terça-feira, 28 de dezembro de 2010

CASA DO CONCELHO DE RESENDE EM SINTRA ORGANIZOU FESTA DE NATAL*

Almoço de Natal
Como já vem sendo hábito, a Casa do Concelho de Resende em Sintra levou a efeito, no passado dia 12 de Dezembro, na sede do Sporting Clube de Lourel, uma festa de Natal, de cujo programa fez parte um almoço e uma tarde de convívio. Durante toda a manhã, voluntários deram o seu melhor na cozinha para que do almoço saísse um manjar. Enquanto na cozinha se trabalhava afanosamente, uma mesa ao lado ia-se embelezando de aperitivos e sobretudo de sobremesas que iam chegando, fruto da arte e colaboração de várias famílias.
A partir das 12h começaram a aparecer os primeiros convivas. Até ao início da refeição, pelas 13h, quem chegava ia pondo a conversa em dia. Os vínculos a Resende foram ditando as palavras, dichotes e silêncios, sendo a razão do à vontade entre todos. Foi lá, na mesma terra comum, que se moldaram personalidades, se forjaram os primeiros sonhos, se construiu a paisagem indelével das geografias pessoais e se desenrolaram os acontecimentos que se converteram em referências da memória e em escudos contra a saudade. Para quem vive longe, Resende é um conjunto de lugares e pessoas que povoam recordações, tendo o condão de desencadear, mais que um sentimento de melancolia, uma força tranquilizadora que, não importando onde se viva, convoca para convívios entre conterrâneos como este, ou para o refúgio originário onde se nasceu e cresceu, para onde se pode retornar ou regressar definitivamente.
Marcaram presença neste almoço, servido a preceito por uma equipa com adereços do Pai Natal, 167 pessoas. O Presidente da Direcção, Joaquim Pinto, desejou a todos Boas Festas de Natal, fazendo simpaticamente questão de sublinhar a presença do repórter do “Jornal de Resende” nos últimos eventos da Casa do Concelho de Resende, tendo lançado o desafio aos presentes para que assinassem e lessem este jornal, pois, além das notícias, “tem a vantagem de não sujar os dedos”.

Tarde de convívio
O programa da tarde esteve muito voltado para os mais novos, como convida esta quadra natalícia. Por volta das 16h, teve início uma representação teatral por um grupo de dez jovens, que levou ao palco a peça “Noddy salva o Natal”, escrita pela Educadora Carolina Pinto Dias. Durante cerca de um mês, “o encenador” Joaquim Botelho deu vida e ajudou a interiorizar personagens tão divertidos como o Noddy, o Pai Natal, o Sonso, o Orelhas ou o Mafarrico, que prenderam a atenção e fizeram soltar gargalhadas à numerosa assistência. “Era uma vez no país dos brinquedos…” foi o mote inicial que teve o condão de calar toda a gente.
Seguiu-se a actuação do Grupo Coral da Casa do Concelho de Resende, que brindou a assistência com várias canções alusivas ao Natal. Refira-se que a sua próxima actuação acontecerá no dia de Reis, nos espaços da Câmara Municipal de Sintra, onde mais uma vez serão os arautos de canções assentes num reportório com origem, quase exclusivamente, no concelho de Resende. Na sequência desta actuação, foi dada a oportunidade para alguns dos mais novos mostrarem os seus talentos musicais.
Quando menos se esperava, um grupo de palhaços entrou em cena, pondo as crianças de olhos em bico, e que serviu para preparar a chegada da personagem mais desejada, ou seja, o Pai Natal. Quando este apareceu, com o sonoro “Ho!Ho!Ho!...”, foi o encantamento para as 27 crianças presentes, que seriam contempladas com brinquedos, retirados de um grande saco vermelho. Para marcar ainda mais a diferença desta tarde, dedicada sobretudo às crianças, as mesmas, antes de irem para suas casas experimentar os brinquedos recebidos, foram obsequiadas com um lanche, à base de bolos e pastéis, que já tinham feito crescer muita água na boca.
Refira-se que esta tarde de animação, que mereceu o aplauso de todos, foi fruto exclusivo do empenhamento e da criatividade de elementos ligados à Casa de Resende, o que deve ser devidamente realçado.
*Apontamento da autoria de Marinho Borges, publicado no Jornal de Resende, número de Dezembro de 2010

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

HISTÓRIAS DE UMA VIDA… EM BARRÔ: Chamo-me Henriqueta de Jesus e nasci em Vales, Barrô, há 76 anos*

