sexta-feira, 18 de junho de 2010

HISTÓRIAS DE UMA VIDA COMO PADRE… EM RESENDE: Chamo-me António Martins Teixeira e nasci em Touro, Vila Nova de Paiva, há 84 anos*

Percurso de vida
Nasci em 27.06.1926, na freguesia de Touro, concelho de Vila Nova de Paiva. Aos doze anos entrei no Seminário de Resende, onde permaneci quatro anos, findos os quais ingressei no Seminário de Lamego para frequentar, durante oito anos, os cursos de filosofia e teologia. Fui ordenado sacerdote em 22.07.1951, tendo celebrado a Missa Nova três dias depois, em 25 de Julho, na minha terra natal, quando era bispo de Lamego D. João da Silva Campos Neves.
Em 03.08.1951, tomei posse como pároco de Mós do Douro, concelho de Vila Nova de Foz Côa, onde estive quatro anos. Em 20.10.1955, fui transferido para as paróquias de Cabaços, Baldos e Vilar, concelho de Moimenta da Beira, onde permaneci também quatro anos. Em 19.09.1959, fui para a paróquia de Paredes da Beira, S. João da Pesqueira, onde estive oito anos. Finalmente, em 17.09.1967, tomei posse como pároco da paróquia de Resende, tendo também sido nomeado arcipreste por D. João da Silva Campos Neves.
Fui apresentado aos cristãos e população de Resende pelo então bispo auxiliar D. Américo Henriques. Fui muito bem recebido. Notei apenas alguma desconfiança por parte dos padres do arciprestado de Resende, o que é natural, pois naquele tempo não havia o processo de consultas e o arcipreste era nomeado.
De 1975 a 1979, frequentei como aluno voluntário o curso de História da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e ainda cheguei a ser professor desta disciplina na então Escola Preparatória de Resende.

Acção na área da educação/Papel na consolidação do Externato D. Afonso Henriques
A minha preocupação primeira, enquanto pároco, sempre foi a acção pastoral, organizando a catequese, preparando as pessoas para os sacramentos e formando os cristãos na fé. Nem sempre o terei conseguido. Também sempre fui sensível às questões de natureza social e da educação. O facto de ser o único dos meus irmãos que teve possibilidade de ir além da 4.ª classe marcou-me muito e responsabilizou-me. Antes do 25 de Abril, quem queria continuar a estudar após a escola primária tinha de ir para Lamego, o que exigia posses. Os pobres, mesmo que fossem inteligentes, estavam condenados ao trabalho na lavoura ou nas artes.
Antes de ser nomeado para a paróquia de Resende, em Paredes da Beira, pertencente ao concelho de S. João da Pesqueira, criei o que se pode chamar uma mini-escola, na casa paroquial, onde cheguei a ter vinte alunos. Era eu quem leccionava sozinho todas as disciplinas e preparava as crianças/jovens para os exames que eram feitos no Liceu Nacional de Lamego. Entre os alunos havia catequistas, jovens ligados à igreja e sobrinhos meus. Quando fui transferido para Resende, alguns mostraram vontade de vir comigo.
De facto, quando vim para Resende em 1967, o Externato já funcionava, com instalações em Massas, tendo aí sido professor. Leccionava-se aí até ao antigo 5.º ano (actual 9.º ano), tendo os alunos de prestar provas de exame nos então 2.º e 5.º anos. Com o 25 de Abril e a abertura da Escola Preparatória em Janeiro de 1977, o Externato foi obrigado a encerrar no final do ano lectivo de 1976/77, mas apenas por um ano, pois persistia a questão da continuidade para quem desejasse prosseguir estudos após o 9.º ano. Entretanto, por coincidência, consegui negociar a aquisição dos terrenos junto da igreja paroquial, postos à venda pela respectiva proprietária, onde em 1977, no limite dos mesmos edifiquei umas instalações para fins pastorais. Por acaso, o bispo da altura, D. António Xavier Monteiro, veio a Resende, tendo aproveitado para visitar essas instalações. Vários pais dirigiram-se ao senhor bispo, expressando a sua preocupação pela inexistência de um estabelecimento de ensino que possibilitasse a prossecução de estudos após o 9.º ano e pedindo-lhe para mediar a resolução deste problema. Virou-se para mim, dizendo: veja lá o que pode fazer; esta é uma carência que necessita de ser resolvia. E foi assim que pus mão à obra, tendo iniciado, em Outubro de 1978, o 10.º com uma turma de 17 alunos em instalações precárias, construídas para actividades paroquiais, sendo as aulas dadas por professores em regime de voluntariado. No fim desse ano, consegui estabelecer um contrato de associação com o Ministério da Educação, que se tem mantido até hoje, o que possibilitou obter recursos para melhorar as instalações e contratar professores e pessoal não docente. O panorama foi melhorando, pois no ano seguinte matricularam-se 35 alunos e depois 73. Houve um ano em que se matricularam 80 alunos no 10.º ano. Contudo, para este projecto continuar a ter viabilidade era necessário adequar a situação às novas condições criadas com a entrada em funcionamento da Escola Secundária D. Egas Moniz, em Outubro de 1987, com alunos desde o 7.º ao 12.º anos. Com esta nova oferta, só com a possibilidade da frequência de alunos a partir do 7.º ano era viável manter uma dupla oferta educativa em Resende, dando aos pais a oportunidade de opção. Para levar este objectivo avante, não esperei pela autorização do Ministério da Educação, tendo iniciado, no ano lectivo de 1991/92, o 7.º ano sem os correspondentes boletins de transferência, que deveriam ser passados pela Escola Secundária, onde os alunos estavam formalmente matriculados. A situação de irregularidade prolongou-se durante todo ano, com muitas idas ao Ministério da Educação, tendo desencadeado a vinda de Inspectores da Educação a Resende para solucionar a questão. Só no fim do ano lectivo, não podendo os alunos ser prejudicados, a situação das matrículas foi regularizada.
Tenho de reconhecer que me empenhei muito neste projecto e que gastei nele muitas das minhas energias. Vi-o nascer e crescer para bem da educação e dos jovens de Resende, sendo seu Director desde o seu arranque nesta segunda fase, em 1978, até 1991. Tive ao meu lado uma equipa competente. E este legado foi entregue em boas mãos. Primeiro ao Padre Manuel Esteves, que foi Director até 2007, e finalmente ao Padre José Augusto, actual Director, ambos possuidores de uma grande cultura, imbuídos de dinamismo, ponderados e com provas dadas no domínio das relações com os jovens.

