segunda-feira, 19 de julho de 2010

HISTÓRIAS DE UMA VIDA… EM CÁRQUERE: Chamo-me Manuel Augusto Alves, mais conhecido por Manuel Guerra, e nasci em Cárquere há 70 anos*

História familiar
Tal como o meu pai, nasci aqui na aldeia de Pedreira em 1 de Dezembro de 1939. A minha mãe morreu em 1997 com 87 anos. O meu pai morreu mais novo, tinha ele 77 anos. Embora tivessem uma casa e umas terrinhas, foram sempre caseiros. O meu pai, quando podia, dava uns dias fora. Éramos cinco irmãos: três rapazes e duas raparigas. Um, infelizmente já morreu; suicidou-se há cerca de um ano.
Os meus irmãos saíram daqui para Lisboa quando tinham cerca de 15 anos. Já lá vivia um cunhado que os chamou e orientou. Os dois rapazes aprenderam a arte e tornaram-se carpinteiros.

Percurso pessoal
Foi já tarde quando comecei a ir às aulas. Inaugurei a escola de Passos. A Professora Odete, mulher do Dr. Brito de Matos, que foi Presidente da Câmara, foi quem me ensinou. Entrei com 10 anos, porque não havia escola na zona. Da primeira classe passei para a terceira. Não cheguei a conhecer o livro da segunda. Na terceira classe adoeci e tive de a repetir. Saía de manhã e voltava por volta das 5 horas da tarde. Vinha comer a casa. Embora aprendesse bem, não gostava de andar na escola. O meu pai é que me ameaçou em caso de desistência: se não vais à escola, irás trabalhar comigo no duro. Um dia, andava o meu pai a fazer um calço e tive de ir ajudá-lo. Estávamos a partir uma pedra; o meu pai segurava no pistolo e eu carregava na maceta. Às tantas, enganei-me e acertei na mão do meu pai. Sei que ele se enfureceu e ia para me dar uma coça, mas fugi. Foi remédio santo. A partir daí, comecei outra vez a frequentar a escola. Fui explicar a situação à Professora Odete, que me recebeu de braços abertos. Ainda me lembro bem de ter ido fazer o exame da quarta classe a Resende. Ia bem preparado. Naquele tempo, sabia-se a história toda e a geografia completa. As linhas do caminho de ferro, serras, rios e afluentes andavam na ponta da língua, não falhava nada. Agora há menos exigência.
Até aos 10 anos, antes de ir para a escola, guardei duas vacas e ajudei o meu pai nos campos.
Depois de fazer a 4.ª classe, pedi a um cunhado meu, que vivia em Lisboa, para lá me arranjar trabalho. Fui para uma oficina de serralharia, mas ganhava pouco. Preferi ir trabalhar nas obras onde andei até ir para a tropa.

Militar em Goa
Fui à inspecção em Resende, tinha eu 19 anos. Com 20 anos fui para o quartel de Caldas da Rainha, onde fiz a recruta e a especialidade de armas pesadas. Entretanto, fui mobilizado para a Índia. Saí daqui a 3 de Março de 1961, no barco “Niassa”, tendo desembarcado lá a 27 de Março. Fui pelo Egipto, Canal do Suez, porto de Áden, costa este de África e aportámos finalmente em Mormugão. Comia-se bem. Tenho as melhores recordações da viagem. Fomos para uma localidade chamada Alparqueiros render uma companhia.
Os dias iam correndo de feição. Goa era uma cidade muito bonita e desenvolvida. Ficava admirado com a imponência de casas senhoriais e de igrejas. A população, muito simpática, falava português e parecia muito instruída. Aquilo tudo punha a nossa terra num chinelo.
A certa altura, fomos informados que ia ocorrer uma invasão. Sabíamos que a Rússia estava a armar a União Indiana com navios de guerra e aviões. Criou-se um ambiente tenso, pois assistíamos, junto à fronteira, à invasão de centenas de indianos desarmados. Preparámo-nos para o pior escavando abrigos durante dois meses.

