quarta-feira, 31 de outubro de 2012

ANTÓNIO BORGES EM GRANDE ENTREVISTA AO "JORNAL DE RESENDE"



No terceiro e último mandato à frente dos destinos do município de Resende, e a um ano de novas eleições autárquicas, o Presidente da Câmara Municipal de Resende, o socialista António Borges (AB), numa grande entrevista ao Jornal de Resende (JR), aborda os grandes temas da atualidade concelhia e nacional. Possíveis candidatos e sucessor autárquico, a política concelhia dos últimos anos, novos investimentos, os governos socialistas e a atual coligação de direita, o encerramento (previsível) do Tribunal Judicial e a reorganização autárquica são alguns dos principais tópicos abordados ao longo desta entrevista.

ENTREVISTA CONDUZIDA POR PAULO SEQUEIRA

Jornal de Resende (JR): Daqui por um ano, em outubro de 2013, realizam-se eleições autárquicas. Impossibilitado de se candidatar novamente, por força da lei de limitação de mandatos autárquicos, quem será o candidato do Partido Socialista (PS) às próximas eleições autárquicas?
António Borges (AB): O Partido Socialista está num processo de escolha e debaixo de um calendário definido na última reunião dos órgãos nacionais. A escolha será feita e o resultado anunciado no tempo político adequado. Não vale a pena especular, mas estarei na primeira linha das próximas eleições autárquicas e comprometido com o futuro político do concelho.

JR: … mas será um sucessor natural ou passará por uma grande surpresa?
AB: Deverá ser alguém muito identificado com todo o caminho que temos feito em Resende nos últimos anos. Essa é a minha opinião. Alguém que reforce o grupo forte e coeso que o PS tem sido nos últimos anos.

JR: Quais são, na sua opinião, as características fundamentais para ser um bom Presidente de Câmara?
AB: Tem que estar muito identificado com as pessoas e com o concelho, com os problemas, que não faça da Câmara um emprego, mas antes um exercício de disponibilidade, autónomo do ponto de vista pessoal e financeiro, desligado de interesses e que tenha preocupações sociais e com o desenvolvimento económico do concelho. Tem que ser alguém, como disse, autónomo e capaz de fazer mudança!

JR: Disse-o, publicamente, que nas próximas eleições autárquicas estaria nas listas do PS. Vai ser candidato à Presidência da Assembleia Municipal?
AB: Está tudo em aberto e depende sempre do que o PS decidir. Em cima ou em baixo, na Câmara ou na Assembleia, em qualquer circunstância, a minha obrigação é ajudar os que sempre estiveram com o que conseguimos nestes anos.
Os que muito me ajudaram nos últimos anos, e até alteraram as suas vidas, correram riscos e afetaram as suas comodidades pessoais, vão ter no próximo ano, da minha parte, uma disponibilidade total. Estarei na primeira linha das próximas autárquicas e muito comprometido com o governo do concelho dos próximos anos.

JR: Não há pessoas insubstituíveis, mas háde convir que o seu sucessor terá uma herança rica, mas árdua…
AB: Esse é um ponto de vista. A minha vantagem é que sempre formámos um bloco coeso e espero que assim continue. Resende precisa de continuar o caminho de afirmação dos últimos anos e não cair num vazio, ou voltar ao pior do antigamente.

JR: Após três mandatos e mais de 20 milhões de euros em investimentos, a rede escolar e a reformulação do modelo educativo está praticamente concluída. É desta área que mais se orgulha?
AB: Essa é uma matéria importante. Se o concelho tivesse um nível de qualificação e competências elevado, seria a garantia de sucesso. Quando chegámos, há dez anos atrás, estávamos no penúltimo lugar das maiores taxas de abandono e insucesso escolares. Não iríamos a lado nenhum. As políticas na educação demoram anos a dar resultados. Quando a média de escolaridade por encarregado de educação é de 5,7 anos, como neste momento, percebe-se que essa é a área das grandes prioridades no futuro próximo. Quando o aluno passa a ter maior instrução que o pai, isso é bom, mas reflete-se no rendimento e na ambição dos nossos jovens. Perdemos décadas só nestes domínios. Os resultados dependem dessa mudança fora e dentro da escola.

JR: Quer dizer que teremos de continuar a investir nestes domínios?
AB: Na Secundária, mais de 80% dos alunos tem apoios na ação social escolar. Aí joga-se sobretudo aquilo em que acredito e que uma parte do concelho ainda não absorveu. Todos os resendenses devem ser iguais em oportunidades e isso joga-se na escola. A escola deve ser um fator de igualdade de tratamento, de ensino e de acesso às competências que geram condição igual. Em Resende, há ainda gente que quer para si o que não quer para os outros... ou que quer para os outros o que não quer para si!
Essa é a grande mudança na gestão que o PS tem feito em Resende e é sobretudo essa a responsabilidade e a importância das escolhas que Resende tem sempre que fazer. Veja o que aconteceu com o atual Governo... uma má escolha faz com que tudo volte ao tempo do “arroz de quinze”. Isso não pode acontecer em Resende!

JR: Há, também, outras áreas que foram prioritárias nas políticas concelhias…
AB: Há dez anos atrás era tudo prioritário. Nessa altura, por exemplo, os grandes problemas eram a água e o saneamento.
Ficávamos aqui o tempo todo a rever o que fizemos nos mais diversos domínios. Na atividade municipal, acrescentámos muito. Agora há intervenções emblemáticas. Construir o Parque Eólico da Alagoa de D. João e garantir ali ativos que nos possibilitaram, sem sair um tostão da Câmara, passar a deter as Termas de Caldas de Aregos, todo o seu património e direitos de concessão é uma marca muito importante. Muita adrenalina, muita paciência… muita teimosia! Um marco na vida do Município, como se verá nos próximos anos!