Vida dura
Venho das minhas territas, onde continuo a trabalhar. Semeio batatas e feijões, planto cebolas, alfaces, tomates e couves; apanho fruta, vindimo e faço a poda. Parar é morrer. Para cismar já me basta à noite, pois tenho de tomar uns comprimidos para dormir. Então, quer falar comigo acerca da minha vida? Tenho pena em desapontá-lo, mas eu não tenho muita coisa boa para lhe contar. Tive uma vida muita dura, sabe? Passei uns maus bocados e alguma fome. Antigamente, vivia-se com pouco. Não podíamos exigir muito, pois as dificuldades eram muitas. Até aos cinco, seis anos, morriam muitas crianças. Comia-se mal e, em caso de febres e doenças, não havia dinheiro para ir ao médico. Havia anos, por causa do codo, que queimava tudo, em que nem couves havia para fazer o caldo. Para enganar a fome fazia-se uma sopa de água com unto ou de ramas de batata, de casca de favas e até de urtigas. Sobreviver a tudo isto era um milagre. A juventude de hoje não faz a mínima ideia de quanto a vida era dura antigamente. Estou convencida que a gente nova de hoje não aguentaria. Foi habituada a ter tudo e a não fazer nada. Por isso, não se esforça como devia ser. Ao menos que estudasse para compensar os esforços dos pais. Mas não vejo isso. A malta nem estuda como devia nem ajuda os pais. Não vejo os jovens preparados para enfrentar o que aí vem. As notícias que dão na televisão não são muito animadoras. O país está muito endividado. Quiseram viver todos à grande e à francesa à custa dos outros. E claro, não havendo trabalho, nada feito. Só espero que ainda sobre dinheiro para pagar os remédios e as pensões dos mais pobres. Mas até nisso, segundo dizem, também vão mexer.
Está a ver esta encosta, por aí acima? Desde criança era percorrida a pé e descalça, quer fizesse sol, quer caísse chuva. Muitas vezes, fui à feira a Lamego descalça e carregada, com uma côdea de pão para o caminho. Em dia de festa, como a de Nossa Senhora dos Remédios, ia descalça, levando os sapatos num saco, só os calçando no destino. Mas era uma alegria, pois púnhamos a conversa em dia com os nossos vizinhos e gentes das aldeias próximas. Desde pequena aprendi com a minha mãe o quanto era a vida dura para uma mulher. Cedo vi como se amassava a farinha, se acendia o forno e se cozia o pão, e logo comecei a ajudar. Também comecei muito nova a lavar a roupa. Era preciso branquear os lençóis já gastos e tirar o surro das calças, camisas e saias, ensaboando-as bem, mexendo aqui, torcendo ali, em horas seguidas de muito esforço. Depois de posta a corar e secar, engomava-a, como agora se diz, com um ferro já velho, bufando lá para dentro de vez em quando para que as brasas avivassem.
Comia-se do que havia. Mas se aparecia algum pobre, daqueles que andavam de terra em terra e nada tinham, porque eram doentes ou já não tinham forças para trabalhar, não iam embora sem lhes oferecermos uma malga de caldo ou um naco de broa. Naquele tempo, era a miséria e não havia reformas. Tínhamos de ser uns para os outros. Alguns dormiam para aí em palheiros e em lojas.
Era muito difícil ser mãe e ter filhos. Não havia consultas nem se ia para o hospital como agora. Conheço algumas mulheres que morreram ao tê-los. Eram ajudadas por uma mulher com experiência e era o que Deus quisesse. Por isso se dizia, quando uma mulher andava grávida, “oxalá o tenhas numa boa hora”. O único luxo, que vinha a seguir, era comer uma canja e ficar na cama, não por muitos dias. No terceiro ou quarto, já tinham de se levantar para a rotina do dia a dia, sabe-se lá com que sacrifício, porque a vida não podia esperar e, se as mulheres ficavam de cama, o mundo parecia que acabava lá em casa.