Invasão pela União Indiana
Na madrugada do dia 18 de Dezembro de 1961, aviões da União Indiana arremessaram centenas de mensagens, avisando: ou se rendem ou bombardearemos tudo. Nesse dia estava num abrigo com o municiador da metralhadora pesada e um ajudante. Eram cerca de 30.000 soldados indianos contra 3.500, se contarmos com a polícia e guarda fiscal. A invasão foi feita por terra, mar e ar. Uma granada quase nos ia apanhando. Por isso, tivemos de ir fugindo com a metralhadora até ao mar. Totalmente cercados, os soldados indianos gritavam exigindo a nossa rendição, caso contrário seríamos todos mortos. Contudo, havia ordens do governador e chefe das forças armadas para continuar a combater. Os oficiais de patente mais baixa eram de opinião que nos devíamos render para evitar a mortandade geral. Às 3 horas da manhã do dia 19, fui atingido com uma bala no capacete. O alferes tirou-me o capacete e disse: este já foi desta p’ra melhor. Felizmente, a bala foi desviada. Vi ainda morrer alguns. A ordem de rendição do Governador e Chefe das Forças Armadas Vassalo e Silva chegou ao princípio da tarde desse dia 19.

Cativeiro
Na altura da rendição, tinha comigo uma pistola e um sabre. Como castigo, estive algemado com as mãos atrás das costas, durante três dias, juntamente com cinco colegas, encontrados na mesma situação. Realmente, devia ter abandonado as armas para não os enfurecer.
Fomos levados para um campo, vedado com arame farpado. Estavam à volta de 1.500 prisioneiros. Semelhante a este, havia mais dois campos. Fiquei aqui 5 meses em condições muito duras. As refeições eram pão e água. As necessidades eram feitas numa cabine improvisada, sem papel higiénico nem água. Muitas vezes, limpei-me a uma pedra. Só sei que antes da prisão pesava 75 quilos e quando cheguei a casa pesava 49.
Arrebentou-se-me o corpo todo. Nasceram umas bolhas, formando chagas. Pensei que ia morrer. Um alferes deles que falava português disse-me: tens de ir para o hospital. Mas um nosso graduado, o alferes Mota, disse-me: tu não vais nada para o hospital que nós estamos prestes a sair daqui. No campo podíamos ouvir rádio. A certa altura, correu a notícia de que a nossa libertação estaria eminente e havia conversações com diversos países, nomeadamente com a França.

Libertação
E esse dia chegou finalmente. Foi a 5 de Maio de 1962. Fomos em aviões franceses até Karachi, no Paquistão. Lá estavam à nossa espera três barcos, vindos de Portugal (“Pátria”, “Moçambique” e “Vera Cruz”). Também nos esperavam alguns médicos. Fui logo atendido por uma médica, que me desinfectou e pôs alguns pensos. Tinha de me embrulhar num lençol por causa das dores e facilitar a recuperação. Ela animou-me, dizendo que brevemente estaria bom.
No princípio, não tinha apetite e custava-me muito engolir. Fui comendo aos poucos. E as chagas lá foram sarando e desaparecendo aos poucos.
Cheguei a Lisboa a 23 de Maio. O meu cunhado foi-se despedir à partida, mas não teve coragem para estar presente à chegada. Seguimos para o quartel de Caldas da Rainha para receber a guia de marcha para a “peluda”, terminando finalmente a viagem em Cárquere.
Depois da invasão, durante algumas semanas, não chegou nenhuma correspondência à família. E mesmo os aerogramas, que tinha escrito um pouco antes, arderam. Com a falta de notícias, a minha mãe chegou a desmaiar. Na prisão autorizavam que escrevesse, mas não podia dizer mal da situação que aí se vivia. Havia censura.
Nos primeiros tempos, andei muito perturbado. Ainda me recordo que na primeira festa de Santa Maria de Cárquere, que aqui passei, ao ouvir fogo, deitei-me logo para o chão. E fiquei desvairado. Pensei que eram os indianos a atacar. Acontecia-me o mesmo sempre que ouvia fogo nas festas. Depois lá foi passando.