JR: A oposição concelhia costuma criticar a falta de criação de emprego e a saída dos nossos jovens de Resende por falta de oportunidades…
AB: A oposição a que está a referir-se deve ser a que apoia o atual Governo e o Primeiro Ministro Passos Coelho, que, pelos vistos, resolve os problemas a mandar emigrar os portugueses e os jovens, com o maior desemprego de sempre em Portugal, e o que mais aí virá. Isso, de facto, dá uma grande autoridade para falar sobre essas matérias e fazer críticas. Mas estamos a fazer o nosso caminho!

JR: E esse caminho tem passado por…?
AB: Criámos emprego na economia social. Em Arêgos, a Câmara garantiu, diretamente, mais postos de trabalho permanentes. Criámos uma marca como a cereja, com todas as consequências económicas que isso tem. Estamos a atribuir lotes a preços simbólicos para que as empresas se instalem. Apostámos na qualificação dos resendenses e temos muito melhores infraestruturas. Consecutivamente, ano após ano, garantimos a vinda de significativos investimentos, a maioria com fundos comunitários, que animaram o comércio local, os prestadores de serviços, a contratação e a subcontratação gerando animação permanente da atividade económica local.
O índice de poder de compra concelhio, quando chegámos à Câmara, era pouco mais de 1/3 da média nacional. Em 2009, passámos para cerca de 50% e acredito que agora estejamos melhor. Bastam estes números para explicar donde partimos e o caminho que fizemos e temos de continuar a fazer!
Os que falam o que referiu são os mesmos que, por exemplo, sempre se resignaram à paralisia de aproveitamento do recurso termal de Caldas de Aregos ou nunca foram capazes de projetar a cereja como o grande recurso agrícola do concelho e a sua grande marca.

JR: Numa altura em que se fala tanto em desempregos, como estamos nessa área?
AB: É óbvio que o clima económico atual nos está a atrasar nessa ambição de rapidamente recuperarmos tecido económico e animação empresarial, mas, mesmo assim, estamos com taxas de desemprego quase 4% abaixo da média nacional.

JR: O que se pode esperar da Câmara e do seu Presidente num momento como este?
AB: Vamos continuar a investir de forma comedida, mas vamos! Estamos a fazer tudo o que está ao nosso alcance para atenuar os malefícios das políticas do Governo. Plano de ajustamento na Câmara, lotes para as empresas, apoio para os livros escolares, baixa do IRS, do IMI e da Derrama, investimento de proximidade, ainda que o que mais me preocupa são certas mentalidades e estados de espírito.
Consumo e investimento são pão para a boca do emprego e do crescimento e num concelho como o nosso é preciso não deixar ninguém para trás.

JR: Tem sentido que há falta de respostas?
AB: Temos muita gente em Resende, várias gerações que foram sacrificadas pela ausência de políticas de qualificação e instrução, que foram abandonadas à sua sorte. Ataca-se o rendimento social de inserção, que mesmo com alguns abusos ajuda muitos daqueles a quem a sociedade não deu, como devia, instrução, competências, oportunidades, emprego e lógicas sociais consistentes. Depois, os que fazem esses ataques são de uma enorme brandura para os BPN’s e BPP’s. Branqueiam essas situações, que davam para 10 anos de RSI.
Com a Direita está a regressar a chamada caridadezinha, o tempo da sopa dos pobres, o estender da mão e o abandono de políticas sociais de apoio e inserção.

JR: Há pouco tempo, falou-se em grandes investimentos públicos e privados em Caldas de Aregos. Qual é o ponto da situação?
AB: É óbvio que a situação atual do país também nos contamina. Esta coisa de parar tudo e de estancar investimentos e incentivos, ou os fortes constrangimentos na obtenção de crédito bancário, afetam o percurso que estávamos e estamos a fazer.
Há vários interessados que continuam a falar connosco sobre o relançamento do recurso termal. É uma questão de tempo. Quem tanto teve de esperar, depois de décadas de completa paralisia, certamente que percebe que demos a volta e agora é uma questão de mais ano menos ano. A estratégia está definida, pode ter que ser afinada em função das circunstâncias! É um recurso importantíssimo, que agora é nosso, dos resendenses, e um instrumento que será usado no interesse de todos e no desenvolvimento económico de Resende.

JR: A nível dos transportes e comunicações, uma antiga aspiração dos resendenses, a EN 222-2, vai continuar a não passar disso mesmo, um velho sonho por concretizar?
AB: É um assunto em que somos todos interessados, mas está na esfera do Governo e das Estradas de Portugal. Tivemos que pagar o projeto do novo traçado e elaborar esse mesmo projeto para resolvermos um impasse que encontrava sempre obstáculos nas questões ambientais.
A importância de ter em Lisboa gente que não diaboliza o investimento e as obras, como fazem aqueles que agora nos governam, vai ser muito importante no futuro. A EN 321-2, Ponte da Ermida – Baião, está pronta para ser adjudicada e não é menos importante a ligação ao Porto. Logo que hajam mudanças, voltaremos à carga com o trabalho de casa feito.

