da Península Ibérica, tarefa que se justificava numa época de crise, no fim da 2.ª Guerra Mundial, em que importava restabelecer a confiança, dinamizando os projectos existentes.
Além de destacar as virtualidades das “águas milagrosas de Caldas de Aregos” e de descrever a arquitectura, as instalações, os vários equipamentos do balneário e a intensa animação social, o documentário denota a preocupação de potenciar a riqueza das termas no âmbito do contexto da beleza paisagística do concelho e da região e do património cultural envolvente. Destaca, por exemplo, os cenários do Penedo de S. João, das encostas do Douro e do grande escultor que é o rio e as marcas distintivas das igrejas de Cárquere e Barrô, que convida a visitar. A dada altura, é referido que, por estas bandas, os carros andam devagar, não devido à existência das muitas curvas “apertadas” das estradas, mas antes pelo imperativo de se usufruir com “enlevo” as majestosas belezas circundantes. Chama também a atenção para os sortilégios dos ares e dos parques das Caldas de Aregos, pois pares de namorados que por aqui passeiem “nunca deixarão de andar juntos pela vida fora”.

Paulo Sequeira e Pedro Ferreira na origem do achado
Esta preciosidade, que documenta e caracteriza uma época tão relevante das Caldas de Aregos e do concelho de Resende, encontra-se entre nós para ser visto e desfrutado, indo integrar os conteúdos que a Câmara Municipal irá disponibilizar no ecrã colocado no Jardim 25 de Abril. Foram as pesquisas efectuadas por Paulo Sequeira e Pedro Ferreira para o livro “Douro-Memórias das Caldas de Aregos” que levaram ao conhecimento da existência do documentário. E não descansaram enquanto não foram ao seu encalço, encontrando-o à guarda da Cinemateca Nacional, cujos negativos originais, em suporte de nitrato de prata, se achavam em avançado estado de deterioração. A sua preservação e conversão em suporte fílmico contemporâneo, vulgo DVD, implicava custos avultados, apesar de se tratar de um documentário com apenas cerca de 10 minutos (mas só os negativos totalizavam 258 metros!!!). Tendo em conta os objectivos culturais do Clube Náutico das Caldas de Aregos, esta associação chegou a um acordo com a Cinemateca Nacional, através do qual ambas as instituições repartiram os custos da sua recuperação.
Felizmente, o documentário encontra-se entre nós com um pouco de sorte à mistura, diga-se de passagem, uma vez que alguns destes documentários, feitos em grande número na época, foram destruídos de modo a reaproveitar o nitrato de prata, posteriormente vendido a países como a Alemanha para alimentar a sua máquina da guerra.
Refira-se que a primeira legislação para o sector do cinema da Ditadura Nacional foi publicada em Diário de Governo, a 6 de Maio de 1927. O decreto n.º 13564 determinava, no artigo 136º: «Torna-se obrigatória, em todos os espectáculos cinematográficos, a exibição duma película de indústria portuguesa com um mínimo de 100 metros, que deverá ser mudada todas as semanas, e, sempre que seja possível, apresentada alternadamente, de paisagem e de argumento e interpretação portuguesa».
Era a lei dos cem metros, um diploma proteccionista que tinha por objectivo auxiliar e desenvolver a nossa precária indústria fílmica, contribuindo para tornar conhecido o país, através dum sistemático registo de imagens e respectiva projecção.
Armando de Miranda (
Portimão, 16 de Novembro de 1904Brasil, 1971), algarvio de gema, destacado jornalista da época, aproveitaria esta lei para se lançar na realização de documentários, a exibir antes do filme de fundo de cada sessão. Na década de 40, época de ouro do cinema português, é já um dos mais destacados cineastas portugueses, destacando-se na realização de filmes como “José do Telhado” (1945), saga popular e grande êxito de bilheteira, e “Capas Negras” (1947), que lançaria Amália Rodrigues nas lides cinematográficas.

Apresentação do documentário no Pavilhão Multiusos de Caldas de Aregos
A sessão de apresentação e visionamento do documentário teve lugar no passado dia 7 de Agosto. Pessoas de várias gerações, incluindo várias contemporâneas à época e algumas aquistas/frequentadoras das termas actuais, acorreram em grande número a este evento tão relevante para a história de Resende.
O presidente do Clube Náutico das Caldas de Aregos, Jorge Cardoso, congratulou-se pelo papel que a associação que dirige teve na recuperação do documentário. O presidente da Câmara Municipal, António Borges, relatou algumas vivências de infância relacionadas com as Termas de Caldas de Aregos, referindo transportar memórias de um escorrega aí existente, do hotel com muita música e de uma grande animação social. “À época, conseguiu-se fazer um grande projecto e elevar as termas a um nível de grande ambição, como tereis ocasião de ver a seguir. A nós pertence-nos honrar esse caminho e esse passado e mostrar a mesma ambição. Aqui está um dos grandes pilares de desenvolvimento e de esperança para o concelho de Resende”, referiu no seu breve improviso.
Paulo Sequeira, um dos heróis deste achado (em conjunto com Pedro Ferreira, que não pôde estar presente na sessão), deu a conhecer as diligências para resgatar o documentário dos arquivos da Cinemateca Nacional e levar a cabo a respectiva recuperação e fez o enquadramento histórico do mesmo, conforme descrição feita ao longo deste apontamento, que seguiu de perto a sua prelecção. Terminou, agradecendo o apoio recebido da actual e da anterior direcção do Clube Náutico das Caldas de Aregos, nas pessoas de Jorge Cardoso e Fernando Almeida, respectivamente.
Ao longo do visionamento, a emoção apoderou-se de muitos dos presentes, ao evocarem pessoas, locais e situações com as quais conviveram e se estavam de novo a confrontar. A satisfação que expressavam realçou quão verdadeiro é o ditado “Recordar é viver”.
*Apontamento de autoria de Marinho Borges, publicado no Jornal de Resende (número de Agosto de 2009)