Nova vida em Cárquere
Comecei a trabalhar como trolha, tendo casado quando tinha eu 24 anos. O namoro começou antes da tropa. A minha futura mulher ainda pensou que ficava sem namorado, mas teve-me de volta. Ainda lhe escrevi muitos aerogramas de Goa.
Vim para a casa onde ainda hoje moro, que era dos meus pais, sendo obrigado a pagar-lhes duzentos escudos de renda por ano. Depois comecei a fazer-lhe as terras a meias, continuando a ganhar o dia como trolha ou nas terras.
Nasceram três filhos, mas um morreu com 25 meses e outro veio já morto. Vingou a minha filha, que aqui ficou e casou. Não tenho netos.
Já tive duas tromboses. A primeira teve lugar em 29 de Dezembro de 1997. Fui internado no hospital de Vila Real. No mesmo dia em que tive alta, morreu a minha mãe. Cheguei aqui à noite; às 3 horas da manhã, morreu. Tive um segundo ataque em 2005. Dessa vez, fui internado no hospital de Viseu. Estou a tomar 21 comprimidos por dia, para tensão, diabetes, colesterol…Só mais de 100 euros são para a farmácia. E a minha mulher, que ainda vai trabalhando, só recebe de reforma 83 euros. A nossa filha também nos vai ajudando.
Continuo a ser conhecido por Manuel Guerra. Se chegar aqui e perguntar por Manuel Alves, as pessoas pensam duas vezes. Se disser que quer falar com Manuel Guerra, toda a gente conhece. Esta alcunha vem do meu pai e a história conta-se assim. Na altura, pelos Reis, gente da mesma casa aparecia a pedir três vezes. De manhã, eram as mães; à tarde, os filhos e à noite, os pais. O meu tinha casado há pouco tempo e, naquela altura, a vida estava muito difícil. O meu pai não estava muito receptivo. Então uma mulher disse: ó homem dê lá qualquer coisinha que vem lá uma guerra e não fica cá ninguém. E o meu pai respondeu: oiça lá, mesmo que morra metade nessa guerra que aí vem, ainda cá fica muita gente. A partir daí, ficou conhecido por Guerra. No princípio, para o meu pai era um nome manhoso. Quanto a mim, sempre o aceitei bem e é um nome de respeito.
Custa-me a dormir. Tenho muitas dores. Durmo uma hora, acordo e depois durmo outra vez. De dia, vou-me distraindo com os vizinhos. Aos cafés escuso de ir, porque não posso beber. Mesmo assim gosto de cá andar. Tomara eu viver mais uns aninhos.

Nota: “Histórias de uma vida…” é fruto de uma conversa não gravada, podendo não corresponder exactamente ao que nela foi afirmado.
*Apontamento de autoria de Marinho Borges, publicado no Jornal de Resende, número de Junho de 2010

domingo, 18 de julho de 2010

HISTÓRIAS DE UMA VIDA… EM S. CIPRIANO: Chamo-me Vicente António Dias e nasci em S. Cipriano há 100 anos*