Incursão pelo empreendedorismo social na área agrícola
No final dos anos setenta do século passado, verificou-se no concelho de Resende algum desenvolvimento e aposta na criação de vacas turinas para a produção de leite. Quem percorresse as nossas encostas e lameiros podia registar, de forma dispersa, uma ou outra vaca turina a pastar. Não havia qualquer organização para o escoamento do leite. Em 1981, foi posta à venda a Quinta das Trapas, tendo sido uma oportunidade para investir nesta área. Em conjunto com mais cinco pessoas, criámos uma empresa chamada Bovidouro, que chegou a ter 80 vacas turinas, que vieram directamente de uma quinta da Holanda. Diariamente, o leite era recolhido por um camião de uma cooperativa leiteira, que aproveitava também para recolher o leite dos outros pequenos agricultores, o que não aconteceria caso não houvesse uma empresa de alguma dimensão. Foi nesta altura que o Seminário de Resende também adquiriu algumas vacas turinas para a produção de leite, cuja aposta ainda continua.
Com a subida exponencial do preço das rações (de 80 chegaram a rondar os 800 escudos) e as profundas alterações na agricultura, com a entrada de Portugal na então Comunidade Económica Europeia, registou-se uma crise no sector do leite, pelo que, em 1986, a sociedade Bovidouro foi dissolvida. A quinta, entretanto, foi loteada e é lá, numa vivenda, onde vivo. Parte dos resultados destes investimentos facilitou a aquisição do edifício na vila, onde está instalado o Centro Paroquial, que foi inaugurado em 22.07.2001.

Ser padre em Resende
Sempre quis ser padre. Nasci e cresci numa família crente e bastante religiosa. Aliás, o meu padrinho de crisma era um padre, que era primo da minha mãe. A minha freguesia, Touro, deu vários padres e até bispos à Igreja, como D. Cosme do Amaral, mais velho que eu dez anos, que veio a ser bispo da diocese de Leiria/Fátima. Na altura, ir para o sacerdócio era uma honra e a garantia de continuidade de estudos. Chegámos a ser onze irmãos, estando vivos quatro, sendo eu o único que estudei. Por isso, como compensação investi muito e foi sempre uma preocupação a educação dos meus sobrinhos, dos quais seis são formados. Dei-lhes explicações e muitos deles passaram pelo Externato de Resende.
Os meus pais viveram no fim das suas vidas comigo. Trouxe-os para cá. A minha mãe morreu em 1981 e o meu pai em 1987. Uma irmã minha acompanhou-me sempre. Morreu há 18 anos. Desde então vivo sozinho. Em Touro, não tenho nada. Disse aos meus irmão para fazer a partilha entre eles. Vou lá poucas vezes. O centro da minha vida é Resende. Vivem cá um irmão meu e três sobrinhos com os quais posso contar.
Durmo bem e levo uma vida simples. Normalmente, celebro a missa de manhã. A seguir, vou até à vila, onde muitas vezes tomo o pequeno almoço num café. Gosto de cozinhar, mas para mim, tendo a oportunidade de condimentar a comida ao meu gosto e para bem da minha saúde. Não tenho o atrevimento de cozinhar para os amigos. Leio, consulto a internet, ando a pé e gosto de ir até à vila dar um pouco de conversa. Paro num ou noutro café e na barbearia do Sr. Sílvio.
Nos trabalhos da paróquia, tenho a incumbência da pastoral dos adultos. A catequese, os escuteiros e a pastoral dos jovens estão entregues ao dinamismo do Padre José Augusto. Acompanho a acção da conferência de S. Vicente de Paulo e dos cursistas. Ao longo da minha vida, tenho apostado muito na formação e no empenhamento cristão através dos Cursos de Cristandade. Este é um movimento, nascido em Espanha, implantado em Portugal há 50 anos, cuja finalidade é tornar o mundo mais cristão e mais cristãos os homens, nas palavras do seu fundador. Actualmente, há cerca de trinta cursistas na paróquia. Procuro seleccionar pessoas da classe média, com alguma influência na sociedade, que sirvam de modelos. Na paróquia de Resende, menos de metade dos seus habitantes não pratica. Por isso é que investimos muito na catequese e na formação e acompanhamento de jovens. Estes, para persistir, precisam de referências e de testemunhos. Felizmente, frequentam a catequese cerca de trezentas crianças e jovens, tendo como catequistas muitos estudantes universitários.
Embora gostasse de ensinar, sempre pus a vida da paróquia em primeiro lugar. É como pároco que me sinto realizado.

Nota: “Histórias de uma vida…” é fruto de uma conversa não gravada, podendo não corresponder exactamente ao que nela foi afirmado.
*Apontamento da autoria de Marinho Borges, publicado no Jornal de Resende, número de Abril de 2010
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