terça-feira, 27 de abril de 2010

A caça em Resende*

Notas soltas sobre a actividade da caça
A caça sempre exerceu um fascínio sobre muitas pessoas. Parece ser uma actividade desencadeada por mecanismos de base filogenética, que tem acompanhado a evolução da humanidade. Sabe-se que o homem subsistiu principalmente através da sua condição de predador/caçador, competindo com os animais selvagens e perseguindo-os para a obtenção da carne para alimento e, como produtos subsidiários, das peles para agasalho, das gorduras para tratamento e conservação de utensílios e, mais tarde, para iluminação e dos ossos e das fibras para a confecção de instrumentos e armas. Aliás, a história da caça está intimamente ligada à evolução e aperfeiçoamento das armas de que o homem se foi munindo e que lhe foram conferindo supremacia sobre os outros seres. O caminho foi longo na sofisticação dos meios de defesa e ataque, desde o uso da força física, das unhas, dentes, pedras, paus, gaiolas e armadilhas (armas silenciosas) até às armas de fogo, a partir dos séculos XV/ XVI.
A importância dos animais e da caça está bem patente nas gravuras e desenhos rupestres, como testemunho inspirador de arte e comunicação desde os primórdios da humanidade. De actividade de sobrevivência, foi-se transformando numa manifestação de lazer e convívio, abarcando as classes privilegiadas. Daí as coutadas para fruição de reis, de aristocratas e das gentes abastadas, que conflituavam com os interesses e necessidades de quem nelas vivia e dos moradores circundantes, cujo regime, após suspensões temporárias durante a monarquia liberal e a primeira república, persistiu até ao 25 de Abril, tendo sido extinto em 1975 pelo Decreto-Lei n.º 407-C/75, de 30 de Julho, já que a respectiva concessão “sob a capa de medidas de protecção e de fomento da caça, mais não constituía do que uma fonte de privilégios a que urgia pôr termo”.
Retomando uma concepção maioritariamente partilhada, o que subjaz actualmente ao enquadramento legal do exercício da caça é o princípio segundo o qual as espécies cinegéticas (aves e mamíferos terrestres que se encontrem em estado de liberdade) não pertencem a ninguém, não se podendo confundir o direito de caçar com o direito de propriedade sobre os terrenos onde os animais se encontram.

Zonas de caça
Actualmente, existem dois regimes cinegéticos: o regime especial que se exerce em zonas de caça ordenadas, obedecendo à circunscrição de áreas mínimas de gestão (viável para as respectivas espécies) e com planos de exploração, e regime livre, abrangendo zonas não ordenadas, onde não é preciso pagar para caçar, estando prevista a sua extinção, embora tenha a oposição de cerca de 100.000 caçadores. As zonas ordenadas, de regime especial, contemplam cerca de 80% do território e podem prosseguir os seguintes objectivos: i) de interesse nacional (constituídas por áreas com determinadas características físicas e biológicas essenciais à preservação de determinadas espécies ou por zonas sensíveis à segurança do Estado, cuja gestão pode ser transferida para associações e autarquias); ii) de interesse municipal (para proporcionar o exercício organizado de caça a um número maximizado de caçadores em condições acessíveis); iii) de interesse turístico (que conciliam o aproveitamento económico dos recursos cinegéticos com a prestação de serviços turístico); e iv) de interesse associativo (que privilegiam o incremento do associativismo dos caçadores e o respectivo exercício de gestão).