JR: Os últimos tempos não têm sido fáceis. Muitas manifestações da sociedade civil muito por culpa da “Troika” e das recentes medidas governamentais de combate ao deficit. Como avalia a atuação do governo de coligação entre PSD e CDS-PP?
AB: Os resendenses que no futuro apoiem, por qualquer forma, este Governo e os Partidos que o apoiam – sendo este o Governo que mais prejudicou o concelho em toda a história recente da democracia – não amam verdadeiramente a sua terra. Estarão a pensar mais em si e menos nos prejuízos e no atentado a esta ambição de seguirmos em frente. E não estão a aprender a lição. O que se está a passar com este Governo é um enorme recuo e um enorme revés para o concelho. É o Tribunal, são as freguesias, são menos professores nas escolas, são 40% dos utentes sem médico de família, o RSI, o corte no Externato, o corte nos investimentos, são os cortes brutais nas prestações sociais, é uma enorme carga fiscal,… É tirar, tirar, tirar à economia do concelho, aos comerciantes, aos funcionários públicos, aos empresários, aos reformados, a quem trabalha... para nada!
Não poderia ser pior sobretudo para Resende este enorme retrocesso a que estamos a assistir. Estamos, hoje, perante uma autêntica sabotagem ao desenvolvimento do interior e de Resende.

JR: O facto de termos chegado a esse ponto também não é o resultado das políticas dos governos socialistas dos últimos anos?
AB: Este Governo ainda não pregou um prego e aumentou o défice, aumentou a dívida pública e o país está mais pobre. O pior de sempre... mas o melhor nas desculpas!
Todos os políticos têm a sua quota de responsabilidade, qualquer que seja o nível de decisão. Agora não confundamos a origem da crise e os verdadeiros responsáveis de tudo o que se está a passar. Para que o sistema financeiro não entrasse em absoluto colapso, com a crise do subprime que veio dos EUA, os países tiveram que aumentar brutalmente os seus défices... todos! Depois, foram capturados pela usura dos mercados e por erros graves da condução das políticas na Europa, respostas que tardaram e tardam. O BCE financia o sistema financeiro a 1%, mas o Estado Português, que salvou com os outros países esses mesmos bancos, tem de pagar taxas cinco vezes mais altas, no mínimo.

JR: …e o último governo socialista?
AB: Relativamente ao último Governo Socialista, vamos deixar assentar a poeira e depois veremos com mais clareza onde está o grosso do problema. Em 2008, o Governo do PS conseguiu o mais baixo défice de 2,8% nas últimas 4 décadas. Depois apareceram os chamados PEC´s, resultado de uma estratégia europeia e que deu no que deu! Daqui a mais algum tempo falamos. Acho mesmo que a generalidade das pessoas já começa a perceber melhor a verdadeira dimensão dos problemas e as suas origens. Isto sem desculpar erros próprios!

JR: Não acha que o descontentamento social generalizado e crescente para com a classe política pode pôr em causa os fundamentos da nossa democracia? Como se sente, perante esta situação, sendo o Eng. António Borges um político?
AB: O descontentamento social generalizado só vai trazer mais gente às questões políticas. Pode ser uma enorme vantagem. Há um conjunto de gerações mais novas que, perante tantas e tantas facilidades dos últimos anos, não absorveu o que é essencial na construção das sociedades e da própria afirmação dos indivíduos e da sua individualidade. Foi tudo fácil demais numa sociedade de consumo levada ao limite, com crédito fácil e barato e os outros a fazerem por nós! As pessoas vão perceber rapidamente que tudo isto é com elas e vão obrigatoriamente ter de encontrar as soluções que as respostas políticas tradicionais e os políticos tradicionais já não lhes garantem. Vamos ter que ir a jogo e isso é bom!
A participação está a alterar-se, basta estar nas redes sociais e perceber como se forma o movimento de opinião ou para o que as pessoas se mobilizam. Não é o melhor momento para estar na responsabilidade política, mas não sinto nenhum desconforto, até porque prefiro sempre funcionar nos limites a não ter objetivos, causas e dificuldades para superar. Sem isso a política não tem sabor e corremos o risco de nos transformarmos em funcionários ou rotinas!

JR: Algumas das medidas mais polémicas do atual governo afetam o concelho de Resende. A nível judicial está previsto o encerramento do Tribunal Judicial. Se tal acontecer, que impacto terá na área social e económica do concelho?
AB: É a medida mais grave que algum dia os resendenses como comunidade tiveram de enfrentar. Antes de mais porque é resultado de um conjunto de mentiras. Não é verdade que tenhamos menos de 250 processos por ano, não é verdade que o Palácio da Justiça seja da Câmara, não é verdade que tenhamos Julgado de Paz, não é verdade que tenhamos bons acessos. Isto é inacreditável e o mais grave é que a Senhora Ministra nem sequer se dispõe a discutir e avaliar connosco, comigo e com todos os outros presidentes esta situação. Um prejuízo gravíssimo!
A justiça fora do concelho representa mais impostos para os resendenses, porque vão pagar mais para ter acesso à justiça. Todos perdem. É o comércio local que perde com o movimento diário de magistrados, funcionários judiciais, advogados, testemunhas, e todo o resto, que passarão a consumir fora. É a própria qualidade da aplicação da justiça. Uma coisa é julgar dentro da envolvente social e económica em que os atos são cometidos, outra é fazê-lo fora. O conhecimento de quem julga da dimensão e consequências de determinados comportamentos no contexto em que os factos acontecem faz parte dos fatores de qualidade da aplicação da Justiça. O fim do nosso Tribunal é inaceitável. Pode ser o princípio do fim duma comunidade como a nossa. Estaremos muito atentos!