Qualidade de vida aos 100 anos
Tenho razões para ser uma pessoa feliz. Sempre me dei bem com a minha mulher, que está aqui ao meu lado, ajudando-nos mutuamente numa vida difícil. Continuo a ter sorte, pois os nossos filhos apoiam-nos muito. O nosso filho, que vive numa casa perto da nossa, vem frequentemente perguntar e ver se está tudo bem. E as duas filhas, uma das quais vive em Gondomar e a outra em Vila Nova de Gaia, revezam-se, vindo cá quase todos os fins de semana. Desde Agosto do ano passado, o almoço vem do Centro Comunitário de S. Romão. À noite, aquecemos o resto da sopa e assim ficamos aconchegados para dormir.
Só fui operado às cataratas. Também estive bastante mal, tinha eu trinta e tal anos com uma febre intestinal, que atingiu muitas pessoas de S. Cipriano, tendo morrido muitas delas. Estive várias semanas de cama. A partir de uma certa altura, comecei a perder o apetite e não metia nada à boca. Até que fiquei mirradinho de todo e perdi a consciência. Um dia, uma irmã minha veio a casa visitar-me e chamou por mim. E eu olhei para ela e sorri. Parece que foi milagre. A minha mulher foi logo fazer um chá de cidreira e lá fui bebendo a custo. Depois deu-me a comer um pedaço de uma batatinha cozida, esmagada e embebida em azeite. Fui comendo aos poucos e cá estou. Houve uma outra vez, tinha eu mais de 60 anos, em que também estive acamado, mas por palermice minha. Estava eu a ajudar a meter a bagagem de uma senhora daqui de S. Cipriano, no comboio, na estação de Mosteirô, quando as carruagens começam a andar comigo lá dentro. Fiquei todo atrapalhado. Quando o comboio já tinha andado uns bons quilómetros, ganho coragem e atiro-me cá para fora. Claro que fiquei todo partido. O comboio entretanto pára, porque alguém puxou o alarme. Sei que fiquei junto a umas silvas. Pouco depois, chegaram os bombeiros que me levaram para o hospital de Marco de Canaveses. Fiquei com uma perna engessada. Queriam que eu lá ficasse uns dias, mas pedi para vir logo para S. Cipriano, pois é aqui que me sinto bem. Fiquei imobilizado durante três meses. Ainda fui a um endireita do outro lado do rio. Por causa desta brincadeira, ainda tive de pagar uma multa aos Caminhos de Ferro. Ah, também tive uma úlcera que consegui curar.
Mesmo com os achaques da idade, a máquina lá vai funcionando mais ou menos bem. Há pessoas muito mais novas que têm muito mais razões de queixa.
Tomo 5 medicamentos diferente por dia, para prevenir algumas doenças e outras maleitas, como o colesterol. Não preciso de tomar nada para dormir. Descanso lindamente. Felizmente não dependo de ninguém no dia-a-dia. Gosto de falar com as pessoas. Depois do pequeno almoço, quando está bom tempo, dou um passeiozinho. Depois do almoço, gosto de sair. Ao meio da tarde, sou capaz de dormir uma sesta. Gosto disto. Quando as minhas filhas me levam para Gondomar ou Vila Nova de Gaia, sinto logo saudades. Não me estou a ver num lar.

Descendência numerosa
Nasci em Covelinhas, em 25 de Dezembro de 1909. A minha mulher fez 96 anos no dia 24 de Maio. Éramos 10 irmãos. Uma irmã morreu com cerca de 30 anos. Há 11 anos morreu a última irmã, tinha ela 92 anos. Os outros morreram com a idade à volta de 65 anos. Agora sou o último. Estou preparado para partir quando Deus quiser. Ele é que sabe.
Tenho um filho e duas filhas, como já lhe disse. Netos são 12; bisnetos já somam 20 e trinetos já chegam aos 6. Tenho assim 41 descendentes directos. Dão para encher uma carreira. As pessoas que estiveram na festa em que fiz 100 anos davam para encher um campo de futebol.