Associações de caçadores do concelho de Resende
Actualmente, no nosso concelho, encontram-se constituídas três associações ligadas à caça: i) o Clube de Caça e Pesca de S. Cristóvão, com sede em Felgueiras; ii) a Associação de Caçadores e Pescadores de S. Cipriano, com sede na antiga escola de Covelinhas e iii) a Associação de Caçadores das Quelhas, com sede na antiga escola de Quelhas/Barrô.
O Clube de Caça e Pesca de S. Cristóvão foi constituído em 17.06.1998, tendo como presidente Francisco Rodrigues Rocha. Tem à volta de 80 sócios e abarca as freguesias de Felgueiras, Feirão, Panchorra e Ovadas. Constitui a zona de caça associativa de S. Cristóvão (Proc. N.º 851-DGRF/Direcção Geral dos Recursos Florestais). De acordo com os procedimentos obrigatórios, há placas identificativas de 100 em 100 metros ao longo dos limites da zona e das estradas. Para a constituição do processo foi obtida a autorização dos proprietários ou usufrutuários e arrendatários dos terrenos que constituem a zona de caça. Ninguém se opôs, embora esteja prevista tal faculdade. Caso fosse exercida, os interessados (que não poderiam ser titulares de carta de caçador) deveriam comunicar tal propósito à Direcção Geral dos Recursos Florestais, comprometendo-se a sinalizar o respectivo terreno.
A Associação de Caçadores e Pescadores de S. Cipriano foi constituída em 10.01.2002, tendo como presidente Jorge Manuel Teixeira Pinto. Tem 230 sócios e gere a zona de caça municipal do Penedo de S. João (Proc. 3350-DGRF), tendo aumentado a área de influência com a extinção da Associação de Caçadores e Pescadores da Cerca (Anreade). Abrange terrenos das freguesias de Freigil, S. Cipriano, Miomães, Anreade, Resende, S. Romão, Cárquere e Ovadas, totalizando 4 500 hectares. Além da caça às espécies habituais, tem efectuado várias batidas à raposa e montarias ao javali. Contudo, a grande obra, orgulho da actual direcção, é o cercado de 2 500m2, edificado há dois anos em Freigil, destinado ao fomento da criação de coelhos, cujos frutos já são visíveis no repovoamento da zona.
A Associação de Caçadores das Quelhas foi constituída em 17.10.1991, tendo como presidente Arlindo Manuel Pinto. Tem cerca de 190 sócios e gere a zona de caça associativa de Mesquitela (Proc. 2054-DGRF), abarcando terrenos de S. Martinho de Mouros, Barrô e Penajóia, e duas zonas de caça municipal, respectivamente a do Castro da Mogueira (Proc. 3209-DGRF), abarcando Barrô, S. João de Fontoura, Paus e S. Martinho de Mouros, e a de Fraga do Lobo e Santo Maroto (Proc. 4551-DGRF), englobando Samodães e Penajóia. Candidatou-se ainda à gestão de uma nova zona de caça municipal, de 105 hectares, com fortes probabilidades de concessão, onde predomina uma grande população de tordos, com garantias de crescimento. Convém salientar que foi com a actual direcção que esta associação ganhou um novo dinamismo, com reflexos visíveis, entre outras áreas, nas obras de requalificação da sede (ex-escola), na gestão informatizada, na implementação de um cercado de 5 000m2 com as infra-estruturas necessárias tendo em vista a criação e repovoamento de coelhos, na aposta em actividades de pesca com a concessão da gestão da ribeira de S. Martinho/rio Bestança e no fomento da criação de trutas.

Zonas de caça associativa e municipal: algumas características distintivas
Ambas são zonas criadas por portaria do Ministro da Agricultura, que define a área abrangida e estabelece o prazo de constituição/concessão, que na zonas municipais é de seis anos, podendo ir, no caso das zonas de caça associativa, de seis a doze anos, renováveis. No caso das zonas de caça municipal, são também definidas as percentagens de acesso de caçadores de acordo com prioridades estabelecidas legalmente (desde proprietários de terrenos nelas inseridos e membros das associações gestoras da zona até caçadores residentes e não residentes no respectivo município), já que às zonas de caça associativa têm acesso os sócios e convidados.
Com vista ao ordenamento dos recursos cinegéticos, o Estado pode transferir para associações de caçadores e organizações do sector da agricultura, da floresta e do ambiente e para as autarquias locais, incluindo Juntas de Freguesia, a gestão de terrenos cinegéticos ainda não ordenados, com vista à constituição de zonas de caça municipal. É do interesse do Estado promover esta transferência, pois só assim se tenderá ao ordenamento do território nesta matéria, assegurando-se assim a conservação, fomento e povoamento equilibrado das espécies cinegéticas. A transferência pode ocorrer por iniciativa do Ministério da Agricultura ou por candidatura das instituições atrás referidas. Estão nesta última situação a Associação de Caçadores e Pescadores de S. Cipriano e a Associação de Caçadores das Quelhas.
As entidades gestoras das zonas de caça municipal têm de apresentar anualmente à Direcção Geral dos Recursos Florestais (DGRF) um plano anual de exploração, propondo, nomeadamente, o número de exemplares de cada espécie a abater, que deverá corresponder à previsão do somatório da respectiva distribuição dos mesmos exemplares pelas jornadas de caça estabelecidas. Terá ainda de promover a divulgação das condições de candidatura e de acesso dos caçadores às jornadas de caça. Refira-se que, embora da candidatura à zona de caça municipal não faça parte a apresentação de um dossiê com a descrição do assentimento dos proprietários dos terrenos, estes podem sempre manifestar o direito à não caça nos mesmos. Por sua vez, as entidades gestoras das zonas de caça associativa têm de comunicar à DGRF os resultados anuais de exploração da época venatória anterior para verificação do cumprimento do plano de ordenamento e exploração cinegética, aprovado aquando da concessão da respectiva zona. Para isso, anualmente, no início da época venatória, a direcção da associação estabelece um limite de cada espécie a abater por jornada de caça.
Não é feita a caracterização de zonas de caça turísticas, já que as mesmas se cingem quase exclusivamente ao Alentejo, podendo ser geridas por entidades públicas e privadas, sendo consideradas por muitos como verdadeiras coutadas.