Crescer com a apanha de tojo
Nasci aqui perto, em Vales, no dia 18 de Abril de 1934. Éramos seis irmãos. Felizmente, ainda cá estamos quatro vivos. O meu pai andava ao dia aqui na freguesia de Barrô, S. Martinho de Mouros, Cambres e Penajóia. A minha mãe tratava dos filhos e de uma territas, onde se semeava e plantava o essencial para não se morrer à fome.
Não fui à escola. Para os meus pais era uma perda de tempo, pois tinha de trabalhar. Tenho pena de não saber ler nem escrever. Desde pequena comecei a ir ao tojo por esta serra acima. Íamos para lá de manhã e à tarde fazer molhos, que vendíamos a quatro e cinco escudos. O tojo era arrancado à enxada e apanhado à mão. É uma planta que até dá umas flores bonitas na Primavera, mas tem muitos picos. Tínhamos de lidar com elas sem luvas ou qualquer protecção. O tojo era para a renova das vides, servindo de adubo, sendo enterrado por altura do Natal e Janeiro. Era muito procurado pelos proprietários das quintas daqui de Barrô, Penajóia e S. Martinho de Mouros. Ao longo de todo o ano, também se vendia para estrumar os campos e as lojas onde estavam os animais. E até, junto de cada casa, se fazia uma estrumeira a partir de tojos e fetos, onde as pessoas despejavam os caldeiros de urina e faziam as necessidades.
Chegávamos a ir três vezes à serra. Por volta dos oito, nove anos já era obrigada a ir por aí acima. Tomávamos o mata bicho com uma côdea e um pouco de aguardente de manhãzinha, indo a maioria das vezes o sol nascer no monte. Chegávamos a juntar-nos cinquenta pessoas. Esta vida de ir e vir ao tojo durou até casar.

Após o casamento
Casei com vinte anos e o meu marido com vinte e dois. Namorámos um ano e chegou bem para nos conhecermos. Naquele tempo, a malta nova estava ansiosa por sair de casa dos pais para ser independente e ter vida própria. Agora, é o contrário; os jovens namoram anos, trabalham e querem continuar em casa dos pais, com comida e roupa lavada.
O meu marido andou na escola e sabia ler e escrever. Foi com cerca de doze anos para a Quinta de Noval, perto do Pinhão, onde era paquete, fazendo toda a espécie de recados, e levava a merenda aos trabalhadores. Foi levado por um tio, que era lá feitor. Vinha cá de quinze em quinze dias. Depois de casado, continuou a trabalhar na mesma quinta. Eu fui viver para Cêtos para uma casa pertencente aos avós do meu marido.
Tive um filho, o único, após cinco anos de casada. Mas era difícil endireitar a vida. Por isso, em 1968, o meu marido foi para França, juntamente com outros homens daqui. Pagou vinte e cinco contos a um angariador, que depois fez as contas com os passadores. Partiu com um saco às costas e nada mais em direcção à fronteira espanhola, onde teve de passar a salto para não ser visto pela guarda. Depois, meteu-se novamente no comboio até junto da fronteira francesa. Lá foi enfiado numa carrinha e andou por lá às voltas para enganar a polícia, tendo sido deixado numa montanha. Depois de subir muito e rapado muito frio, conseguiu chegar a terras de França.
Mesmo assim teve sorte. O meu marido contava-me que muitos não chegavam ao destino, pois eram enganados pelos passadores, que os deixavam abandonados, morrendo de fome e de frio ou afogados, vindo ainda alguns a cair pelos pedregulhos abaixo. Outros eram mortos ou apanhados pela polícia, que os recambiavam para cá e os castigavam.
Foram todos em busca de uma vida melhor, deixando a mulher e filhos, e acontecia-lhes isto. O meu marido esteve por lá seis anos, sempre na agricultura. Mas aquilo não dava assim tanto dinheiro. Tornou para junto de nós, indo ganhar o dia nas terras. Morreu já lá vão treze anos.
O meu filho também esteve emigrado uns anos juntamente com a mulher na Suíça. Tem uma barbearia em Resende e lá se vai governando. Vivo aqui nesta casa com ele e com a minha nora. Tenho dois netos.
Antigamente, era pior. Há noites em que me custa mais adormecer, pois começo a cismar e tenho de tomar um comprimido. De resto, tomara eu cá andar mais uns anos. A minha nora lá vai tendo paciência para me aturar e trata-me bem.