Em casa dos pais
Naquela altura, começava-se a trabalhar no duro com cinco ou seis anos. O meu pai sempre foi caseiro, embora de seu tivesse uma casinha com um pequeno quintal. Desde pequenino que comecei a guardar o gado, a rapar as ervas, a empalhar as vacas.
Nunca entrei numa escola. Aprendi a ler e a escrever com um jeitoso, tinha eu 12 ou 13 anos. Aprendi à noite. O tal senhor começou por me ensinar em casa dos meus pais. Deixava lá uma vara para me arriar. De vez em quando era cada vergastada que eu sei lá. Até que um dia, uma irmã minha, com pena de mim, escondeu a vara. E o senhor ficou muito aborrecido. A partir daí, as aulas começaram a ser em casa dele. Como paga, a minha mãe dava-lhe qualquer coisita ligada à agricultura. Cheguei a ler e a escrever mais ou menos bem. Quanto à tabuada, não passei das contas de somar. Noutras contas senti mais dificuldade. Sabe, ler e escrever deram-me muito jeito. Na tropa, em Santarém, escrevia todas as semanas à minha namorada, àquela que é hoje a minha mulher. Enquanto eu escrevia quando queria e o que queria, a minha mulher tinha de pedir a outra pessoa para o fazer.
Até casar, trabalhei sempre para os meus pais. Mesmo quando dava algum dia fora, tinha de lhes entregar o dinheiro. Levei muitos carregos às costas e ajudei a levar muitas carradas de cereais para o celeiro de Caldas de Aregos, mas o dinheiro não passava pelas minhas mãos.
Trabalhava-se bem, mas comia-se mal, como se costuma dizer. Havia uma malga de caldo, uns painços e a cabeça ou rabo de uma sardinha, de vez em quando. A vida era trabalho. Ia-se para os campos antes das Ave-Marias e voltava-se já noite cerrada. Chegava-se ao fim do dia completamente estafado. A única distracção era ir à missa. Não se sabia nada. Veja bem que mesmo o 25 de Abril, soube-o por vizinhos. Mesmo nessa altura não tinha rádio, nem a casa, onde era caseiro, tinha electricidade.
Ouvia falar da monarquia, da implantação da república, mas mais nada. Aqui não chegavam notícias nem havia tempo para discutir política. A nossa preocupação era arranjar pão para comer.
Ainda estive um ano a servir, quando tinha pra aí 18 anos. Ganhava uns tostões. O dinheiro que ganhei deu para comprar as primeiras botas. Além desse dinheiro, o patrão deu-me uns socos, duas camisas e dois chapéus, um de pano e outro de palha. Para ter uma ideia da dureza daqueles tempos, o filho do patrão arranjou tudo sozinho e fugiu pró Brasil. Veio depois, passados 12 anos e cá casou.
Tropa
Fiquei apurado para a tropa. Tive um ano de espera. Fui para a arma de cavalaria, em Santarém. Estive lá 15 meses. Nunca vim de fim de semana a casa. Fiquei sempre por lá. Não havia dinheiro para vir de comboio. Comparado com o que se comia e trabalhava em casa, passava-se lá bem. Quando um patrão que tivemos, conhecido pelo Sr. Reitor ou Padre Rocha, nos disse todo contente que tinha comido um prato de arroz, veja lá bem a miséria.
Ainda me lembro de me encarregarem de ir buscar um cavalo a Lisboa. Para baixo, fui de comboio e levei os arreios. O cavalo, como não estava habituado, era um bocado teimoso, mas lá vim, com as rações que um soldado me deu. Trazia umas guias para ficar em casa da guarda, em Vila Franca de Xira. Dormi com o cavalo numa cavalariça. Depois lá fiz a viagem até Santarém.
No quartel tinha um cavalo atribuído de que era responsável. Também montava e treinava outros cavalos. Acho que era uma vida boa. No fundo, ficava satisfeito por não poder vir a casa. Estou convencido que o meu pai me obrigaria a trabalhar, se cá viesse.

Namoro e casamento
Um dia, vinha com um vizinho de Covelinhas para S. Cipriano. Vi aquela que é hoje a minha mulher e perguntei-lhe se a podia acompanhar. Só para fazer o papel dela, ainda disse: vá ter com o seu companheiro. E virou para casa. Insisti: posso acompanhá-la? Fui atrás dela, não mostrando, desta vez, qualquer reacção. Nesse dia, demos uma volta. Estava o destino traçado. Ainda tive duas moças que gostaram de mim, mas era da que é hoje minha mulher que gostava mesmo. Este primeiro encontro aconteceu tinha eu 21 anos e a minha mulher 16. Namorámos durante 6 anos. Na tropa, como já disse, escrevia-lhe todas as semanas. Normalmente, comprava uma folha de papel, envelope e o selo. Um dia, escrevi a carta, meti-o dentro do envelope e fechei-o. Fui à procura do selo e não o encontrei. Tinha-o deixado dentro do envelope, que o tive de inutilizar. Lá foi mais uma despesa para a qual não esperava.
Casei em 28 de Julho de 1936. Na véspera, ainda fui trabalhar. E vá lá, o meu pai permitiu que ficasse com o dinheiro que ganhei nesse dia. Foi o único dinheiro que tinha. Para o casamento escolhi a melhor roupa que havia lá em casa. Para as despesas tirei dinheiro a juros.