JR: O que será necessário fazer para inverter essa situação? Esperar a queda do atual Governo? Esperar uma restruturação governamental e a substituição da Ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz?
AB: Faremos tudo no espaço institucional. Mas, se tivermos que levar as populações para a rua, se tivermos que ir para a rua, lá estarei. A Ministra da Justiça, por aquilo que sei de outros concelhos, arrisca o maior movimento sobre Lisboa e o Terreiro do Paço que alguma vez alguém viu neste país. Contestaremos nos Tribunais portugueses, com providências cautelares, iremos às estâncias comunitárias e até ao fim do mundo! Se fecharem o Tribunal, não pararemos até ter de volta os julgamentos e os magistrados em Resende.
Um dos compromissos do PS, que já foi enunciado pelo António José Seguro, é precisamente esse. Manter os Tribunais nas Comarcas e, se for caso disso, fazer a circulação de juízes, como já acontece agora em muitos casos. Em última análise, a reposição do Tribunal de Resende passa por mudar o Governo.

JR: Quanto à reorganização administrativa autárquica, uma vez que não houve uma manifestação de interesse dos órgãos autárquicos concelhios, a agregação de freguesias será feita compulsivamente pela entidade que fiscaliza os projetos de agregação (Unidade Técnica para a Reorganização Administrativa do Território). O que nos espera?
AB: Nada de bom. Esta reforma é feita por quem não sabe bem o que quer, e esta última versão é cortar uma percentagem nas freguesias. Aceito que possa haver ganhos em certos territórios na agregação de freguesias. Quando têm boas acessibilidades, as coisas estão perto umas das outras e o acesso aos serviços é quase imediato.
Em Resende, ou melhor nas zonas rurais, nem se poupa dinheiro, nem as pessoas ficam melhor servidas, nem há mais competências e meios para administrar melhor o território. Já tive oportunidade de explicar estas matérias aos resendenses e continuo a fazê-lo freguesia a freguesia. Esta reforma é, aliás, uma marca e um exemplo do que é governar mal e fazer por fazer, sem ganhos de custos e piorando a lógica de proximidade. As freguesias são em Resende as “paróquias civis”, as lógicas identitárias, o sítio, a vizinhança, a entreajuda, lógicas consolidadas através de séculos. Destruir isso é gravíssimo e irreparável.

JR: Face às crescentes dificuldades financeiras que o país atravessa, como está a saúde financeira da autarquia?
AB: No final deste mandato, depois de fazermos o que fizemos, o nível de endividamento, mais coisa menos coisa, será idêntico àquele que tínhamos em 2002, quando cheguei à Câmara.
Com a Lei dos Compromissos tivemos que nos ajustar, ainda mais, aos cortes que desde 2011 somam cerca de três milhões de euros. Tivemos que reformular objetivos, mas não tivemos que recorrer a nenhum plano extraordinário de regularização de dívidas, como muitas autarquias tiveram que fazer, e temos fundos disponíveis para continuar as obras que estão à vista e as que vamos lançar.
Depois do Parque Urbano e do Fórum em Resende, ou do Centro Escolar de S Cipriano, para não falar na nova Escola Secundária, vem aí o Centro da Cereja em S. Martinho de Mouros, o Centro de Cerâmica em S. João de Fontoura, o Centro Interpretativo de Montemuro, em Feirão, a Casa de Colmo na Panchorra, o arranjo da zona envolvente da Capela e do Ribeiro de Cesta em Aregos e o Parque Fluvial do Bernardo, em Barrô. Nunca entraremos em aventuras!

JR: Não é demais face às atuais circunstâncias?
AB: Na Câmara, nunca adjudicámos obras de porte significativo que não tivessem comparticipações, ou de Fundos Comunitários ou de apoios do Governo. Por exemplo no caso do Parque Urbano e do Fórum apenas pagámos 15% do valor das obras, sendo que o resto foi comparticipado. Ou fazíamos agora ou outros levariam o dinheiro. Como aconteceu no passado! A minha obrigação é remar pelo concelho, é trazer para Resende, é conseguir primeiro que os outros.
Se é demais?... Se não fizéssemos o que fizemos nos últimos anos, hoje iam comparar-nos a muitas freguesias deste país e dizer que, se calhar, não tínhamos razões e motivos para existir. Agora o que muitos dizem é que muitas cidades não têm o que nós temos... e é verdade! Só temos que continuar a crescer.

JR: O Eng. José Sócrates esteve recentemente no concelho de Resende, mais propriamente nas Caldas de Aregos, num almoço entre “amigos”. Para além de comungarem da mesma ideologia política, mantêm uma relação de grande amizade…
AB: É verdade. Tenho amizade e admiração por José Sócrates. O tempo vai encarregar-se de demonstrar a importância do tempo dos seus Governos para Resende. Nada mudou numa relação de muitos anos, a não ser um apreço ainda maior!

JR: O que falhou na governação do Eng. José Sócrates?
AB: O primeiro Governo, entre 2005 e 2009, deixou grandes marcas em muitos domínios. Na educação, na saúde, no social e até na governação económica. Teve, como já disse, o défice mais baixo dos governos do pós 25 de Abril e, sem os disparates a que vamos assistindo todos os dias, os serviços melhoraram, o Estado e o seu funcionamento melhorou e naqueles seis anos diminuíram em quase setenta mil os efetivos da função pública... sem perda de qualidade. As reformas estavam a acontecer.
O erro foi estar demasiado tempo com o Governo minoritário, que provavelmente não tinha condições políticas para enfrentar, nos últimos dois anos, uma crise sem paralelo, que começou por ser internacional e rapidamente contaminou profundamente o país. A estabilidade política é sempre um fator essencial nestes casos e insistir num clima adverso e com oposições ávidas de poder a qualquer preço não deu bom resultado!

