sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Novo Hospital de Proximidade de Lamego: 40 milhões de euros; 9.000m2 de área útil; 80.000 pessoas e...

e não tem uma cama para internamento de doentes agudos.
Tem que ser assim? Não é possível fazer melhor? Não é possível fazer mudar isto?
Caro Cidadão…
…De Lamego e/ou destas terras do Douro Sul, que recebeu esta informação
:

Aceite o desafio para abraçar esta causa pública, de pura cidadania (que é uma causa de todos nós) E HÁ-DE APARECER ALGUÉM CAPAZ DE LHE DAR ROSTO, CORPO E ALMA.


Nota – Este documento não representa nenhum movimento organizado (uma vez que ele ainda não existe). Apenas pretende apresentar um problema, fornecer conteúdos que podem ser replicados, informar as pessoas e, se estas o entenderem, promover o aparecimento de medidas que contribuam para a sua resolução. Tudo isto resguardando o mensageiro… se concordar.

HOSPITAL DE PROXIMIDADE DE LAMEGO (HPL)

Factos MUITO PREOCUPANTES, decorrentes do programa funcional do HPL
Ideias principais
:
a) O novo hospital de Lamego não vai ter qualquer cama de internamento para doentes agudos, nem mesmo na área da Medicina.
b) Qualquer destes doentes que precise de ser internado tem que ser remetido para Vila Real.
c) As 30 camas que o novo hospital terá e que estão previstas no programa funcional, são camas de convalescença/cuidados continuados, quer dizer, camas para receber doentes após o internamento agudo (em Vila Real). Estas 30 camas de cuidados continuados são da Rede Nacional de Cuidados Continuados, têm critérios bem definidos por Lei, e apenas uma reduzida percentagem de doentes da área da medicina tem indicação para aí serem admitidos, como é o caso de um ou outro doente com um AVC de recuperação rápida. Por ex. nos últimos 2 anos, já com o centro hospitalar a funcionar em rede com as 4 unidades hospitalares, os doentes agudos internados na medicina foram, em média, 1450 por ano e, destes, apenas tiveram indicação para a convalescença 2,3%. Não é destes doentes que vão para os Cuidados Continuados que estamos a tratar nem são estes que nos preocupam, porque são e serão sempre uma muito pequena minoria.
d) O serviço domiciliário e o hospital dia não substituem o internamento de doentes agudos. São serviços complementares para serem utilizados por doentes que necessitam de tratamento hospitalar mas não necessitam estar internados (hospital Dia por exemplo para fazer curativos, administração de fármacos) e para os que necessitam tratamento enfermagem após alta hospitalar (cuidados domiciliários.). Para os doentes agudos, que têm que estar internados, e quem o decide é o médico e não o gestor ou o politico, este doente precisa de uma cama hospitalar para se deitar.
e) O Serviço de Medicina está quase sempre “cheio” de doentes (média de idades superior a 70 anos) com patologias/diagnósticos que requerem efectivo internamento em unidade de agudos, sem critérios para a convalescença (como se pode observar nos dados estatísticos e médicos) e não patologias que podem ser tratadas no âmbito da Convalescença, como por exemplo AVCs em fase aguda, Insuficiências cardíacas descompensadas, pneumopatias, Insuficiencias hepáticas descompensadas.
f) O hospital de proximidade de Lamego é o único no país que não tem camas para internamento de agudos pois outros hospitais de proximidade, posteriormente agendados, já têm camas e muitas, nomeadamente Barcelos (97 camas) e Amarante (60 camas), aqui bem perto. Outros mais haverá... Nestes casos, apesar de o modelo organizacional inicial ser o mesmo que o nosso, foi possível proceder a alterações e colocar camas para internamento de agudos, por força das Instituições e sociedade locais. Pelos vistos, continuam a existir Portugueses de primeira e de segunda…
g) Pelo que se conhece, os técnicos de saúde/médicos do CHTMAD e Direcção Clínica defendem que Lamego precisa de ter camas de internamento. Porém, por decisão/critérios políticos, esta opinião técnica não tem sido considerada.
h) Como se referiu, só o serviço de Medicina do actual Hospital de Lamego tem tratado entre 1400 e 1500 doentes, por ano, com taxas de ocupação de tal forma elevadas (na casa dos 100%) que as 45 camas de que dispõe não são suficientes e, frequentemente, é preciso deslocar doentes da Medicina para Cirurgia ou Ortopedia (diminuindo a capacidade operatória e aumentando o risco de infecção hospitalar).
i) A breve prazo é preciso tomar uma decisão sobre estes doentes e, se nada se alterar, passarão a ser remetidos para Vila Real onde já não existem camas suficientes para as necessidades existentes, quanto mais para receber este aumento significativo, de um número que tem vindo a crescer e dificilmente será menor.
j) As pessoas desta cidade e desta região sabem isto? Estão conscientes das dificuldades que isto acarreta? Merecem isto? Aceitam este modelo, imposto, como se não houvesse alternativa? Um hospital que custa 40 milhões de euros aos contribuintes e não tem uma cama para internar as 80.000 pessoas desta região?
k) Os políticos e as Instituições ainda não conseguiram resolver este problema. Agora, sobra e há que tentar uma réstia de esperança. Tentar que isto seja uma causa de cidadania/municipalidade e que a sociedade civil seja capaz de se organizar para melhorar este modelo de hospital. E há certamente muita gente que se pode interessar e ajudar: Os jornais e os jornalistas (há-de os haver que gostem da sua terra), os jovens “faceboock”, os jovens “Deolinda”, os jovens dos blogues e dos SMS (onde estão?), a Liga do Hospital, a Igreja (pilar visível? alicerce enterrado? desta sociedade), as escolas, os grupos de jovens dos 8 municípios, os escuteiros, os bombeiros, os centros de saúde, as farmácias, as pessoas já aposentadas e com valor e tempo disponíveis. Até as “JOTAS” partidárias poderiam dar as mãos num exemplo único de interesse público supra partidário e em prol de uma região que vai perdendo coisas… há anos a esta parte. Onde estão os JOVENS defensores de causas e de valores solidários. Os jovens capazes de mudar o mundo?
l) Esta é uma causa de cidadania. Não é contra ninguém, é a favor da cidade e da região que deve reclamar o direito de ter algumas camas hospitalares para “deitar” os seus doentes. Este modelo de organização hospitalar não é intocável ou infalível e pode ter alternativas para assegurar estas camas. BASTA (fazer) QUERER
m) Parafraseando Marisa: Ó gente da minha terra, … esta tristeza que eu sinto, foi de vós que a recebi. É PRECISO MUDAR ESTE FADO. Acabar com esta tristeza, esta passividade e este fatalismo que nos tolhe, nos acomoda e nos mata devagarinho…

OUTROS DADOS

1 - Perspectiva Histórica
Em 2006, o Hospital de Lamego, com projecto e construtor já seleccionado foi “cancelado” in-extremis e, de seguida, foi imposto este Hospital de Proximidade Lamego (HPL) com uma missão, estrutura e programa funcional muito diferentes do que existia. Este programa funcional mantém-se inalterado até à presente data e não se prevê vir a ser alterado, apesar de várias opiniões e posições contrárias.
Entretanto já encerrou a Maternidade e a Pediatria, já se enviam os doentes agudos para operar em Vila Real, já se reduziram camas na Medicina e área cirúrgica e há-de seguir-se o resto até ficar apenas o que está previsto no programa funcional.
Se em relação à Maternidade e Pediatria (grandes perdas já concretizadas) se pode argumentar com taxas de ocupação dos serviços bastante reduzidas e com uma perspectiva de diminuição do número de nascimentos e crianças, entre outros…, relativamente aos idosos/adultos, a perspectiva é diametralmente oposta: o Serviço de Medicina está quase sempre “cheio” e tem vindo a aumentar o número de doentes tratados.
Prevê-se que o HPL esteja pronto antes do fim de 2011.

3 - Contexto sócio político e profissional:
Dr. Carlos Vaz, Presidente do Conselho de Administração do CHTMAD/Ministério da Saúde não abdica da “menina dos olhos” que é este “hospital de proximidade”, copiado de um outro em Barcelona, Espanha, inspirado em modelos Americanos de contexto muito diverso do nosso, o primeiro em Portugal, mas sem camas para internamento das 80.000 pessoas desta região.
Câmara Municipal de Lamego, Assembleia Municipal, Presidente da Câmara etc… não têm tido argumentos nem “força” para alterar situação. Foi-se concordando com o ganho que se obteve porque esta solução era melhor que a não construção do hospital anulado em 2006 (melhor que nada…). Porém, se esta solução tem alguns pontos fortes, não assegura o fundamental. Não assegura as especialidades básicas como, até, está previsto no despacho de criação do hospital e como se impõe salvaguardar em prole das necessidades fundamentais e legítimo interesse de uma população e de uma região com história e identidade sócio cultural própria.
Políticos (pessoas/partidos) – Pelas mais diversas razões, nem sempre muito “claras” e altruístas, uns não querem, outros não podem e outros, ainda, não lhes interessa fazer adequar o programa funcional.
Técnicos de saúde – Têm tentado alertar para problemas e apresentar argumentos e alternativas no sentido de promover uma melhor adequação do programa funcional, mas não têm tido força/peso interno para o conseguir. Estão também limitados porque são funcionários da Instituição.
Tem havido várias reuniões, conversas e documentos a diferentes níveis (Câmara, Assembleia Municipal, Partidos, CHTMAD, grupos de afinidade, etc.), mais ou menos formais, mas sem qualquer resultado visível até à data.