Vida de caseiro
Logo que nos casámos, fomos para caseiros. Era a nossa sina. Como é que havíamos de governar a vida? Para comprar os arreios para as vacas e outras coisas indispensáveis também tirei dinheiro a juros. Pertencia a uma família honrada, por isso havia sempre gente que mo emprestava. Os presuntos e salpicões do primeiro porco que matei foi para pagar a quem devia.
Tive vários patrões, mas sempre saí de bem com eles. Todos me disseram que podia voltar sempre que quisesse. Tive sempre a porta aberta. Mas nós tínhamos de estar abertos a quem nos oferecia melhores condições. Tudo o que era criado no chão (batatas, milho, centeio…) era de meias. O que vinha do ar (fruta e vinho) era de terços. As vacas eram do patrão, sendo o lucro das crias dividido a meias. Caso morressem, tínhamos de suportar metade da perca. Claro que podia criar um porco, galinhas e coelhos, mas alguns patrões exigiam o lombo do porco, 6 frangos por ano e duas dúzias de ovos pelo Natal e Páscoa.
A altura mais difícil ocorreu por alturas da Segunda Guerra Mundial com o racionamento do arroz, do sabão e de outros produtos. Podia não haver carne, que ficava mais para as vessadas e dias de festa. Podia não haver fartura, mas fiz todos os possíveis para que não houvesse fome em casa.
Trabalhei até aos 90 anos. Partirei quando Deus quiser.

Nota: “Histórias de uma vida…” é fruto de uma conversa não gravada, podendo não corresponder exactamente ao que nela foi afirmado.
*Apontamento de autoria de Marinho Borges, publicado no Jornal de Resende, número de Maio de 2010

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Comunicação do Dr. Vítor Borges na apresentação do livro “NUNO DE SANTA MARIA – Fragmentos de Memória Persistente” *