Discurso de apresentação do documentário de 1945 sobre Caldas de Aregos*

Há 64 anos um dos maiores realizadores portugueses de então produziu um documentário sobre as Caldas de Aregos. Estávamos em 1945, no final da 2.ª Guerra Mundial, e, apesar da crise mundial, nas Caldas de Aregos acabara de se construir um moderno e funcional balneário termal, um dos melhores da Península Ibérica. Este documentário acabaria por nunca ser exibido e divulgado no concelho de Resende. E porquê? Porque a sua função era promover e divulgar as Caldas de Aregos, o concelho de Resende e o próprio Douro, noutras regiões do País, nomeadamente na capital.
Hoje regressa ao local de origem para ser visto e para documentar uma época importante da história do nosso concelho, na qual as Caldas de Aregos e as suas Termas eram uma referência, um local de excelência, no Douro, no país e por que não dizê-lo a nível internacional.
No âmbito das pesquisas efectuadas para o livro “Douro – Memórias das Caldas de Aregos” eu e o Pedro Ferreira tivemos conhecimento da existência deste documentário. De imediato, procurámos o seu rasto e encontrámo-lo na Cinemateca Nacional onde os negativos originais, em suporte de nitrato de prata, se encontravam em avançado estado de deterioração. A sua preservação e conversão em suporte fílmico contemporâneo, vulgo DVD, implicava custos avultados, apesar de se tratar de um documentário com apenas cerca de 10 minutos (só os negativos totalizavam 258 metros!!!). Chegámos a um acordo com a Cinemateca Nacional através do qual o Clube Náutico das Caldas de Aregos e aquela Instituição repartiam os custos da sua recuperação.
(Não quero deixar passar esta oportunidade para, num momento como este, referir que na ocasião a Câmara Municipal de Resende, através do Senhor Presidente António Borges, o Padre Joaquim Correia Duarte, o Sr. Jorge Saraiva e o Dr.º Marinho Borges disponibilizaram-se para o comparticipar financeiramente. Não o aceitamos. Não por uma razão de sobranceria mas porque entendemos que as colectividades devem, sempre que possível, financiar as suas próprias actividades e deixar de recorrer ao subsídio para tudo e mais alguma coisa. O Clube Náutico das Caldas de Aregos, com o apoio da Câmara Municipal de Resende ao livro “Douro Memórias das Caldas de Aregos”, encontrou essa disponibilidade financeira, mas agradece a todos aqueles que se mostraram disponíveis em ajudar-nos.)
O documentário encontra-se entre nós. Com um pouco de sorte à mistura, diga-se de passagem, uma vez que alguns destes documentários, feitos em grande número na época, foram destruídos de modo a aproveitar o nitrato de prata, posteriormente vendido a países como a Alemanha para alimentar a sua máquina da guerra.
A primeira legislação para o sector do cinema da Ditadura Nacional foi publicada em Diário de Governo, a 6 de Maio de 1927. O decreto n.º 13564 determinava, no artigo 136º: «Torna-se obrigatória, em todos os espectáculos cinematográficos, a exibição duma película de indústria portuguesa com um mínimo de 100 metros, que deverá ser mudada todas as semanas, e, sempre que seja possível, apresentada alternadamente, de paisagem e de argumento e interpretação portuguesa».
Era a lei dos cem metros, um diploma proteccionista que tinha por objectivo auxiliar e desenvolver a nossa precária indústria fílmica; tornar conhecido o país, através dum sistemático registo de imagens e respectiva projecção.
Armando de Miranda (Portimão, 16 de Novembro de 1904Brasil, 1971), algarvio de gema, destacado jornalista da época, aproveitaria esta lei para se lançar na realização de documentários, a exibir antes do filme de fundo de cada sessão. Na década de 40, época de ouro do cinema português, é já um dos mais destacados cineastas portugueses, destacando-se na realização de filmes como “José do Telhado” (1945), saga popular e grande êxito de bilheteira, e “Capas Negras” (1947), que lançaria Amália Rodrigues nas lides cinematográficas.
E é precisamente nesta época que é estreado no Politeama, em Lisboa, em 16 de Janeiro de 1946 o documentário “Caldas de Aregos – 1945”, de Armando de Miranda, um exclusivo Triunfo para Produtores Associados, antecedendo o filme “José do Telhado” do mesmo realizador.
Não será de estranhar que a Junta de Turismo das Caldas de Aregos e a Companhia das Águas das Caldas de Aregos quisessem promover e divulgar o novo balneário termal, com o projecto de construção aprovado em 1944 e concluído e equipado em 1946. Era uma construção ao gosto monumental do Estado Novo, que se desenvolvia em forma de L, com dois piso – no piso térreo encontrava-se a buvete num átrio amplo, os consultórios médicos e as instalações para os tratamentos otorrinolarinológicos, inalações individuais e colectivas e irrigações nasais com as respectivas salas de abafo e aplicações de lamas, no piso superior estavam os banhos de imersão e duches. As Caldas tinham então uma frequência de 2000 aquistas/ano.
É isto que o documentário reproduz, mas não só… outros locais do concelho, como o Penedo de S. João, Cárquere, Barrô, e da região são retratados como iremos ter oportunidade de ver e ouvir.
Para concluir um agradecimento especial, meu e do Pedro Ferreira, às direcções do Clube Náutico das Caldas de Aregos: à anterior, dirigida por Fernando Almeida, e a actual, dirigida por Jorge Cardoso.
*Proferido pelo Dr. Paulo Sequeira, em 07-08-2009, no Pavilhão Multiusos de Caldas de Aregos
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