4 - Outros aspectos a considerar
Hospital de Proximidade de Lamego – Área de Influência: 8 concelhos – 80.000 habitantes (Armamar, Lamego, Moimenta, Penedono, S. J. da Pesqueira, Sernancelhe, Tabuaço, Tarouca).
CHTMAD integra Vila Real, Chaves e Lamego mas:
-Hospital de Lamego – 80.000 habitantes - 45 camas de medicina – PARA FECHAR
-Hospital de Chaves – 82.000 habitantes - 61 camas de medicina –
para manter
Porquê? O Hospital de proximidade, sem camas, só é bom para Lamego? Em Vila Real e Chaves precisam de camas para internamento de doentes agudos e Lamego não precisa? Não merece a pena?
A população idosa vai aumentar. Isto todos sabem. O seu nível de dependência, isolamento e fragilidade é cada vez maior. Verifica-se cada vez maior co-morbilidade, mais co-existência de múltiplos diagnósticos (múltiplas doenças em simultâneo) levando a um aumento do risco de acontecer episódios agudos de doença por desequilíbrio de uma destas patologias, com necessidades de recorrer ao internamento.
Desde a integração/criação do CHTMAD em 2006, já lá vão 5 anos, o Hospital de Vila Real não aumentou o nº de camas para a área da medicina interna (excepto +/- 24 camas para infecto-contagiosas). As camas de medicina, por sistema, estão sempre cheias e os doentes andam “espalhados” por outros Serviços ou pelos corredores e, que se conheça, a curto médio prazo, não se perspectiva nada de muito diferente…
O novo hospital de Lamego tem um padrão de organização de “vanguarda”, mas nunca foi testado em Portugal (foi em Barcelona e nos EUA::J) e esta experiência vai, logo, ser feita numa região como esta, com assinaláveis défices sociais, demográficos, económicos, infra-estruturais e de saúde.
O Hospital centrará a sua actividade nas valências de cirurgia de ambulatório, consulta externa, urgência básica, hospital de dia e visitas domiciliárias, mas, por exemplo, o Serviço de Consultas Externas do actual hospital já tem excelentes condições. E quantas consultas funcionam? Quantas especialidades? E quantas funcionam bem? Quantos médicos vêm a Lamego? Quantas vezes por semana?
O novo hospital de Lamego terá excelentes recursos e, até, lugar para os profissionais que existem no actual hospital. Porém, estes recursos, pagos com o nosso dinheiro não poderão dar resposta ao que esta população precisa, pelo menos no que diz respeito ao internamento de agudo, área base e nuclear de um HOSPITAL.
O tempo urge. Ou seja, no dia em que fecharem as camas, nomeadamente as de Medicina do Hospital de Lamego, muito dificilmente voltarão a abrir e é enorme o risco (quase uma certeza…) de os doentes desta região terem que ser enviados e estar internados em qualquer serviço do hospital de Vila Real, onde houver uma “camita”…ou num qualquer corredor à espera de uma. E o tempo urge porque falta pouco tempo para o novo hospital estar definido e concretizado.

VER DOCUMENTOS SEGUINTES
Hospital de Proximidade de Lamego

IN:
http://portal.arsnorte.min-saude.pt/portal/page/portal/ARSNorte/Conte%C3%BAdos/Ficheiros/Noticias/Desenvolvimento%20Unidades%20Hospitalares%20Regi%C3%A3o%20Norte%20-%20Ap.pdf

􀂅 Valor do investimento previsto
􀂆 40,0 M€, IVA incluído, sendo 30,44 M€ (76,1%) para projecto e construção e 9,56 M€ (23,9%) para apetrechamento
􀂅 Data previsível da conclusão
􀂆 Agosto/2011
􀂅 Área bruta de construção
􀂆 16.833 m2, excluindo as áreas técnicas e reserva (quase 4 campos de futebol)
􀂅 Área útil
􀂆 9.000 m2, (+/- de 2 campos de futebol…)
􀂅 Área do terreno
􀂆 93.800 m2
􀂅 N.º de camas
􀂆 30 camas(convalescença)
􀂅 Estacionamento
􀂆 255 lugares à superfície

Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro
Hospital de Proximidade de Lamego (HPL)

Programa funcional - Sumário executivo

in:
http://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:ht3KEjBIt80J:www.gov-civil-viseu.pt/img/notas_imprensa/HPL.doc+programa+funcional+hospital+lamego&hl=pt-PT&gl=pt&pid=bl&srcid=ADGEESgq6V93YC40x1XU8KhrEvEgkB_Yt1Mt7TioHxN2b2V_T0ctMZz102FGchgonh-eMGKnxS1F_zYXDjha47oY38X5-9n5-ck444_47PZ7JYk05KZ6tPhcA4wYYU_nBQpB9JXr7QV-&sig=AHIEtbSwJwSRLVnZJksh7UnJg8i2ZKNKFQ

O HPL será dimensionado para prestar os seguintes serviços:

(a) Urgência básica;
(b) consultas externas diferenciadas;
(c) meios complementares de diagnóstico e terapêutica;
(d) cirurgia de ambulatório geral;
(e) unidade de dia e de serviço domiciliário e
(f) cuidados continuados de convalescença.

Serviço de urgência básico: funcionará 24 horas por dia, 365 dias por ano.

Consultas externas: Medicina, Cardiologia, Pediatria, Cirurgia Geral, Anestesiologia, Obstetrícia /Ginecologia, Oftalmologia, ORL, Ortopedia Neurologia, Nefrologia, Urologia, Pneumologia, Estomatologia. O serviço funcionará cinco dias por semana (250 dias/ano) das 8-20horas, prevendo-se cerca de 65.000.

Meios complementares de diagnóstico e terapêutica (MCDT): será composto pelos serviços de Imagiologia, Laboratório de Patologia Clínica, Medicina Física e Reabilitação (capacidade para 200 tratamentos/dia e 4000 consultas/ano).

Cirurgia de ambulatório geral: equipada com um bloco de três salas (mais uma do que no hospital actual), funcionando cinco dias por semana (250 dias/ ano, durante o dia), servindo toda a área do Centro Hospitalar Vila Real/Peso da Régua.

Unidade de dia e serviço domiciliário: A unidade de dia terá uma capacidade para atender, em ambulatório, até 6.000 doentes/ano, prestando quer cuidados pós-operatórios quer cuidados gerais e funcionando cinco dias por semana (250 dias/ano). O serviço domiciliário deverá funcionar 365 dias por ano prestando cuidados a doentes com alta.

Cuidados continuados de convalescença: capacidade para 30 camas.
Farmácia Hospitalar de Venda ao Público
Saúde Ocupacional
Área útil superior a 9.000 m2
Área de construção superior a 15.000 m2
Investimento total de 37 milhões de Euros

Documentos para consulta:
Relatório de contas e gestão do CHTMAD, de 2009 (Último disponível)
in:
http://www.chtmad.min-saude.pt/Downloads_HSA/CHVRPR/O%20Hospital/Relatório%20e%20Contas/Relatório%20e%20Contas%202009%20-%20CHTMAD.pdf

Criação da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados
Decreto-Lei n.o 101/2006 de 6 de Junho

Rede de serviços de urgência do SNS.

Despacho n.o 18 459/2006

e) «Serviço de urgência básica (SUB)» o primeiro nível de acolhimento a situações de urgência, constitui o nível de cariz médico (não cirúrgico, à excepção de pequena cirurgia no SU), podendo estar sediado numa área de influência que abranja uma população superior a 40 000 hab. em que, pelo menos para uma parte, a acessibilidade em condições normais seja superior a sessenta minutos em relação ao serviço de urgência médico-cirúrgico ou polivalente mais próximo. O SUB permite o atendimento das situações urgentes com maior proximidade das populações, dispondo dos seguintes recursos mínimos:
Humanos—dois médicos e dois enfermeiros, em presença física, um auxiliar de acção médica e um administrativo, por equipa;
De equipamento—material para assegurar a via aérea, oximetriade pulso, monitor com desfibrilhador automático e marca passo externo, electrocardiógrafo, equipamento para imobilização e transporte do traumatizado, condições e material para pequena cirurgia,
radiologia simples (para esqueleto, tórax e abdómen) e patologia química/ química seca.