Tristezas não pagam dívidas
Mas nem tudo era mau. Quando íamos para as festas e feiras, era uma alegria. E mesmo no trabalho, quando nos juntávamos, era costume começarmos a cantar. E as pessoas ajudavam-se umas às outras naquilo que podiam.
Aos domingos à tarde, quando era nova, ia aos bailaricos, que eram organizados pelo Adriano da venda, aqui em Cêtos. A música vinha da grafonola. Ainda me recordo de ver o dono da venda a dar à manivela, punha um disco, baixava a cabeça da agulha e a maquineta lá tocava. Quando a corda começava a faltar, a voz ficava cada vez mais fanhosa e acabava. Outras vezes, arranjava-se um tocador de concertina ou outro instrumento.
Havia ainda as festas religiosas da freguesia e da região. E cheguei a ir algumas vezes à festa de Nossa Senhora dos Remédios. Levava uma merenda para aguentar a caminhada de ida e volta. Em Junho, divertíamo-nos na noitada de S. João. A gente nova fazia fogueiras nas eiras com pinhas e alecrim. Os rapazes e raparigas juntavam-se, saltando às fogueiras. Por esses dias, os rapazes lá conseguiam arranjar dinheiro para comprar bombas e sobretudo “rabioscas”, que atiravam para o meio das pernas das raparigas. E faziam muitas partidas durante a noite.
Um outro divertimento acontecia pelo Carnaval. Os homens faziam a comadre e as mulheres o compadre, que ficavam escondidos. No domingo gordo e na segunda e terça-feira de Entrudo faziam-se grandes bailaricos e corria-se o compadre e a comadre pelos caminhos. As raparigas levavam “em procissão” o compadre que tinham feito, sempre aos gritos, mas atentas aos homens, que faziam tudo para o roubar. Os homens faziam o mesmo, mas por outros caminhos, levando a comadre.
Durante o carnaval, as raparigas tinham de estar muito atentas. É que os rapazes apareciam repentinamente para darem “mantas em seco” às raparigas. Às desprevenidas, depois de as agarrarem, um pegava-lhe pela cabeça e outro pelos pés, e batendo-lhe com o cu no chão, diziam: “Um…dois…três…Um pró pai, outro prá mãe e outro pra quem o fez…”. Se quer acreditar, eu nesses dias evitava sair de casa e nunca fui apanhada.
Ficam-nos estas recordações de coisas que eram uma alegria. Às vezes, penso que antigamente sofria-se mais e até se morria mais cedo, mas as pessoas pareciam mais comunicativas. Não se pode ter tudo. Gostava que houvesse mais gente nova nas aldeias para animar isto. Custa-me pensar que estes campo irão ficar ao abandono e as casas desabitadas. Quem sabe se isto não irá levar uma volta?

Nota: “Histórias de uma vida…” é fruto de uma conversa não gravada, podendo não corresponder exactamente ao que nela foi afirmado.
*Apontamento da autoria de Marinho Borges, publicado no Jornal de Resende, número de Novembro de 2010

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Pedro Namora falou ao "Jornal de Resende": "Trago sempre Resende no coração"*

Ligações familiares a Resende

Tornou-se uma figura mediática com o despoletar do chamado escândalo da Casa Pia. Recordamos as suas aparições na televisão e a sua determinação na defesa das vítimas de abuso sexual. Pela sua vivência na instituição e pelos contactos e testemunhos que foi recolhendo junto destas crianças e jovens, foi-se persuadindo de que os mesmos não mentem. Para dar ainda mais ênfase e consistência a esta convicção publicou em 2005, com a chancela da Bertrand, o livro “ A dor das crianças não mente”, estando prevista para este mês a sua reedição na Alêtheia Editora. A defesa dos direitos das crianças, especialmente das abusadas, maltratadas e mais fragilizadas, transformou-se no combate da sua vida.

A sua persistência parece advir-lhe das suas raízes e dos ascendentes familiares no nosso concelho, que sempre tiveram de lutar por uma vida digna.

O Dr. Pedro Namora, embora nascido em Lisboa, está muito ligado a Resende. A sua mãe Alzira Namora, filha de Joaquim Namora e Maria do Céu Namora, nasceu em Cardoso, S. Martinho de Mouros. O seu avô era um comerciante muito conhecido e respeitado. Ainda retém com emoção a imagem de um grupo de idosos que se levantaram e tiraram o chapéu da cabeça quando referiu o seu nome aquando de uma das duas deslocações a Resende. No nosso concelho tem alguns primos dos quais destaca o Antoninho Namora e as irmãs, “pelo carinho, amizade e dedicação com que me receberam nessa terra maravilhosa”.

Questionado sobre o que representa Resende na sua vida, respondeu o seguinte:

“Por ser órfão desde muito cedo, o que sei do meu passado foi adquirido através de relatos dos feitos do meu avô, que nunca conheci. Resende é para mim uma terra mítica, que apesar de conhecer tão mal trago sempre no coração. Das duas vezes que visitei Resende fui a Cardoso, porque gosto de ver o eido, onde a minha mãe e tios foram criados, apesar da casa estar infelizmente adulterada. Aliás, se um dia tivesse possibilidades financeiras, o que é pouco provável, gostava de concretizar o sonho de reaver essa casa para que retomasse a traça original”.