JR: Nas últimas eleições para a presidência do Partido Socialista (PS) não apoiou o vencedor e atual líder partidário António José Seguro. Porquê e o que acha da sua liderança…
AB: Só há um PS e um Secretário-geral. António José Seguro esteve em Resende, o que muito me satisfez e tem a minha total disponibilidade e colaboração. Está a fazer o seu caminho e deixou já uma marca, porque, há alguns meses atrás, foi capaz de avisar que estes caminhos que o país e a Europa estão a seguir estão errados. Matar o consumo e o investimento é matar a economia. Seguro tem defendido o que a pouco e pouco a Europa vai também adotando como políticas para enfrentar a crise.

JR: O F.C. Porto anunciou, recentemente, os “Dragões de Ouro” da época 2011/2012. O sócio/adepto do ano dá pelo nome de Eng. António Manuel Leitão Borges. O que representa para si esta distinção?
AB: Não lhe sei explicar bem. É evidente que a relação que Resende tem mantido com o Futebol Clube do Porto, com evidentes benefícios para o concelho, já que usufrui da proximidade a uma grande marca, certamente que pesou. Muitos conhecem as minhas preferências e como nunca escondo essa ideia de que o clube não é só isso de pontapé para a frente. Somos nós com as nossas emoções, com os nossos sentimentos, seguindo o clube e sobretudo o que ele representa em muitos, muitos lados. Vou eu, vai o Tiago e vai o Eduardo. Momentos únicos, como quando tive que explicar ao mais novo que o Porto também perde, no último jogo do campeonato no antigo estádio das Antas, quando já éramos campeões e o Guimarães ganhou por 2-1.

JR: Criou, recentemente, uma página no Facebook, na qual partilha com os seus seguidores e munícipes opiniões, iniciativas, vivências, etc. Como descreve essa experiência?
AB: Às vezes perguntava a mim próprio se afinal as pessoas estavam ali e sabiam o que estávamos a fazer e o sentido de algumas atitudes.
É algo de semi-institucional, deliberadamente com um pouco daquilo que deixa perceber onde estamos e como vamos avançando. Para o que me conheço tenho sido muito comedido também por falta de tempo. Mas confesso que têm sido muito corretos e amigos comigo.

JR: Como acha que, daqui por uns anos, será recordado?
AB: Alguém que é capaz de construir alguma coisa e de mudar, sem dogmas ou preconceitos... e de Resende!

JR: O que se vê a fazer daqui a seis anos?
AB: Daqui a seis anos?... Cá estaremos!
 *Publicada no Jornal de Resende, n.º de Outubro de 2012

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Ao almoço, no restaurante "Gentleman", com Frei Henrique Rema*

Ele é integralmente um gentleman”
Esta citação de Rebeca West, escrita na parede à direita, logo à entrada do restaurante, define e caracteriza o ambiente acolhedor, a arte de bem receber, o bom gosto e a qualidade da comida. Este novo Gentleman, capitaneado por Manuel Pedro Gomes, de decoração sóbria e de muito bom gosto, corporiza o conceito abrangente de restauração: pratos regionais, refeições para dias especiais, almoços muito económicos de preço fixo, pizas, massas e menus infantis, de entre outros destaques. Com bom tempo, poder-se-á desfrutar do espaço convidativo da esplanada. Algumas informações úteis encontram-se no site www.o-gentleman.pt
Frei Henrique Pinto Rema escolheu atum grelhado com batata sauté. Foram pedidas duas doses, que fizeram jus à escolha, e que proporcionaram uma óptima refeição e uma agradável conversa.

Quem é Frei Henrique Rema
Na linha da simplicidade, que o caracteriza e cultiva, como franciscano que é, define-se apenas como um cronista. Contudo, do currículo deste nosso conterrâneo, nascido no lugar do Paço, em S. Romão, a 23 de Setembro de 1926, merece destaque, de entre outros aspectos relevantes, o facto de ser o maior especialista da obra escrita de Santo António de Lisboa, o maior perito da história da missionação da Guiné e ainda uma autoridade do passado das várias ordens que constituem a família franciscana portuguesa. Por isso se justifica muito merecidamente que integre a Academia Portuguesa de História, na categoria de sócio de número, um selectivo grupo limitado a 30 académicos portugueses a que acrescem 10 de nacionalidade brasileira. E convém realçar que esta distinção, que recusou várias vezes e quase foi obrigado a aceitar, não se ficou a dever ao facto de ser detentor de qualquer prestigiada cátedra ou ao brilhantismo em carreira universitária, mas exclusivamente à qualidade do seu trabalho de investigação, fruto de muita persistência, método e rigor, pois possui apenas os diploma de estudos em filosofia e teologia leccionados nos conventos por que passou. “Não tenho qualquer grau académico; sou um cronista ad hoc”, referiu com um sorriso.
O desejo de esclarecer factos do passado ficou patente poucos minutos após as primeiras palavras trocadas com Frei Henrique Rema junto à igreja de S. Romão, local do encontro aprazado para o ir buscar para o almoço. E assim fiquei a saber a razão de se chamar Rema. “Se conhecer alguém de apelido Rema é da minha família. O meu tetravô, natural do lugar de Carrapatelo, da freguesia da Santa Cruz do Douro, chamava-se Alexandre Pinto, sendo conhecido pela alcunha de “O Rema”, por ser barqueiro. Naquela altura, era comum uma alcunha passar a apelido para os respectivos descendentes. Por isso, os filhos deste tetravô tiveram como apelido “Pinto O Rema”, mas os seus netos já foram apelidados de Pinto Rema”.
Foi um dos dez filhos de Albina de Jesus e de José Pinto Rema. Continuam vivas duas irmãs, que residem na Régua, uma das quais passa bastante tempo em S. Romão. Os seus pais, donos de umas pequenas propriedades, foram caseiros do Padre Amadeu Cardoso, que paroquiou Ovadas durante vários anos. O contacto com os campos começou ainda em bebé, onde permanecia ou dormia num cesto enquanto a mãe cavava ou regava. A partir dos quatro/cinco anos começou a ajudar os pais em pequenas tarefas, como descascar feijão, apanhar castanhas e guardar o gado (uma burra e uma cabra).
A iniciação à leitura e escrita foi feita por um primo, cujas aulas de ensino doméstico era frequentadas por cerca de 15 crianças. Já com 10 anos, em 1936, matriculou-se na então escola primária de Anreade, onde frequentou a 3.ª e 4.ª classes, tendo sido seu professor José Maria Almeida. Recorda com alguma saudade as brincadeiras durante os intervalos e as pequenas aventuras das longas viagens diárias para as aulas. Da “pedagogia da reguada”, que persistia na altura, não guarda qualquer espécie de rancor. Broa com azeitonas era o almoço habitual que diariamente trazia de casa.