Caçar é caro
Mesmo que o exercício de caça se restrinja a zonas não ordenadas, os caçadores têm de cumprir um conjunto de requisitos: serem titulares de carta de caçador, terem licença de caça, possuírem licença dos cães que os acompanham, serem portadores de licença de uso e porte de armas e ainda livrete de manifesto, no caso de armas de fogo, e seguro de caça. Para ter acesso a zonas de caça é necessário pagar as quotas e as taxas respectivas. Mas as entidades gestoras têm um conjunto de obrigações que implicam muitas despesas, desde o pagamento de rendas e taxas à DGRF, a organização e actualização dos processos até iniciativas para a conservação e fomento de espécies cinegéticas.
No que respeita às três associações do concelho de Resende, as mesmas têm desenvolvido várias acções concretas nesta matéria, preparando e semeando centeio e outros cereais em vários terrenos e leiras e distribuindo comida apropriada por locais estratégicos e em determinados períodos do ano, destinada às várias espécies cinegéticas.
De referir ainda que o Clube de Caça e Pesca de S. Cristóvão tem ao seu serviço um guarda florestal auxiliar para policiar e fiscalizar a respectiva zona concessionada.
Montaria de caça ao javali
A montaria é um processo de caça em que o caçador aguarda em local previamente definido (portas) para capturar exemplares de caça maior (como javalis, veados e corços), levantados por matilhas de caça cujos cães são devidamente treinados e conduzidos por matilheiros. No nosso concelho, são organizadas anualmente diversas montarias, justificadas pelo aumento de javalis, a última das quais foi levada a efeito no passado dia 5 de Dezembro pela Associação de Caçadores das Quelhas. O programa, que teve início às 08h00 com a concentração na sede e terminou com um almoço, integrou um pequeno-almoço recheado (“Taco”), uma palestra e o sorteio das portas, com a saída das armadas, comandadas por um postor, que distribuiu os monteiros pelos locais correspondentes devidamente numerados. A montaria teve a participação de 51 caçadores, tendo contado com a mobilização de 4 matilhas (constituída cada uma por cerca de 30 cães), duas das quais vieram, respectivamente, de Idanha- a- Nova e Alcobaça. O resultado saldou-se na caça de 7 javalis e sobretudo por muito convívio. Uma nova montaria, organizada por esta Associação, está prevista para 16 de Janeiro do próximo ano.

Endereços
1. Clube de Caça e Pesca de S. Cristóvão
Felgueiras 4660 – 080 Resende Telef. 254 877 058 e 963 980 325

2. Associação de Pescadores e Caçadores de S. Cipriano
Covelinhas/S. Cipriano 4660-306 Resende Telef. 254 875 145 e 917 922 403

3. Associação de Caçadores das Quelhas
Lugar do Crucial/Barrô 4660 – 037 Resende Telef. 918 775 302 e 939 320 734
*Apontamento da autoria de Marinho Borges, publicado no Jornal de Resende (número de Dezembro de 2009)
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