Programa funcional do HPLamego (parte)
http://portal.arsnorte.min-saude.pt/portal/page/portal/ARSNorte/Conte%C3%BAdos/GRP/Lan%C3%A7amento%20Novas%20Unidades/Novas%20Unidades%20Hospitalares/Ficheiros/Novo%20Hospital%20de%20Proximidade%20de%20Lamego.pdf

RESENHA HISTÓRICA DA IMPRENSA.
23 Fevereiro, 2006 - 00:00
Governo avança com projecto para novo hospital de Lamego

IN:
http://noticias.portugalmail.pt/artigo/governo-avanca-com-projecto-para-novo-hospital-de-lamego_185621
O Ministério da Saúde irá nomear uma equipa, orientada pela Direcção Geral das Instalações e Equipamentos de Saúde (DGIES), que ficará responsável pelo projecto do novo Hospital Distrital de Lamego, adaptando-o às novas necessidades.
O Governo decidiu criar um grupo de trabalho, encarregue de «encontrar uma solução muito rápida», por ter plena consciência quer das «necessidades da população, quer das expectativas criadas, quer ainda da frustração dos profissionais que não dispõem de ambiente de trabalho com qualidade aceitável», assegurou em despacho.

A edificação do novo hospital tem sido exigida pela população já há alguns anos e o seu início chegou a ser anunciado para 2005, mas foi anulado pela tutela, por esta considerar que existia uma «desactualização do programa funcional e correspondente projecto».

Segundo avançou o Público, o governo referiu ainda em despacho que «prosseguir a construção de um hospital concebido para uma população tal como ela estava há 20 anos seria destinar ao fracasso um elevado investimento, desperdiçando a oportunidade de se encontrar uma solução moderna, eficiente e realmente adequada às necessidades».

A tutela mostrou-se ciente das condições actuais de algumas unidades de saúde, considerando que «o país tem, infelizmente, vários exemplos de hospitais de construção recente, cujo programa funcional e projecto não se adaptam às reais necessidades de saúde da população».

O despacho adianta ainda que o novo Hospital Distrital será «dotado de bons cuidados nas especialidades básicas, hospital de dia, consulta externa diferenciada e urgência básica qualificada, dispondo de uma plataforma tecnológica de alta qualidade». O hospital contará ainda com um vasto número de camas que permitam a recuperação dos utentes, de forma a desobstruir alguns serviços que recebem pacientes «anormalmente envelhecidos».

A tutela prevê ainda que o concurso para a edificação da estrutura seja lançado até 29 de Fevereiro de 2008, para que a obra possa começar até 30 de Novembro do mesmo ano. Se os prazos se cumprirem, o Hospital Distrital de Lamego deverá estar aberto ao público em 2010.

09/JUN/2006
Autarca lamecense pedem explicações sobre Programa FuncionalIN:
http://www.mundolusiada.com.br/ACONTECE/acon059_jun06.htm


Ígor Lopes (Portugal)- O presidente da Câmara Municipal de Lamego, Francisco Lopes, esteve, na semana passada, em Lisboa, juntamente com outros autarcas do Douro Sul, durante a homologação do Programa Funcional do novo Hospital de Lamego. O autarca diz-se satisfeito com a aprovação desse Programa. Entretanto, está a elaborar uma lista com algumas dúvidas em relação a alguns serviços propostos nesse mesmo Programa.
Segundo Francisco Lopes, embora esteja “satisfeito e confiante” com a aprovação do Programa Funcional e com a construção do Novo Hospital de Lamego, “é necessário analisar se esse programa responde ao que entendemos ser as necessidades de saúde da nossa população. (...) Após essa análise, tivemos a possibilidade de identificar vantagens e inconvenientes no programa”.
Para o edil, alguns pontos carecem de maior explicação por parte do Governo. No que toca ao Serviço de Urgência básico, Francisco Lopes refere que se não for atribuído um nível superior de cuidados, as urgências terão os mesmos serviços que hoje são prestados pelos SAP’s.
De acordo com alguns profissionais de saúde, se esse serviço de urgência não tiver nível qualificado, “haverá uma onda de transferências de doentes para Vila Real, por parte dos médicos que tiverem uma mínima dúvida durante o diagnóstico da situação do doente”.
O número reduzido de camas é também um dos pontos criticados pelo autarca lamecense e poderá favorecer a transferência de doentes para Vila Real.
Em relação aos meios complementares de diagnóstico e terapêutica, a dúvida recai sobre o tipo de equipamentos que serão disponibilizados.
Sobre as cirurgias de ambulatório geral, resta saber, efectivamente, que tipo de cirurgias serão realizadas.
Já o serviço de unidade de dia e serviço domiciliário suscita também algumas dúvidas, em relação ao número de leitos.
Francisco Lopes referiu ainda ter “desafiado” o ministro da Saúde, Correia de Campos, a evitar o esvaziamento do actual Hospital Distrital de Lamego a nível de recursos humanos e de valências até que o novo hospital seja aberto à população. “Hoje em dia o nosso hospital vive um período de instabilidade em relação ao seu futuro e a todas essas mudanças. (...) O ideal seria promover um período de transição e adaptação até que os serviços sejam realizados no novo hospital”.
O financiamento foi alvo também de discussão entre Francisco Lopes e Correia de Campos, em Lisboa. A única possibilidade que viabiliza o processo financeiramente é ser suportado através de Fundos Comunitários.
“Congratulo-me com a homologação do projecto funcional e com a vontade política demonstrada pelo Governo em colocar o novo Hospital de Lamego novamente na agenda política. Quero acreditar que o Estado é uma pessoa de bem e que vai cumprir os prazos estabelecidos”, finaliza Francisco Lopes.

Despacho n.º 6157/2006 (2.ª série). –

IN:
http://www.portaldasaude.pt/NR/rdonlyres/DD4A12F0-7C50-46B1-9B97-72D9BC6BD818/0/lamego.pdf


A desactualização do programa funcional e correspondente projecto para o Hospital Distrital (HD) de Lamego torna impossível a adjudicação do concurso entretanto aberto. Na verdade, uma longa prática rotineira de programação tornou visivelmente inadequado o projecto existente em relação às necessidades. O projecto sofre simultaneamente de subdimensionamento em algumas valências e de sobredimensionamento noutras. Mas o problema mais grave reside na sua rigidez e total impossibilidade de reconversão à mutação ocorrida nas necessidades de hospitalização. Três factores documentam esta impossibilidade: a) o envelhecimento progressivo da população; b) o aparecimento de uma população sazonal turística em quantidade crescente e com necessidades de saúde muito específicas, e c) a redução acelerada da natalidade na região. Acrescem aos factores anteriores a rapidez de comunicação viária facilitada pela A 24 e a persistente dificuldade de circulação na margem sul do Douro entre os concelhos de Cinfães, Resende, Lamego, Tarouca, Armamar e São João da Pesqueira.
Prosseguir a construção de um hospital concebido para uma população tal como ela estava há 20 anos seria destinar ao fracasso um elevado investimento, desperdiçando a oportunidade de se encontrar uma solução moderna, eficiente e realmente adequada às necessidades. O País tem, infelizmente, vários exemplos de hospitais de construção recente, cujos programa funcional e projecto não se adaptam às reais necessidades de saúde da população. Não há justificação para persistir no erro. Todavia, quer as necessidades da população, quer as expectativas criadas, quer ainda a frustração dos profissionais que não dispõem de ambiente de trabalho com qualidade aceitável determinam uma solução muito rápida para o problema.
O Governo comprometeu a sua palavra em que Lamego tivesse um hospital novo até ao final da presente década. Tal será cumprido. Para o efeito, importa mobilizar todas as vontades, capacidades técnicas e recursos financeiros necessários. Para que esta exigente meta seja cumprida impõe-se trabalhar de imediato. Nestes termos, deverá constituir-se, sob a presidência da DGIES, um grupo de trabalho com representantes da ARS do Centro e da ARS do Norte, dos conselhos de administração do próprio Hospital e do Centro Hospitalar de Vila Real/Peso da Régua, unidade de natural referência pela proximidade, com vista à elaboração do programa funcional de um novo HD de Lamego que, assumindo as características de hospital de proximidade, seja dotado de bons cuidados nas especialidades básicas, hospital de dia, consulta externa diferenciada e urgência básica qualificada, dispondo de uma plataforma tecnológica de alta qualidade e ainda de um número adequado de leitos de convalescença, para descongestionar os serviços de agudos das patologias prevalentes nos utentes, anormalmente envelhecidos, abrangidos na área de influênciadeste Hospital.
O grupo de trabalho deverá visitar, de imediato, alguns hospitais de proximidade de Espanha, em zona com características demográficas e procura turística semelhantes à da região onde o concelho de Lamego se insere. Produzirá o seu programa funcional para aprovação antes de 31 de Maio do ano em curso. Aprovado o programa, ser mediatamente ançado o concurso para projecto da obra de modo que as propostas ossam estar prontas para apreciação em 30 de Novembro. Os passos seguintes serão realizados com rigoroso cumprimento do cronograma contido neste despacho.
Nestes termos, determino:
1 - A constituição de um grupo de trabalho para a revisão do programa do novo HD de Lamego como hospital de proximidade, composto pelas seguintes instituições e pessoas:
DGIES, engenheiro João Wemans, que presidirá;
ARS do Centro, Prof. Doutor Fernando de Jesus Regateiro;
ARS do Norte, Dr. Alcindo Salgado Maciel Barbosa;
Presidente do conselho de administração do HD de Lamego, Dr. António Manuel Marques Luís;
Dr. Carlos Alberto Vaz, presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar de Vila Real/Peso da Régua.
2 - O grupo poderá agregar personalidades de reconhecida competência técnica para o assessorar no seu trabalho.
3 - O grupo visitará até ao fim de Março alguns hospitais de proximidade em outros países com vista a formular um novo conceito de hospital de proximidade adequado à mutação das necessidades de saúde ocorridas entre o programa inicial e a presente revisão.
4 - Até ao final deste ano, os serviços responsáveis deverão, com os contributos do grupo de trabalho, alcançar as seguintes metas temporais:
Novo programa revisto a apresentar a homologação - até 31 de Maio de 2006;
Lançamento do concurso de projecto - até 30 de Junho de 2006;
Período de concurso entre projectistas - até 30 de Setembro de 2006;
Apreciação dos projectos candidatos e adjudicação - até 31 de Janeiro de 2007;
Aprovação do projecto de execução - até 31 de Janeiro de 2008;
Lançamento do concurso de construção - até 29 de Fevereiro de 2008;
Período de concurso entre construtores - até 31 de Maio de 2008;
Apreciação das propostas e adjudicação - até 31 de Agosto de 2008;
Início da construção - até 30 de Novembro de 2008;
Conclusão da construção - 30 de Junho de 2010;
Instalação de equipamento e recepção - 31 de Outubro de 2010;
Abertura do Hospital - 30 de Novembro de 2010.
5 - Os encargos com a constituição e funcionamento do grupo serão suportados pelas dotações extraordinárias previstas para o novo HD de Lamego.
13 de Fevereiro de 2006. - O Ministro da Saúde, António Fernando Correia de Campos.