Percurso como sacerdote franciscano
Os seus pais eram cristãos zelosos, fazendo questão que em casa se rezasse diariamente o terço. Era profunda a ligação à igreja. Frei Henrique Rema ainda conserva na memória a importância do impacto que o então pároco de S. Romão, Padre Manuel, lhe provocava quando aparecia paramentado frente ao altar, desenvolvendo nele o desejo de um dia também vir a ser padre. Toda esta envolvência religiosa explica a vontade de seguir a vida eclesiástica. A opção pela ordem dos frades menores (O.F.M.) ficou a dever-se à vinda de padres franciscanos a S. Cipriano “para pregar uma missão”, que constituía também uma oportunidade para despertar nas famílias e crianças vocações para os respectivos seminários ou conventos. Assim, em 1938, com 12 anos, Henrique Rema rumou ao Colégio dos Franciscanos, em Montariol (Braga), o que implicou um encargo mensal de trinta escudos a que os pais, com grandes dificuldades, tiveram de fazer face. Esta decisão foi acolhida com agrado pela sua madrinha, governanta do Padre Amadeu Cardoso, que tinha escolhido o nome de Henrique a dar ao afilhado em homenagem ao seu director espiritual, um frade franciscano, que se chamava Frei Henrique.
Após terminados os estudos básicos em Braga, fez o noviciado no convento de Varatojo/Torres Vedras (1943-1944), ingressando depois no Convento de Montariol/Braga para efectuar o curso de filosofia (1944-1946) e no Seminário da Luz/Lisboa para fazer o curso de teologia (1946-1950). Tomou o hábito franciscano no Convento de Varatojo a 07.09.1943 e professou a Regra da Ordem dos Frades Menores (O.F.M.) a 08.09.1944 no mesmo convento. A ordenação de padre ocorreu a 23.07. 1950, no Seminário da Luz. A missa nova teve lugar na igreja de S. Romão a 6 de Agosto, celebrada em condições de grande fragilidade, com 38,3 graus de febre. Aliás, convém referir, a propósito, que Frei Henrique Rema teve no passado graves problemas de saúde e, só por isso, não foi estudar para Roma, como era desejo dos seus superiores.
Como sacerdote, foi capelão e professor em diversas instituições, a maioria das quais ligadas à família franciscana. Merece destaque, contudo, o cargo de Secretário da Prefeitura Apostólica da Guiné-Bissau, que exerceu entre 1965 e 1974 e o de Secretário da Província Portuguesa da Ordem Franciscana, que exerceu nos períodos entre 1981-1984 e 1992-1998. Actualmente é capelão num hospital, em Lisboa.
Continua muito ligado ao nosso concelho, onde costuma passar anualmente algumas semanas de férias. Costuma dizer que Portugal nasceu em Resende, sendo prova disso a presença nestas terras de D. Afonso Henriques e do seu aio, Egas Moniz. Não se cansa de andar a pé, como S. Francisco. Passeios de S. Romão ao Penedo de S. João, a S. Cipriano ou à igreja de Cárquere são uma rotina de fazer inveja a qualquer jovem. Continua a ser um conversador exímio, e sempre com um sorriso desarmante.

Actividade intelectual
Sempre gostou de escrever. Aos 17 anos publicou o primeiro artigo na revista do Colégio de Montariol “Alvorada Missionária”. A actividade da escrita em revistas foi sempre uma constante enquanto estudante e depois da ordenação sacerdotal, continuando até hoje. Merece um destaque especial a sua contribuição no “Boletim Cultural da Guiné Portuguesa”, onde publicou uma História das Missões Católicas da Guiné. Tem editados diversos livros, de entre os quais se realça o volume Obras Completas de Santo António de Lisboa, que traduziu do latim, anotou e precedeu de longa introdução. Publicou mais de 16.000 páginas, que deram origem a mais de 600 títulos. Conserva inéditas umas 8.000 páginas, incluindo o 4.º volume da Crónica do Centenário da Congregação das Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição, a Crónica da Província dos Açores das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição, os cinco volumes da Crónica da Província dos Santos Mártires de Marrocos, dez volumes de Diário, cinco cadernos de homilias e dezenas de conferências e notas.
Tem intervindo como orador em múltiplas iniciativas e congressos nacionais e internacionais, designadamente ligados à história da missionação e da Igreja. É membro de diversas academias de história e geografia ou instituições análogas, sobretudo de países da América Latina. O pedido para integrar júris de provas de mestrado e de doutoramento é uma manifestação do reconhecimento da valia da sua obra.