Desejava muito poder reviver e passar temporadas nesse espaço, deixando-o como legado de um reportório de encontro de raízes familiares e de memórias aos seus três filhos, uma menina e dois rapazes, com 7, 10 e 13 anos, respectivamente.

Na Casa Pia de Lisboa

Pedro Namora nasceu em Lisboa em 1965. Por ser órfão de pai e pelo facto de a mãe não ter condições para o criar juntamente com a sua irmã, entrou na Casa Pia de Lisboa em 1971, com seis anos. Está grato a esta grande instituição que o educou e lhe moldou a personalidade. “A ela devo parte do que sou. Os princípios em que fomos educados e a existência de um magnífico corpo docente conferiram-me as bases para o futuro”, confidenciou-nos.

Guarda boas recordações dos onze anos de frequência. Foi ganhando consciência das vantagens da integração numa grande instituição, que foi interiorizando como uma família alargada de pertença, cuja educação era prestigiada e donde saíram muitas personalidades de relevo que se destacaram e destacam nas mais diversas áreas.

Reconhece também as desvantagens da institucionalização, como o abandono a que as crianças e jovens estavam sujeitos, a falta de carinho, a despersonalização e até “as torturas que eram infligidas por educadores sem perfil nem vocação para o desempenho das diversas tarefas, que implicam muito sentido de responsabilidade e de sensibilidade e qualidades de relacionamento”.

Confessou ter sido alvo de uma tentativa de abuso por parte de Carlos Silvino, “de que felizmente consegui escapar”, confessou. Naquele tempo, as coisas passavam-se muito em surdina. Comentava-se apenas que era necessário ter cuidado com aquele condutor e com alguns alunos, nomeadamente os que andavam sempre bem vestidos e com dinheiro e que tinham amigos estranhos, arranjados principalmente nos jardins circundantes.

A mãe, que entretanto também já faleceu, visitava-o sempre aos fins de semana e férias, indo a casa muitas vezes, ao contrário do que se passava com a generalidade dos seus colegas.

Curso de direito

Saiu da Casa Pia em 1981, com 17 anos e o diploma do 9.º ano de escolaridade. Nesse mesmo ano, após seis meses como empregado de balcão numa loja de fotografias, conseguiu entrar para a Associação Industrial de Lisboa como aprendiz de electricista, o que lhe permitiu recomeçar os estudos no ano seguinte. Com muita força de vontade, estudando à noite, completou o 12.º ano. Não satisfeito, abalançou-se a fazer o curso de Direito na Universidade Lusíada como trabalhador estudante, tendo concluído o 5.º ano sem nunca ter chumbado.

Actualmente, trabalha numa comissão de protecção de crianças e jovens e exerce advocacia, sobretudo em Lisboa, onde tem escritório.

Reacção à recente decisão do tribunal

Questionado pelo JR sobre a decisão do tribunal que condenou seis arguidos por abusarem sexualmente de menores da Casa Pia, a sua reacção foi de satisfação, porque representa o culminar de uma luta difícil com mais de oito anos. Segundo as suas palavras, “ficou provado que, ao contrário do que alguns andaram a dizer, as vítimas sempre falaram verdade e, talvez pela primeira vez em Portugal, criminosos com imenso poder foram investigados, julgados e condenados”.

De forma desassombrada, como é seu timbre, revelou que também era atingido por alguma insatisfação. Este sentimento devia-se ao facto de “tantas cadeiras terem ficado vazias durante o julgamento. E ao desrespeito que ainda persiste pela infância: se Portugal respeitasse as suas crianças, os seis arguidos deveriam aguardar os recursos em prisão preventiva”.

Palavra final

Pedro Namora teve oportunidade de contactar e conhecer muitos conterrâneos que demandaram Lisboa em busca de melhores condições de vida, numa altura em que as dificuldades eram muitas e até a fome imperava. “Assisti à forma heróica como, partindo do nada, souberam constituir família e triunfar na vida, sem nunca perderem orgulho na terra que deixaram por necessidade. Nunca conheci ninguém mais corajoso, honrado e leal”, referiu convicto.

Já mesmo na despedida, disse emocionado: “ Sinto-me orgulhoso por, tendo nascido em Lisboa, poder dizer que o sangue que me corre nas veias é de Resende”.

*Apontamento de autoria de Marinho Borges, publicado no Jornal de Resende, número de Outubro de 2010

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