Curiosidade… muito interessante
Acta nº3 da Câmara Municipal de Resende, em 2006

IN:
http://assembleia.cm-resende.pt/index.php?option=com_docman&task=cat_view&gid=37&Itemid=11

ASSUNTOS DE INTERESSE PARA O MUNICÍPIO:--------------------------------------------
Neste ponto registou-se a seguinte intervenção:-----------------------------------------------------

Sra xxxxx Elsa Rodrigues: "Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Municipal, Exmo. Presidente da Câmara Municipal, Caros membros da Assembleia Municipal, Exmo. Público aqui presente, Muito boa tarde. Foi tornado público o novo programa funcional para o Hospital de Lamego, sobre o qual o Sr. Presidente assume a sua posição favorável numa entrevista publicada num jornal regional (Jornal Lamego Hoje, 8 de Junho de 2006). De acordo com o novo programa, o Hospital passará a ter uma urgência básica onde apenas se prestará a mesma assistência que hoje se presta no serviço de atendimento permanente (SAP), o que significa que servirá para triar os casos que deverão ser encaminhados para uma urgência de cuidados de saúde diferenciados, neste caso, Vila Real. O bloco operatório servirá apenas para cirurgias de ambulatório, ou seja, que não implique internamento, funcionando apenas em dias úteis. O internamento contará apenas com a disponibilidade de 30 camas que servirá uma população com mais de 80 mil pessoas, sendo vocacionado apenas para cuidados de convalescença, ou seja, cuidados pós situação aguda, pessoas que necessitam de alguns cuidados até se restabelecerem totalmente ou em casos sociais, até serem reinseridos. Tudo isto significa que os nossos doentes em fase aguda, a necessitar de cuidados de saúde diferenciados, terão de ser internados em Vila Real, o que para uma população cada vez mais envelhecida como a deste concelho, será um rude golpe e, com certeza, representará cuidados de saúde menos humanizados. Em suma, passaremos de um Hospital onde se prestam hoje cuidados de saúde diferenciados, para um Hospital que em termos de funcionalidade não é nada mais do que um Centro de Saúde grande, que servirá mais de 80 mil pessoas. Deixamos clara a posição da Bancada do PSD nesta Assembleia, bem como, a da estrutura concelhia, que é favorável a um Hospital de Lamego onde se prestem cuidados de saúde diferenciados e não a este modelo que o transforma, repito, num Centro de Saúde grande. Gostávamos que o Sr. Presidente da Câmara assumisse a sua posição acerca deste assunto, tão importante para as pessoas deste concelho. Obrigada.".—

Sexta-feira, 26 de Março de 2010
Novo hospital concluído até Setembro de 2011
IN:
http://taroucahoje.blogs.sapo.pt/2010/03/


O presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro garantiu que o novo hospital de Lamego ficará concluído até Setembro do próximo ano."A obra está em franco desenvolvimento, não há atrasos", disse Carlos Vaz aos jornalistas, no final de uma visita às obras do hospital (iniciadas em Agosto de 2009), em que participou o secretário de Estado da Administração Local, José Junqueiro.
O governante frisou que o hospital de Lamego "é um projecto pioneiro", com um serviço predominantemente de ambulatório, que servirá uma população directa de cem mil habitantes dos 10 concelhos do Douro Sul e fará uma cobertura indirecta a 375 mil habitantes (toda a população que integra o centro hospitalar).
"Estes cuidados de proximidade têm mais valências, melhor equipamento, excelentes profissionais de saúde que já existem", frisou, acrescentando que será "uma mais valia" para a região.
Na sua opinião, a nova unidade de saúde também será importante ao nível da competitividade territorial, porque os turistas que visitam o Douro Sul gostam de saber que podem contar, "para qualquer emergência, com cuidados de saúde adequados".
O novo hospital, orçado em mais de 41 milhões de euros e que fica situado junto ao nó da auto-estrada A24, disporá de cirurgia de ambulatório (três salas operatórias), consulta externa (14 gabinetes), urgência básica, hospital de dia e visitas domiciliárias.
Carlos Vaz admitiu que a população estranha o facto de o hospital não ter internamento, considerando "normal que as mudanças e as coisas novas preocupem as pessoas". No entanto, lembrou que, "em todo o mundo desenvolvido, nomeadamente nos Estados Unidos, !!!! já vão na quinta geração de hospitais de ambulatório".
"É muito melhor para os doentes, que não gostam de estar internados. E o desenvolvimento da cirurgia e da própria medicina leva a que pensemos que, de facto, as paredes e as camas não tratam doentes", acrescentou.
O responsável sublinhou que "quem trata os doentes são os profissionais, a tecnologia" e que é melhor que as pessoas, depois de intervencionadas, tenham "um bom acompanhamento de visitas domiciliárias e hospital de dia", ficando junto dos seus familiares e evitando as infecções hospitalares.

OK. E os que precisam de ser internados?
O presidente da Câmara de Lamego, Francisco Lopes, manifestou preocupação sobre a forma como será feita a transição de um hospital normal para um hospital de ambulatório.
"Grande parte dos profissionais de saúde trabalha há muitos anos em medicina hospitalar e irão querer continuar na mesma área funcional, serem aproveitados o melhor possível dentro das suas especializações", realçou, fazendo votos para que não haja "qualquer tipo de desmotivação".
Fonte: Diário de Viseu

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Anselmo Borges em entrevista à Pública (06.02.2010): "A religião oprime quando impede a alegria a nível sexual"*

A Igreja Católica, como instituição de poder, tem muita dificuldade em lidar com o prazer e a sexualidade, diz Anselmo Borges, padre, teólogo e professor de Filosofia na Universidade de Coimbra. Autor de vários livros, este crítico de diversos aspectos da doutrina oficial católica explica ainda por que é que a Igreja recuperou causas da morte de Jesus, quando propaga a imagem de um Deus que aterroriza.