É uma honra e um privilégio poder estar presente nesta sessão de apresentação do Livro do Professor Doutor Aires Nascimento – Nuno de Santa Maria, Fragmentos de Memória Persistente.
Conforme resulta da investigação do autor constante de um dos ensaios, Nuno Álvares Pereira nasceu em 25 de Junho de 1360, pelo que estamos a comemorar os 650 anos do seu nascimento.
Tal como para o autor, também para mim “há circunstâncias particularmente influentes na construção de afectos. A de lugar toca-nos particularmente, sobretudo quando a ele nos prende a devoção, a piedade e um imaginário que se desenvolve em torno da figura de um herói com quem entramos em relação mais frequente por se dizer ligado ao local onde vivemos parte da vida (que despontava e conduziu as escolhas decisivas) e nos descobrimos também na rememoração da história pátria”.
Em Cernache do Bonjardim, estive em 6 de Junho de 1960 aquando da celebração dos 600 anos do nascimento de São Nuno.
Posteriormente, estive na Escola Prática de Infantaria de que D. Nuno ainda é o patrono.
Ontem, 24 de Junho que é suposto ser a data oficial dos 650 anos do seu nascimento, verifiquei que só em Cernache do Bonjardim foi celebrada a efeméride com a presença do Chefe da Casa Militar do Senhor Presidente da República e, evidentemente, com a representação da Escola Prática de Infantaria.
E quanto a comemorações oficiais parece que nada mais há, a não ser um concurso da Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular do Ministério da Educação, que, ao que parece, teve muitos concorrentes e cujos resultados serão apresentados no próximo dia 30 de Junho.
O concurso intitulado “Vamos Contar a História de Nuno Álvares Pereira” tem por objectivo a realização de trabalhos de natureza diversa que contribuam para promover o estudo alargado desta figura multifacetada (D. Nuno), o conhecimento da sua acção como protagonista dos fenómenos históricos do tempo em que viveu e a sua projecção ao longo de diferentes épocas.
Conforme é referido na justificação do concurso, D. Nuno é “personagem da nossa memória colectiva, que desde muito cedo mereceu a atenção de vários sectores da sociedade portuguesa, como se pode constatar, nomeadamente, através de numerosos textos escritos desde o século XV (a Crónica de D. João I, de Fernão Lopes e a Crónica do Condestabre, texto anónimo), às múltiplas obras dos tempos actuais, bem como na poesia portuguesa de Camões e Pessoa”.
Quando se refere às obras dos tempos actuais, julgo que tem em conta a investigação feita pelo Professor Aires Nascimento nos 10 ensaios constantes do Livro “Nuno de Santa Maria – Fragmentos de Memória Persistente”.
A persistência do Presidente da Associação Regina Mundi, José dos Santos Ponciano, fez com que dos dois ensaios iniciais ainda publicados antes da canonização de S. Nuno de Santa Maria em 26 de Abril de 2009, resultassem mais oito e a introdução que fazem parte do presente livro.
Tenho que saudar o meu amigo José Domingues dos Santos Ponciano por ter desafiado o Professor Aires Nascimento para este projecto que julgo, conforme resulta do livro, que aceitou o desafio com todo o prazer e pôs em funcionamento todas as suas capacidades e talento de professor universitário, académico e investigador.
Como sabem, o Professor Aires Nascimento é licenciado em Filologia Clássica pela Faculdade de Letras de Lisboa e é seu professor catedrático (actualmente jubilado) desde 1985.
Ao longo da sua brilhante e profícua carreira desempenhou várias funções universitárias, desde coordenador do Departamento de Estudos Clássicos daquela Faculdade, Vice-Presidente do seu Conselho Científico e Pró-Reitor da Universidade de Lisboa.
É membro das mais diversas instituições científicas nacionais e estrangeiras incluindo a Academia das Ciências de Lisboa, a Academia Portuguesa de História, a SISMEL, de Florença, a ISIEME, de Roma, a Academia de Bones Lletres, da Catalunha, etc, etc.
Foi durante 25 anos Director da revista de Filologia Clássica “Euphrosyne” e 15 anos Director do Centro de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras de Lisboa. Pertence ao Conselho Científico de diversas revistas científicas (nacionais e estrangeiras).
Dirigiu projectos científicos em colaboração com instituições universitárias, assegurando o ensino de diversas disciplinas (no domínio dos Estudos Clássicos, Grego e Latim), iniciou em Portugal o estudo da tradição dos textos e do livro manuscrito (Filologia, Codicologia, Tratamento Electrónico de Textos).
No seu currículo científico destacam-se edições críticas de textos latinos medievais de tradição portuguesa (30 monografias), estudos filológicos e literários com incidência maior no domínio medieval ou renascentista (c. 300 artigos), estudos críticos (em recensões e pareceres científicos).
Entre os prémios com que foi distinguido conta-se o Grande Prémio de Tradução pela tradução da Utopia de Tomás Moro (Prémio União Latina e FCT). Pelo mesmo trabalho recebeu também Prémio de Tradução do PEN Club.
O que disse vem na capa do livro mas quis destacar o último ponto relativo à tradução de Utopia de Tomás Moro por me parecer haver uma certa coincidência entre Tomás Moro e D. Nuno Álvares Pereira. Ambos foram políticos e são santos. S. Tomás Moro foi designado por João Paulo II como patrono dos políticos. Por sua vez, do livro do Professor Aires Nascimento, da personalidade de S. Nuno de Santa Maria são destacadas as suas virtudes humanas e morais (virtudes com o significado de excelência, conforme é referido pelo autor) mais do que aquelas que é costume destacar na biografia de um santo.
As virtudes, chamadas virtudes cardiais: prudência, justiça, fortaleza e temperança que já os filósofos gregos consideravam como fundamentais e, por isso, cardiais, são realçadas quer no “Sumário que o Infante (D. Duarte) deu a Mestre Francisco para pregar do Condestabre Dom Nuno Alvarez Pereyra”, quer na oração que o Infante D. Pedro fez em 1437 e que o autor traduziu e que é distribuído com o livro: D. Nuno é modelo de governantes, exemplo dos senhores, espelho de contemplativos, firme e forte em combate, comedido e apiedado na vitória, justo e misericordioso na paz, obediente e forte no claustro. Em toda a situação se afirmou com dignidade e brio e assim como nos seus dias de vida alcançou honra e glória assim também é merecedor de alcançar no céu a eterna bem-aventurança.
Por que é um académico e investigador, os ensaios constantes do livro não podiam deixar de ser, como o são, produto de uma rigorosa e fundamentada investigação.
O ensaio sobre a antiguidade do culto de S. Nuno levou o autor até Parma para poder in loco verificar na Biblioteca Palatina de Parma o manuscrito litúrgico nela conservado e que seria o primeiro testemunho litúrgico do culto a S. Nuno de Santa Maria.
A vasta cultura do autor permite também que sejam analisados em pormenor a importância de D. Nuno Álvares Pereira nos Lusíadas ou na Mensagem de Fernando Pessoa.
O facto de o autor também ser considerado o maior codicologista português e um dos maiores da Europa e ter sido Presidente do Instituto Português de Arquivos permitiu que muitos documentos históricos que se encontram citados no original e, sobretudo, que no livro se encontrem ilustrações, iluminuras e ícones que muito provavelmente não se encontrarão em mais livro nenhum.
Sei que o Professor Aires Nascimento acompanhou toda a edição do livro e escolheu as ilustrações que o acompanham.
Por isso, além do mais, o livro hoje apresentado é um livro belo.
Não se trata de uma hagiografia tradicional ou vulgar, pois como se disse, mais do que as virtudes tradicionais dos santos, são relevadas as virtudes humanas, morais e intelectuais dos homens, neste caso de D. Nuno Álvares Pereira.
Não é um livro fácil, pois, apesar do esforço, o Professor Aires Nascimento rege-se pelo princípio de que não vale a pena fazer seja o que for se não for bem feito. E o Professor, o Académico e o Investigador estão sempre presentes no que faz e no que escreve.
Eu li com muito prazer e proveito o livro “Nuno de Santa Maria – Fragmentos de Memória Persistente”. Espero que os presentes tenham o mesmo prazer intelectual de o ler como eu tive.
*Em sessão que decorreu no Casino da Figueira da Foz, em 2010-06-25