*Apontamento de minha autoria, publicado no Jornal de Resende, número de Setembro de 2012

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Entrevista a Ana Correia, vice-presidente do Rancho Folclórico e Etnográfico de Cárquerere*

 O Rancho Folclórico e Etnográfico de Santa Maria de Cárquere (RFESMC) organizou, no dia 19 de agosto, o XXV Festival de Folclore, um evento que se repete anualmente no 3.º domingo de agosto. O Jornal de Resende (JR) aproveitou a comemoração desta data marcante de uma das principais coletividades do concelho, que se dedica a divulgar a cultura e as tradições populares das gentes de Resende, para entrevistar a sua vice-presidente, Ana da Conceição Correia (AC).

Entrevista conduzida por Paulo Sequeira

Jornal de Resende (JR): O Rancho Folclórico e Etnográfico de Santa Maria de Cárquere foi fundado em 1981, embora as pesquisas e recolhas etnográficas só se iniciassem em 1983. Quem esteve na sua origem?
Ana Correia (AC): A bandeira da Associação tem a data de 1975 mas a escritura pública é de 10 de março de 1981. Na sua fundação, esteve um conjunto de sócios liderado pelo Dr.º Albino Brito de Matos, que se manteve como Presidente da Direção até 2011.

JR: O Dr.º Albino Brito de Matos, sócio fundador e presidente de 1981 a 2011, teve um papel fundamental…
AC: O Dr.º Albino Brito de Matos é o grande responsável por tudo o que a Associação fez durante a sua existência. Foi e continuará a ser o pilar e a força que nos move para darmos continuidade à nossa missão de defender os valores, princípios e tradições de um povo cuja história queremos preservar.

JR: Como foram os primeiros tempos?
AC: A partir de 1983, entendeu-se que era necessário tratar o folclore duma forma mais séria. Iniciou-se, então, a pesquisa e recolha dos usos, costumes e tradições antigas, através de entrevistas às pessoas mais idosas, da recolha e do estudo de testemunhos que permitissem a reconstituição do modo de viver das pessoas da nossa terra, em finais do século XIX e princípios do século XX. Com esta base, e com o aval da Federação do Folclore Português, estudámos e selecionámos os nossos trajes, as nossas danças e cantigas, que nos identificam e que procuramos divulgar com todo o respeito e a dignidade que merecem.

JR: Quando organizaram o 1.º Festival de Folclore?
AC: O 1.º Festival realizou-se no dia 31 de julho de 1988. O 3.º domingo de agosto foi a data escolhida nos 24 anos que se sucederam até ao presente.

JR: Que razões levaram à sua organização?
AC: Foi sobretudo uma grande vontade em iniciar um percurso de apresentação e divulgação das tradições da nossa terra. Contámos com o incentivo e o apoio técnico da FFP, através do seu Presidente, o saudoso Sr. Augusto, e do Conselho Técnico, na pessoa da D. Cândida, responsável pelo Rancho das Pias (Cinfães), que foi o nosso Padrinho no 1.º Festival.

JR: Em 1989, o Rancho foi Federado. O que foi necessário para atingir esse estatuto?
AC: Ser um rancho federado significa obter um estatuto de qualidade, que passa pelo cumprimento e aceitação de um vasto conjunto de procedimentos e regras que a FFP propõe aos grupos filiados. Para um rancho atingir esse patamar, é necessário estar no folclore com muita seriedade e responsabilidade, com humildade, honestidade e muita força de vontade e trabalho. Foi o nosso caso.
O nosso 1.º Festival foi supervisionado pelo Presidente da FFP, que, no dia seguinte, nos convidou para viajar para França no prazo de uma semana para participar num Festival Mundial de Folclore. Isto significava que tínhamos passado no teste e ele estava a dar-nos um presente que pretendia, mais uma vez, pôr-nos à prova. Penso que também passamos neste teste e ao fim de um ano, em 1989, depois de realizarmos o 2.º Festival, fomos finalmente federados.

JR: Quais são os trajes e utensílios típicos do Rancho?
AC: Os trajes e utensílios típicos retratam os usos e costumes da nossa terra em finais do século XIX e princípios do século XX.
As pessoas do rancho usam trajes de trabalho: de pastor, da malha, da rega, da ceifa, de vindimador do Douro, de inverno e outros. Todos estes trajes são pobres e simples e são confecionados em tecido de riscado, cotim, chitas, tal como era uso. Também há alguns trajes usados em dias de festa, de feira, ou romaria, domingueiro, os noivos e o lavrador abastado. Estes são mais ricos, mais coloridos e vistosos.
Os utensílios usados são alguns adereços que completam o traje e que se utilizavam nos trabalhos do campo, tais como a crossa, a breza, a enxada, o engaço de madeira e outros.

JR: Mais tarde, em 2009, o Rancho obteve a Declaração de Utilidade Pública…
AC: Esta foi uma aspiração que levou alguns anos a concretizar. Foi um processo moroso, pois tivemos que instruir o pedido de adesão por várias vezes. Para o efeito, beneficiámos dos pareceres favoráveis emitidos por várias entidades a nível local e nacional e, felizmente, atingimos esse patamar em 2009.

JR: Quantas atuações fizeram no estrangeiro?
AC: Três. Em França, em 1988, e em Itália, por duas vezes: na Sardenha (1991) e na Sicília (2006). As viagens dos ranchos ao estrangeiro são sempre recheadas de histórias inesquecíveis e originam momentos únicos de diversão, de camaradagem e de grande cumplicidade entre as pessoas.