ABíblia e o cristianismo trouxeram ao mundo a ideia da dignidade divina de todos os seres humanos. Mas, apesar disso, a Igreja Católica lutou contra ideias como os direitos humanos, a secularização e a separação da Igreja e do Estado. O padre Anselmo Borges, membro da Sociedade Missionária da Boa Nova, admite que a religião tem sido e pode ser opressora, mas que só pode entender-se como força de liberdade e de libertação.
Nascido em 1944, em Resende, Anselmo Borges é uma das vozes singulares do catolicismo português. Dedicado há anos ao ensino da Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, tem privilegiado a ética como área de reflexão. Mas a sua intervenção alarga-se ao campo mediático: colunista semanal do Diário de Notícias, publicou vários livros, entre os quais Janela do (In)visível, Religião: Opressão ou Libertação?, Morte e Esperança, Corpo e Transcendência, Janela do (In)finito. O último, Religião e Diálogo Inter-Religioso, publicado no final de 2010, fala do outro como fascínio e ameaça. "Talvez não seja por acaso que a primeira edição esgotou em três meses", comenta, porque "as pessoas andam preocupadas com a questão do outro, hoje mais sentido como ameaça".
Alimentando o gosto do pensar, Anselmo Borges diz que "a grande crise do nosso tempo é que já não há espaço para as grandes perguntas" Afirma que a Igreja precisa de assumir o valor da autonomia, confrontar-se com o pluralismo e com as neurociências, repensar a questão da sexualidade, da lei do celibato obrigatório e do lugar das mulheres. Organizador de dois congressos internacionais de teologia - sobre Deus no século XXI e o futuro do cristianismo (cujas actas estão publicadas) e, em Outubro, sobre Religião e (In)felicidade -, Anselmo Borges reflecte, aqui, sobre as razões da difícil relação do catolicismo com alguns temas da ética e da modernidade. E diz que a eutanásia é um problema em aberto...
Tomo o título de um dos seus livros para perguntar se a religião é opressão ou libertação.
A religião pode ser, tem sido e é, de facto, uma coisa e outra. Quando esmaga o ser humano, quando em nome de Deus se mata ou se impede a crítica ou o desenvolvimento das pessoas, quando em seu nome se cometem injustiças, aí a religião é opressora. E também oprimiu quando trouxe medos, com coisas como o inferno, com o impedimento da alegria a nível sexual, todo esse universo de pânico. Mas, pela sua própria dinâmica, ela é libertadora. Toda a religião arranca desta pergunta: o quê ou quem liberta e salva? Na sua raiz, ela só pode entender-se enquanto força de liberdade e libertação.
Um dos medos que refere é a sexualidade. O cristianismo tem medo dela?
É importante desfazer equívocos. Uma coisa é a Bíblia e a mensagem originária cristã, com Jesus Cristo. É interessante ver que Jesus, perante a sexualidade, mesmo confrontado com desvios, é tolerante e perdoa. A Igreja parece ter posto o acento no sexo e nos seus desvios, mas Jesus o que condenou de forma veemente foi fundamentalmente a ganância, a avareza, a opressão: "Não podeis servir a Deus e ao dinheiro." É necessário distinguir entre a Bíblia, onde se encontra um dos livros mais exaltantes do amor erótico, que é o Cântico dos Cânticos, e, depois, o mal-estar do cristianismo histórico em relação à sexualidade, que provém fundamentalmente dos gnósticos e de Santo Agostinho. Santo Agostinho é herdeiro de uma escola gnóstica, que é o maniqueísmo, que leva a gnose à radicalidade.
Então, Santo Agostinho trouxe também problemas...
Ele é um génio, mas trouxe ao Ocidente e ao cristianismo histórico verdadeiras tragédias do ponto de vista sexual. Ele era maniqueu e, a partir do maniqueísmo, tinha resolvido o problema do mal: há dois princípios, um do bem e outro do mal. Há uma questão que se coloca sobretudo aos crentes: se Deus é infinitamente bom e omnipotente, como se explica o mal? Através do maniqueísmo, ele tinha resolvido o problema. Mas, uma vez convertido, precisa de encontrar uma solução, pois o cristianismo diz que Deus, quando olhou para o mundo, viu que tudo era bom. Donde vem então o mal? Quando se converte ao cristianismo, Santo Agostinho tem de encontrar a origem do mal. Vai à Carta aos Romanos, de São Paulo, e lê: "Adão, no qual todos pecaram." Mas o grego (ele só conhecia o latim) diz: "Porque todos pecaram." Uma coisa é Adão ser o primeiro que peca, outra é dizer que, nele, todos pecaram. E de tal modo pecaram, que todos transportam esse pecado, que tem uma origem sexual e se transmite sexualmente. Este é o mal que vem ao Ocidente através da gnose, do maniqueísmo, de Santo Agostinho. Todos são concebidos em pecado e desse pecado original só o baptismo liberta. Assim, não hesitou em "enviar" para o Inferno as crianças não baptizadas, porque vinham com o pecado original...
Num dos seus textos, diz que a Igreja perdeu a credibilidade em termos de doutrina sexual. É assim?
A sexualidade também tem a ver com o prazer e este confronta-se com o poder. Na medida em que a Igreja se tornou numa instituição de poder, tem muita dificuldade em lidar com o prazer e a autonomia. Não sabe, por isso, como lidar com a sexualidade, com as pessoas que estão no mundo de modo autónomo. Essa é uma das questões fundamentais da Igreja.
Por isso surgem as questões relativas ao planeamento familiar, aborto, eutanásia...
A Igreja lutou contra a modernidade, embora, por outro lado, os grandes valores da modernidade venham, fundamentalmente, da Bíblia. Não é por acaso que é no Ocidente que se dá a modernidade, a secularização, a separação da Igreja e do Estado, que tem a ver com a autonomia, os direitos humanos... São valores que vêm da Bíblia, mas que os iluministas tiveram de impor contra a Igreja oficial.
Há um Papa que proibiu a leitura da Bíblia, outro refere-se à "detestável doutrina" dos direitos humanos. No entanto, são valores que vêm fundamentalmente da Bíblia. Afirmam-se a partir da ideia de um Deus transcendente, que cria por amor, livremente. Se Deus cria livremente, só pode criar criaturas autónomas, homens e mulheres livres, e as realidades terrestres seguem as suas leis, sem precisarem da tutela da Igreja. Por outro lado, o cristianismo trouxe ao mundo a ideia da dignidade divina de todos os seres humanos, independentemente da cor, etnia, sexo, posição social, nacionalidade ou religião.
A autonomia relaciona-se com os limites, que a sociedade também coloca, e com a ética, que foi sempre construída também com base religiosa. Hans Küng propõe uma nova ética mundial. Mas se a religião tem problemas com a modernidade, como se faz o equilíbrio entre os limites e o desejo de autonomia inerente ao ser humano?
Quando Hans Küng fala de uma ética mundial, refere-se mais a um ethos - aquela atitude radicalmente humana perante as grandes questões humanas, em que haja um consenso mínimo. Refere-se a um conjunto de bases éticas em que seja possível o acordo de todos os homens, crentes ou não-crentes: o compromisso com o princípio da humanitariedade, que obriga a respeitar a dignidade inviolável da pessoa humana, o compromisso com a não-violência e o respeito pela vida, o compromisso com a justiça e a solidariedade, o compromisso com a igualdade e companheirismo entre homens e mulheres. Não se pode basear a ética na religião, porque a ética é autónoma, isto é, não é antes de mais uma questão religiosa, mas humana. E é possível e imprescindível um consenso ético mínimo nas questões que hoje nos afligem, como a bioética, a justiça, a ecologia. É possível uma ética autónoma, também porque somos seres racionais e sociais. Sendo livres, somos capazes de nos darmos a nós próprios uma ética na responsabilidade. A liberdade implica a responsabilidade: somos capazes de nos darmos regras, somos capazes de responder por isso. A religião relaciona-se com a ética, mas vincula-se a ela devido a outros problemas, que têm a ver com a culpa, com as vítimas inocentes, com a esperança e com o sentido último...
Também há uma dimensão social da ética...
A ética é fundamentalmente social, pois o ser humano só existe com outros seres humanos. Se só houvesse um, nunca despertaria para si mesmo enquanto tal. O homem só é homem com outros. Ser homem e ser em relação é a mesma coisa. Há sempre uma co-pertença de mim aos outros e dos outros a mim, e aos passados e aos futuros. Porque a identidade própria é sempre atravessada pela mediação do outro. Só tomo consciência de mim passando pelo outro, pela alteridade. A alteridade é constitutiva da identidade.
Fala-se de grandes questões do mundo como problemas éticos: pobreza, direitos humanos, desenvolvimento. De que modo isso se relaciona com o que referiu?
Hoje tomamos consciência de que há uma só humanidade. Se tomamos consciência de que cada pessoa só é pessoa em relação a cada um dos outros seres humanos, é uma vergonha que 20 por cento da humanidade controle 80 por cento da riqueza e que quase metade da humanidade tenha de viver com menos de dois euros por dia. Todos pertencemos a todos. Um homem só é homem na humanidade, no seu vínculo a todos os outros. Mas, se não formos solidários por uma questão ética, de humanidade, então sejamo-lo ao menos por egoísmo esclarecido. Porque vamos entrar numa conflitualidade sem limites: quem julga que nunca mais haverá revoluções anda enganado.
Esse seria também um modo de resolver o debate sobre se os direitos humanos são uma construção ocidental? Ou esta é uma falsa questão?
Sou contra o relativismo e proponho o perspectivismo, que é diferente. Há algo que transcende o relativismo cultural. Julgo que tem de haver algo de transcultural. Esse mínimo, o que seria? Pelo menos, o entendimento nesta pergunta: "O que é ser homem?" Porque, se não houver algo de comum, como podemos dialogar uns com os outros? Há esta universalidade: a dignidade do ser humano. A partir daqui, é possível e necessário avançar para um ethos mundial, o que se traduz nos direitos humanos, embora eu compreenda que haja quem critique - e não apenas por meros interesses políticos. A Declaração dos Direitos Humanos, tal qual está formulada, incide muito na dimensão individual. Talvez seja necessária também uma carta dos direitos humanos, incidindo mais nos direitos de grupos, das culturas, e também nos deveres...
No seu último livro, Religião e Diálogo Inter-Religioso, escreve que "o outro é vivido sempre como fascinante e ameaça". Não estamos hoje mais a viver o outro (o islão, o estrangeiro, o imigrante) como ameaça do que como fascínio?
As pessoas andam preocupadas com a questão do outro, hoje mais sentido como ameaça, como dizem as sondagens, concretamente na França e na Alemanha. Por um lado, há a crise económica; por outro, o diálogo não pode ser unidireccional.
Não se pode esquecer que o cristianismo é hoje a religião mais perseguida no mundo e, nomeadamente, no Médio Oriente, onde parece haver um plano para fazer desaparecer a presença dos cristãos. Julgo que há condições fundamentais para o diálogo: o fim da leitura literal dos textos sagrados e a separação da Igreja e do Estado. Os Estados não podem ser confessionais. Isso que custou tanto à Igreja Católica tem de ser aprendido também pelos muçulmanos. Depois, as religiões têm de dialogar, porque nenhuma possui a verdade toda sobre Deus e o sagrado. O fundamentalismo - há fundamentalismo religioso, económico, político, filosófico - tem a sua origem na ignorância e na estupidez, pois julga possuir o fundamento. Ora, quem é o ser humano, finito, para possuir o fundamento?
Também nos confrontamos com a crítica da hierarquia católica, a começar pelo actual Papa Bento XVI, ao relativismo ético, que aponta para muitas questões no âmbito da moral sexual...
É evidente que, quanto ao sexo, não vale tudo. Por outro lado, dá a impressão de que a Igreja vive obcecada com o sexo. Ora, o cristianismo é realmente uma religião do corpo. Porque, logo no livro do Génesis, se diz que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, "homem e mulher os criou" e achou que isso era muito bom. Deus mesmo, em Jesus Cristo, assumiu a corporeidade humana na sua fragilidade. E os cristãos têm como núcleo da sua fé a ressurreição de Jesus e a ressurreição dos mortos. Como é que uma religião do corpo se dá depois tão mal com o corpo, historicamente? É espantoso e é necessário investigar isso...
Dá-se mal e nega a dimensão transcendente do corpo, aludindo ao que trata no seu livro Corpo e Transcendência...
O corpo humano vivo é alguém, alguém que está aberto à transcendência. O cristianismo é a grande resposta a esta corporeidade, que se abre à transcendência do próprio Deus e que espera a ressurreição dos mortos. Mas a Igreja oficial deu-se muito mal com a matéria, com o corpo. Há o problema do poder e, voltando à moral, do celibato não assumido. O facto de a ética ter sido entregue a moralistas que eram padres, com um celibato obrigatório, por vezes não assumido, eventualmente infeliz, tudo isso envenenou o corpo e a sexualidade. E envenenou a mulher, porque a moral esteve entregue a homens, que talvez vivessem uma má relação com o corpo e que tinham de amaldiçoar a mulher como o fruto proibido.