Pe. Marcos Alvim lançou em Lamego novo trabalho discográfico*

No passado dia 2 de Julho, o Auditório o Centro Paroquial de Almacave - Lamego, acolheu várias centenas de pessoas para participarem na apresentação do CD/Livro de músicas de mensagem do Pe. Marcos Alvim, lançado pelo Secretariado Diocesano da Pastoral Juvenil da Diocese de Lamego e pelas Edições Salesianas.
A palavra de abertura coube ao responsável da Pastoral Juvenil da Diocese, Pe. Bráulio, que começou por saudar todos os presentes e de modo particular o Pe. Marcos Alvim a quem dirigiu palavras de reconhecimento pelo trabalho desenvolvido no campo da música e da produção musical.
Seguiu-se a apresentação das músicas interpretadas pelo Pe. Marcos Alvim, acompanhado ao piano pelo seu produtor, Prof. Alberto Mendonça.
A meio da apresentação o Pe. Marcos Alvim, dirigiu uma palavra a todos os presentes, agradecendo o apoio e estímulo para a continuidade do seu trabalho. Salientou ainda a importância que a música tem na sua vida, no seu ministério e na vida da Igreja.
Seguiu-se a palavra do Sr. Bispo de Lamego, D. Jacinto, que felicitou o Pe. Marcos Alvim, o Secretariado da Juventude e as Edições Salesianas por este trabalho e convidou-nos a “louvar e saborear a presença do Bom Mestre no meio de nós ao ouvir estas belas melodias”.
O CD/Livro “Bom Mestre…” está nas livrarias católicas ao dispor de todos aqueles que gostam de sonoridades mais jovens, onde o ritmo e a melodia se conjugam numa harmonia bela. Este é certamente mais um instrumento de trabalho para párocos grupos corais, grupos de jovens e para todos aqueles que gostam de louvar a Deus “com arte e com alma”.
*Artigo elaborado por Prof. Aquilino Rocha Pinto
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