JR: A nível nacional, para além da participação em inúmeros festivais, estiveram em programas de televisão e de rádio…
AC: A nível televisivo, estivemos em direto na RTP Internacional, aquando da nossa participação no Festival do Algarve, em setembro de 1994, bem como na “Praça da Alegria” (RTP1), num programa sobre a Festa da Cereja de Resende. Participámos, também, num programa para uma televisão holandesa, na Quinta das Carvalhas, em representação do folclore do Douro. A nível radiofónico, estivemos na Emissora Regional de Resende, na Rádio Renascença, na Antena 1 e na Rádio Montemuro, entre outras.

JR: Também participaram numa produção luso-brasileira, o “Rio do Ouro”…
AC: Essa experiência foi muito interessante, para além do privilégio de contracenar com o famoso ator brasileiro Lima Duarte. Alguns elementos do nosso Rancho foram escolhidos para participarem como figurantes em algumas cenas gravadas em S. Martinho de Mouros, em Mesão Frio e em Porto de Rei. No filme, há uma cena de um arraial popular em que se ouve a música da nossa dança “Se eu fosse ladrão roubava…”

JR: Destas vivências, no âmbito do folclore, há sempre histórias engraçadas…
AC: Recordo, com muito carinho, uma cena relacionada com uma pessoa muito especial, a nossa jovem de quase 70 anos, a senhora Mariana, no Festival do Algarve. Estávamos 18 grupos para dançar e como o festival era transmitido em direto pela televisão, o tempo de atuação dos ranchos era controlado com muito rigor. Quando chegou a nossa vez de dançar fomos empurrados para o palco com tanta pressa e foi tudo tão rápido que a Sra. Mariana nem teve tempo de calçar os tamancos e colocou-os sobre a cabeça e assim esteve, muito quieta, durante os três minutos e meio que durou a nossa apresentação. Foi muito divertido ver depois a gravação…

JR: A chula Rabela é a dança ex-libris do Douro e do Rancho Folclórico e Etnográfico de Santa Maria de Cárquere. O que a distingue das chulas de outros Ranchos, nomeadamente do Rancho Folclórico e Etnográfico de Paus?
AC: A chula rabela é a dança que melhor representa o Douro e era a única que, nesta região, se dançava em fila. Era acompanhada pela “rabeca chuleira” e cantada em jeito de desafio por um homem e uma mulher.
Há muitas variantes da chula e todas elas são especiais, apesar de diferentes. O Rancho de S. Pedro de Paus dança a sua chula tal como o fizeram, outrora, as pessoas que viveram na encosta por onde se estende a freguesia. A nossa chula é a chula rabela de outras gerações e tem o ritmo e a marcação do Douro.

JR: Presentemente, estão empenhados na conclusão da sede social e do Museu Etnográfico. Qual é o ponto da situação?
AC: A nossa casa, como gostamos de lhe chamar, é um sonho tornado realidade, embora os custos da sua construção sejam muito elevados. A parte da obra da sede social e salão de festas do rancho está quase concluída. Falta-nos, ainda, o mobiliário e o equipamento da cozinha. Estamos empenhados em tentar encontrar ajuda financeira para podermos continuar a obra e iniciar a construção do Museu Etnográfico. Este espaço é fundamental para podermos guardar e expor, em boas condições de conservação, muitos dos artefactos e peças antigas que recolhemos e que merecem ser divulgadas e preservadas para as gerações futuras.

JR: Com quantos elementos conta, atualmente, o rancho e quantas vezes se reúnem para os ensaios?
AC: Frequentam, mais assiduamente, o rancho cerca de 50 elementos, embora na totalidade dos componentes e dirigentes o número seja superior a 60. Todas as semanas, normalmente aos sábados, e nas vésperas das saídas, juntamos todos os elementos do rancho para fazer os ensaios.

JR: Têm outras atividades de cariz recreativo, para além do folclore e da etnografia?
AC: Organizámos várias atividades, ao longo do ano, como por exemplo os convívios e festas, magusto, ceia de Natal, baile de Carnaval, karaoke, torneios de malhas e de cartas, a festa das papas, entre outras.

JR: De que forma divulgam as atividades?
AC: Temos um site (ranchocarquere.com.sapo.pt) e também usamos o facebook como forma de dar a conhecer as nossas atividades.

JR: Na freguesia de Cárquere, há outra associação, o Grupo de Danças e Cantares “Os Moleiros” de Santa Maria de Cárquere, que tem por temática o folclore e a etnografia. Qual o tipo de relação entre este e outros Grupos existentes no concelho?
AC: Cada um dos grupos concelhios, à sua maneira e de formas diferentes, procura desenvolver a sua atividade como lhe é possível, atendendo a que muitas vezes enfrentam limitações e entraves de vária ordem que é necessário ultrapassar. Penso que todos procuram dar o seu melhor. O relacionamento entre os grupos de folclore existentes no concelho é muito limitado, pois raramente existem oportunidades a nível concelhio para que haja intercâmbio e convivência entre os grupos. Em Cárquere, o relacionamento com os nossos conterrâneos Moleiros é de maior proximidade devido à existência de laços de amizade e relações de parentesco que ligam os elementos de ambos os grupos.

JR: Como auguram o vosso futuro e o do Folclore nacional?
AC: O nosso rancho tem 31 anos de existência. Ao longo deste período, fomos construindo um historial que nos enriquece e nos dá vontade de seguir em frente, continuando a trabalhar para dignificar o folclore e divulgar a nossa terra. Temos, entre nós, gente empenhada e disposta a trabalhar e, por isso, o futuro só poderá ser melhor do que foi o nosso passado. Espero que este rancho cresça ainda mais e possa afirmar-se como um defensor acérrimo das raízes e das tradições populares.
*Publicada no Jornal de Resende, n.º de Setembro de 2012
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