Essa má relação com o corpo não explica também o mal-estar da nossa sociedade em relação à morte?
Quando falamos do corpo, falamos do ser humano, do corpo-pessoa, que é este enigma, esta exaltação, esta alegria, esta pergunta infinita, mas que se confronta com o limite. E é daqui que surge a pergunta religiosa, porque, quando nos damos conta do limite, perguntamos por aquilo que está para lá do limite, perguntamos pela transcendência. Surge aqui a questão da morte. Há realmente hoje um enorme mal-estar em relação à morte, também porque se não quer aceitar o limite. O que se faz para manter o corpo jovem!... Mas envelhecemos e morreremos. E é fundamental reconciliar-se com a mortalidade.
O mesmo mal-estar existe com a sexualidade.
A relação com a sexualidade, hoje, não é boa, não é sadia. Passou-se do tabu ao vale tudo. E as pessoas percebem que não vale tudo. Um grande teólogo, renovador da moral católica, do qual agora se fala pouco, Bernard Häring, disse-me uma vez: "A Igreja Católica também tem culpa disso. Fez tabu de tudo e as pessoas quiseram depois libertar-se, mas libertaram-se mal." Por isso, hoje, vivemos este mal-estar.
Há uma enorme crise de uma sociedade que apostou no espectáculo, voltada para o ter, para o consumir sem limites. A partir daí, a grande pergunta é a da morte. Da qual se fez tabu. Ora, uma sociedade que não sabe conviver com a morte também não sabe viver com a vida. Penso mesmo que, para perceber uma sociedade, mais importante do que saber como é que nela se vive é saber como é que nela se morre e nela se trata os mortos. Ora, na nossa sociedade, sobretudo por causa da desafeição em relação à religião, já não há esperança em relação ao além. Então, numa sociedade sem eternidade, só ficam instantes que não fazem tecido e, por isso, se devoram uns aos outros. A um agora segue-se outro agora... e assim sucessivamente. E é preciso viver sofregamente o instante, consumir, correr, afirmar-se na vertigem, porque, depois, não há mais nada. Este é hoje o nosso problema maior. Não sou a favor do pensamento mórbido sobre a morte - infelizmente, a própria Igreja também utilizou o medo da morte para exercer o poder -, mas penso que o pensamento sadio sobre a morte traz sabedoria ao viver.
O poder é uma questão-chave...
O poder é fundamental para perceber as grandes problemáticas na história da Igreja, concretamente na sua contradição com o cristianismo originário.
O cristianismo tem a ressurreição como resposta à morte, mas não sabe falar dela.
A ressurreição deve entender-se na dinâmica do corpo-pessoa aberto à transcendência. Uma vez que a Igreja não sabe lidar com o corpo, fala da alma. Mas hoje, no quadro da antropologia, não se pode pensar em dualismo de alma e corpo.
De qualquer forma, em relação ao para lá da morte, ficamos sem palavras. É o indizível. Porque nós estamos preparados para pensar no quadro do espaço e do tempo, e a morte retira-nos precisamente do espaço e do tempo. Mas a fé do cristianismo na ressurreição é essencial. Quem acredita em Deus que é amor crê que não será abandonado por Deus nem mesmo na morte. Na morte, em vez de cair no nada, o crente espera entrar na plenitude da vida em Deus.
Nesse seu livro, refere-se às respostas perante a morte: resignação face ao nada, integração no todo, reencarnação, ressurreição...
Julgo que dificilmente se consegue conviver com o nada. Então, como as pessoas não toleram o nada, é interessante observar que 25 por cento dos católicos franceses acreditam na reencarnação. Entendo isso, mas penso que a reencarnação é insustentável até do ponto de vista antropológico. A ressurreição é a proposta da fé cristã. Mas ela não pode ser entendida como a reanimação do cadáver. Só se pode dizer que a pessoa na sua identidade encontrará a plenitude da vida em Deus. É um mistério do qual apenas encontramos acenos no amor e na música.
Por vezes diz que a Igreja esqueceu o essencial: a ressurreição, a proposta de liberdade, a autonomia e transcendência do ser humano...
Quase sou levado a dizer que, desgraçadamente, a Igreja pode ser acusada por alguns de ter recuperado grande parte das causas que levaram Jesus à morte.
Quais?
O que levou Jesus à morte foi a religião oficial dos sacrifícios, que explorava o povo. Jesus enfrentou-se fundamentalmente com o sacerdócio do Templo, pois Deus dizia: "Eu não quero sacrifícios, quero misericórdia." Jesus veio anunciar um Deus de amor, não precisa de sacrifícios. As religiões estão assentes no sacrifício. Jesus enfrentou o sacerdócio do Templo e essa foi uma das causas da sua morte. A outra foi que ele morreu como subversivo, como alguém que subleva a ordem social e política injusta. Encontramos aqui a mensagem nuclear de Jesus, que o leva à morte: um Deus de amor, que não precisa dos sacrifícios e que quer que todos os homens e mulheres se amem, que haja justiça e fraternidade no mundo. A Igreja recuperou, neste sentido, algumas das causas da morte de Jesus: um Deus que mete medo e aterroriza. E nem sempre dentro da Igreja reina a verdade limpa e honesta da transparência e da justiça: pense no Vaticano e na Cúria Romana.
É um Deus imoral que provoca o aparecimento do ateísmo, como sugere em vários dos textos do livro Janela do (In)visível?
Um deus que mete medo, que humilha as pessoas e impede a sua alegria, que leva à violência e à guerra, é um deus em relação ao qual só há uma atitude digna: ser ateu. O mesmo se diga da doutrina que diz que Deus precisou da morte do Filho para aplacar a sua ira. Este deus seria pior que eu, é imoral, porque mata a vida, quer o sangue do Filho, precisa de vítimas. Isso é absolutamente intolerável. Um Deus que exige o sangue das vítimas é o Deus da vingança. Ora, se Deus se vinga, nós também podemos vingar-nos, podemos ir para a guerra. O Deus que Jesus anunciou constituiu uma revolução. Jesus não veio anunciar que há Deus, porque Deus nesse tempo era uma evidência social. O núcleo da sua mensagem é que Deus é amor. Esta é que é a notícia boa e felicitante do Evangelho. Ora, o que a Igreja pregou muitas vezes, ao longo dos tempos, foi uma má notícia, o "disangelho", no dizer de Nietzsche.
O que explica uma parte do ateísmo. Mas, em muitos dos seus textos, tem uma visão positiva do ateísmo.
Sim. Ai de nós se não houvesse ateus que sabem o que isso quer dizer...
Ateus graças a Deus?
Não... Admiro os ateus que, quando ainda não havia liberdade religiosa e ser ateu significava o fogo da Inquisição e implicava, no quadro doutrinal da época, ir para o Inferno, ousaram, em nome da liberdade crítica, da razão e da própria dignidade de Deus e do homem, pôr a questão de Deus e ser ateus. Esses são santos da humanidade, porque foram eles que obrigaram a criticar imagens falsas e ignominiosas de Deus. Perante os ateus, é necessário perguntar em que Deus não acreditam. Os crentes, se também souberem o que isso quer dizer, talvez estejam de acordo com alguns ateus, dizendo: num Deus vingativo, guerreiro, em nome do qual a humanidade é explorada, nesse Deus também não acreditamos.
Tem um texto com o título Karl Marx actual. Vindo de um teólogo, soará estranho a algumas pessoas. Ainda mais hoje, em que o marxismo está fora de moda, mesmo apesar da crise... Como explica isso?
Karl Marx ensinou-nos, por exemplo, que ninguém fala a partir de um lugar neutro. Todos falamos a partir de um lugar social. A leitura que Marx faz em relação ao dinheiro enquanto mediador das relações humanas traduz a monetarização do humano. O dinheiro é o deus que tudo domina, ao qual homens e mulheres prestam culto. Estes aspectos mostram a actualidade de Marx. Tal como Galileu, que mostrou que o homem não era o centro do universo, Darwin, que ensinou que provimos da cadeia da evolução, ou Freud, que mostra que a razão não domina tudo, Marx também nos ensina a ver que nenhum de nós fala a partir de um lugar neutro. A palavra justiça não é neutra, como não há consensos neutros no domínio social, porque cada um fala a partir de um lugar próprio. O conceito de justiça não será o mesmo para um grande capitalista e para um pai ou uma mãe desempregados que têm de alimentar três ou quatro filhos. O chamado "socialismo real" morreu, felizmente, mas Marx tem muita actualidade, sobretudo nestas dimensões.
A religião continua a ser a busca de sentido?
Do sentido, do sentido último. Por isso é que nunca desaparecerá. E aqui reencontramos Marx. Ele tinha razão ao criticar a religião como ideologia. Mas ele não tinha razão ao pensar que, uma vez estabelecida a justiça social, a religião desapareceria. É que, mesmo que fosse possível uma sociedade transparente e sem conflitos sociais, a religião não desapareceria, porque há sempre o problema do sentido final, da morte, do tédio, como dizia Ernst Bloch.
Na prática e na disciplina da Igreja, quais são os aspectos mais importantes a mudar?
Tarefa fundamental é testemunhar, por palavras e obras, o Evangelho de Jesus e ajudar as pessoas a fazer a experiência de Deus. A Igreja precisa de assumir o valor da autonomia, em vários domínios, como a participação dos leigos, a liberdade de investigação e ensino, abrir-se a uma cosmovisão processual e não estática, confrontar-se com o pluralismo, com as novas ciências, nomeadamente as neurociências. A grande crise do nosso tempo é que já não há espaço para as grandes perguntas, sendo pois missão da Igreja manter acesa a pergunta. Para isso, ela própria tem de deixar-se interrogar. Tem de repensar a questão da sexualidade, nomeadamente, dos contraceptivos, da lei do celibato obrigatório. As mulheres não podem continuar a ser discriminadas. Não sou ingénuo: tem de haver alguma organização dentro da Igreja, mas uma coisa é o ministério e outra é o poder enquanto domínio e carreirismo.
A função clerical de hoje não tem mais a ver com o sacerdócio judaico do tempo de Jesus do que com os ministérios dos primeiros tempos do cristianismo?
A grande categoria religiosa é o sagrado, o mistério. O sagrado é o referente de todas as reli-giões. Se não houvesse experiência do sagrado, do mistério, as religiões não teriam lugar. Mas isso não implica a sacralização dos sacerdotes para oferecer sacrifícios. O Novo Testamento evitou a palavra "hiereus", que significa sacerdote. Na Igreja primitiva, fala-se em ministérios e não em sacerdotes.
Como deveria a Igreja encarar a questão do limite em casos como o aborto ou a eutanásia?
Sou contra o aborto, que é um mal, objectivamente. Deveria haver educação sexual séria, também para que o aborto fosse evitado e para que as pessoas pudessem exercer a sua autonomia sexual no amor, na alegria e na dignidade. Dito isto, a Igreja deveria estar muito atenta aos progressos científicos e distinguir entre vida, vida humana e pessoa humana. Assim, por exemplo, até à nidação, uma vez que pode haver ainda gémeos monozigóticos, não temos propriamente um indivíduo, de tal modo que a interrupção do processo não se pode chamar um homicídio.
Acrescento que a Igreja tem de saber argumentar, também do ponto de vista ético. Quando se diz que só se devem usar meios anticoncepcionais naturais, pergunto: o que são métodos naturais, se foi o homem que os descobriu? A Igreja torna o seu discurso não crível, porque, por vezes, a argumentação é frágil ou inexistente.
Indo à sua pergunta, julgo que um cristão não estava impedido de votar favoravelmente o projecto de lei da descriminalização do aborto. O que é inadmissível é que, depois, segundo a lei, a mulher que aborta não pague taxa moderadora e seja possível fazer dois ou mais abortos por ano.
E quanto à eutanásia?
A eutanásia é um problema em aberto, que não pode ser tabu. Se Deus deu a vida humana, deu-a mesmo. A argumentação que muitos cristãos apresentam de que não se pode intervir no fim da vida porque esta é dom de Deus não tem em conta a autonomia.
Dizia que a vida é um dom de Deus...
Se Deus deu a vida, a vida, para o ser humano, é um dom e não é um fardo. E, com autonomia, tem pelo menos o direito de pôr a questão da eutanásia. É uma questão em aberto. Claro que neste problema, como no aborto, estamos perante questões-limite, que devem ser tratadas com toda a responsabilidade. Ninguém pode acabar com a vida de modo irresponsável, porque nós também pertencemos aos outros. E é preciso sublinhar que só o próprio é que poderá dispor da sua vida, em determinadas circunstâncias e mediante um pedido de ajuda consciente e consistente. Exige-se imenso cuidado no debate, porque vivemos numa sociedade na qual predomina o poder do dinheiro e o economicismo, há pouco respeito pela vida e os velhos são menosprezados e até excluídos.
*Entrevista conduzida por António Marujo

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

HISTÓRIAS DE UMA VIDA DE UM RESENDENSE… EM SINTRA: Chamo-me Joaquim de Jesus e nasci em Passos, Cárquere, há 75 anos*

Vida madrasta em Cárquere
Vim ao mundo no dia 1 de Setembro de 1935. Éramos seis irmãos (três rapazes e três raparigas). Fui o penúltimo a nascer; ainda cá continuamos três. A minha mãe foi mãe solteira. Foi servir para uma quinta do Enxertado, onde teve o primeiro filho do patrão, que era casado. A mulher não tolerou tal situação, tendo sido despedida. Mas a ligação ao antigo patrão continuou, tendo tido mais cinco filhos.
A minha mãe, que viria a morrer com 60 e poucos anos, só tinha uma casinha com um pequeno quintal e nada mais. Imagine as dificuldades que teve para nos alimentar e criar. Passámos muita fome. Havia dias que não havia nada para comer. Plantávamos umas couves no quintal, mas não duravam sempre. Recordo-me de ir pedir, mas só as pessoas mais abastadas, que eram poucas, davam qualquer coisinha. A maior parte das vezes, vinha com as mãos abanar. Os vizinhos também eram pobres. Mesmo que quisessem, não nos podiam ajudar. Não tínhamos nada para enganar o estômago. Era terrível.
Na altura não havia cá escola. Mas mesmo que houvesse, nunca iria para a escola. Como era possível aprender, cheio de fome? Onde iria arranjar dinheiro para comprar livros, papel e canetas? Comecei a trabalhar com sete anos. Oferecia-me para ir guardar as vacas e ovelhas para as lameiras e montes. Também ajudava em trabalhos nos campos. Deitava as águas, acartava sacos, rapava as ervas. Não ganhava qualquer ordenado; a paga era em géneros: pão, batatas, caldo…Com treze anos, comecei a trabalhar como ajudante de pedreiro e mineiro. Dei muitos dias nas terras do Presidente da Câmara Municipal de então. Ganhava à volta de catorze, quinze escudos por semana.

Na tropa
No dia 4 de Abri de 1956, fui para a tropa, para a Escola Prática de Artilharia, em Vendas Novas, no Alentejo. Os primeiros dias custaram-me muito por causa das saudades. Não chorava por vergonha. Depois passou. Considero que foi uma sorte ir para a tropa. Ao menos, tinha onde comer. É triste ter de dizer isto, mas é a realidade. A vida em Cárquere era uma miséria.
A minha especialidade era a de apontador de obus 14. Frequentei a escola de cabos. Fui 1.º cabo. Na verdade, para ir para cabo era preciso ter o exame da 4.ª classe. E eu tirei-a. Esqueci-me de lhe dizer. É que entretanto, antes de vir para a tropa, construíram uma escola em Cárquere, tendo a respectiva professora ido viver para casa do Dr. Brito Dias. Foi ele que me incentivou a aprender a ler e escrever. Formámos um grupo de meia dúzia de pessoas e tínhamos aulas à tardinha ou à noite. Fiz o exame da 4.ª classe na véspera de S. João, na escola primária de Resende. A esposa do Dr. Brito de Matos, a Prof. Odete, também ajudou muita gente, pois ensinou muitos adultos a ler.
Fiz dezoito meses de tropa. Comparado com as dificuldades que tinha passado, a disciplina militar não me metia medo. Enfrentava sem problemas os desfiles, exercícios físicos, treinos de tiro, percursos nocturnos, corridas e outras manobras. Por mais dura que fosse aquela vida, tinha roupa lavada, cama e comida. Como não tinha dinheiro, nunca fui de fim-de-semana. Para matar saudades escrevia à minha mãe. Mas como eu, havia muitos. Poucos tinham dinheiro para vir às terras. Só os oficiais, sargentos e meia dúzia de soldados tinham esse privilégio. Aproveitávamos para dar uns passeios por Vendas Novas e arredores, pois não havia mais nada com que passar o tempo. Era uma vida sadia. Não havia televisão e jornais nem vê-los. Hoje em dia é o contrário. A malta nova vê televisão a mais e está sempre agarrada aos computadores e telemóveis.
Com as poupanças do pré, cheguei ao fim da tropa com 90 escudos. No quartel conheci uns colegas que eram de Sintra. Pelo que me apercebi lá havia muito mais oportunidade de arranjar trabalho. Como sabia que se voltasse para o nosso concelho me esperava a miséria, arrisquei ir para Sintra. De qualquer maneira, pedi para que o destino da guia de marcha fosse Resende, pois, se tivesse azar e não encontrasse trabalho, tinha a viagem paga.

Em Sintra
Lembro-me que era já noite quando cheguei à estação de Sintra. Não conhecia ninguém nem sabia que por aqui já havia muitas pessoas de Resende. Dirigi-me a um motorista de táxi e perguntei-lhe se conhecia alguém que me podia dar trabalho. Ele disse-me: “vai por aqui e por ali e encontra um matadouro, chegando lá desenrasca-se”. Fui dar a uma taberna. Comi lá qualquer coisa e consegui que me dessem cama nessa noite. Deram-me uma manta e dormi assim no chão. Ao outro dia indicaram-me um celeiro. Fui até lá e deram-me logo trabalho. Não hesitei, tendo ficado logo lá. O meu trabalho consistia em encher sacos e levá-los para a estação de comboios de Sintra.
Infelizmente, passadas duas semanas, a minha mãe mandou-me uma carta do Exército que chegou através do Regedor a informar que deveria apresentar-me novamente no quartel de Vendas Novas. Caso não o fizesse, era considerado refractário, podendo ser preso. Embora contrariado, lá fui. De Vendas Novas mandaram-me com outros colegas para Évora, onde fomos substituir uma companhia que tinha sido mobilizada para a Índia. Estive nessa cidade sete meses.
Findo este tempo, voltei para Sintra, mas já não fui para o celeiro. Procurei outra ocupação. Consegui arranjar trabalho na Quinta da Regaleira. Continuei a ir dormir a uma sala pertencente aos donos da tal taberna de que já lhe falei. Entretanto, soube que havia uma casa alugada a um dos trabalhadores que a subalugava a outras pessoas. Nas redondezas era conhecida como a casa dos malteses. E eu fui mais um. Aí estava mais à vontade.
Estive três anos na Quinta da Regaleira. Depois comprei um negócio por trespasse que se dedicava à venda e distribuição de leite. Para poder fazer isso comprei uma carrinha. O leite ia comprá-lo à UCAL (União das Cooperativas Abastecedoras de Leite de Lisboa) , na Portela, próximo de Sintra. Ia de porta em porta. Muitos fregueses pagavam-me a pronto, outros à semana e ainda outros ao mês. É claro que a alguns tinha mesmo de deixar fiado por mais tempo. À UCAL tinha de pagar diariamente em dinheiro vivo. Governei assim a vida durante cerca de dez anos. Trabalhava muito, mas também deu para comprar um terreno onde fiz uma casa, com um grande quintal.

Na UCAL
Findo este tempo, a UCAL propôs-me a compra do trespasse do negócio com a consequente integração nos seus quadros de trabalhadores, o que aceitei. O meu trabalho era ir vender com um camião leite pelas lojas comerciais, restaurantes e cafés da região. Ia com um ajudante. Tinha um vencimento, mas também ganhava à comissão. Os produtos da UCAL eram bem aceites no mercado. Vendia embalagens de leite, manteiga, leite com chocolate, queijos, natas e iogurtes.
Trabalhei na UCAL trinta anos. Estou reformado há quinze. Foi mais ou menos na mesma altura em que a União de Cooperativas foi adquirida pela Parmalat. Este negócio, que aconteceu em 1993, deu na altura muito que falar. Dava a impressão que eles queriam tomar conta do leite em Portugal. E vieram com muita força. Pelo sim e pelo não, preferi retirar-me. Alguns dos meus colegas foram integrados na nova empresa. Recordo-me de se falar muito na Parmalat, mesmo antes de vir para Portugal, pois tinha sido pioneira na utilização de embalagens da Tetra Pak, o que permitia a longa conservação do leite. Isto fez com que tivesse muito sucesso. Ao destacar-se nos anos 70 como patrocinadora desportiva, com presença no Campeonato do Mundo de Ski e da Fórmula 1 e, mais tarde, no mundo do futebol, a marca tornou-se conhecida em todo o mundo. Por isso, os meus colegas viram a chegada da Parmalat com alguma confiança. Sei que em Itália os tribunais declararam a falência da empresa mãe em 2003, mas em Portugal nunca houve problemas, embora a competição sempre fosse grande. Como sabe, a Parmalat/Portugal alargou o negócio aos produtos de forno, sumos e bebidas, mas continua a apostar na imagem e marca UCAL. Por isso comercializa leites, natas e manteigas com a designação UCAL.

Na reforma
Já me esquecia de dizer que casei tinha eu 27 anos. Conheci a minha mulher na sede da UCAL. É natural daqui. Não tenho filhos. Tenho ainda dois irmãos vivos, como lhe disse no princípio da conversa. Um vive Resende e um outro aqui, na região de Sintra. Os que já partiram, um irmão morreu em Cárquere e duas irmãs no Brasil. Estas casaram, foram para o Brasil e nunca mais cá vieram. Sei que tenho sobrinhos, mas para lhe ser sincero nem sei quantos são. Há uns anos, uma sobrinha veio a Portugal conhecer as suas origens, foi a Resende e andou por cá. Esteve vários dias em minha casa.
Tenho passado bem a reforma. Não me tem faltado que fazer. Tenho um quintal com cerca de mil metros quadrados, onde tenho um pouco de tudo: couves, batatas, cebolas, feijão, tomate, alfaces, pepinos e algumas árvores de fruto. Ando sempre ocupado. E agora até demais, pois a minha mulher deu uma queda e tenho de cuidar dela, embora se levante e coma por ela. E agora é que vou perdendo as forças, pois ainda ia cultivando uns terrenos herdados pela minha mulher. Agora infelizmente andam lá umas ovelhas que nem sei a quem pertencem. Tenho pena, mas ninguém quer cultivar esses terrenos. Isto não acontece só por Resende. Nem cultivando de borla as pessoas querem. Talvez com esta crise as coisas mudem. Eu acho que têm de mudar. Por que é que há-de vir tudo do estrangeiro quando podemos cultivar nós? Nem que seja para evitar comprar nos supermercados, como eu faço. Poupo dinheiro e sei o que como.
Continuo a fazer 15 dias ou um mês de férias nas unidades hoteleiras do INATEL. Já estive quase em todas, embora aquela que mais frequentei tenha sido a do Algarve. Também já fui numa excursão à Madeira, Suíça e Espanha.
Estive em Resende oito vezes. Lembro-me muito dos tempos passados, mas acho que foram tempos difíceis. Foram dias de muita fome e de muito trabalho. Não havia futuro. Agora aquilo está muito mudado. Há estradas por todo lado, escolas, piscinas e mais lojas comerciais. No meu tempo, não havia tempo nem dinheiro para os mais novos se divertirem. A única coisa que me dá mais alegria recordar é a música, pois tocava realejo, e as desfolhadas, onde a gente se divertia. Ficam sempre recordações, mas encontro poucas que me tivessem dado felicidade. Ficaram-me as bonitas paisagens dos campos, da serra e do Douro. Espero que não aconteça aos mais novos aquilo que fui obrigado a fazer: ter de procurar trabalho noutras terras.
*Apontamento da autoria de Marinho Borges, publicado no Jornal de Resende, número de Janeiro de 2011
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