segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Percurso pessoal e profissional do barbeiro Sílvio Alípio Pinto*


Da escola para o ofício de barbeiro
Sílvio Alípio Pinto, filho de Américo Pinto e de Angelina Jesus, nasceu em Mirão a 30 de setembro de 1937. É o mais velho de cinco irmãos (quatro rapazes e uma rapariga). Frequentou a antiga escola primária de Resende, cujo edifício já foi sede da Câmara Municipal, da Associação dos Bombeiros Voluntários e da GNR. Terminada a 4.ª classe, deu entrada no Seminário de Resende, do qual teve de desistir no final do 1.º ano, a meio dos exames, por dificuldades económicas. O seu pai não tinha condições de pagar a mensalidade de cem escudos. 
Como bom aluno que foi, se continuasse a estudar, Sílvio Pinto poderia ser hoje um brilhante homem das letras ou das ciências, mas o destino encaminhou-o para outro rumo, para um percurso profissional nas artes de bem escanhoar e bem cortar e pentear cabelos, onde atingiu um patamar que prestigia a classe. Como era costume na altura, como filho mais velho, seguiu as pisadas do pai. Sílvio Pinto tornou-se assim aprendiz de barbeiro, com apenas 11 anos, no Salão Avenida, tendo como mestre o pai. 
Combinando as qualidades de flexibilidade, coordenação, segurança e equilíbrio no manuseio das tesoura e das navalhas com a noção do bom gosto e do sentido da estética e também com a sua proverbial simpatia, Sílvio Alípio Pinto tornou-se um dos mais conceituados barbeiros/cabeleireiros do concelho. Não admira por isso que haja muitos clientes que, forçados a trabalhar e a residir fora, sempre que vão a Resende não deixam de ainda hoje o visitar e pedir os seus préstimos para cortar e pentear o cabelo. Nas suas deslocações às redondezas e ao Porto, é abordado e cumprimentado com carinho por muitas pessoas, que foram seus clientes ou antigos aprendizes da arte.
Vive na vila de Resende. É casado. Tem um filho e duas netas.

Percurso profissional
Sílvio Alípio Pinto é herdeiro de uma nobre linhagem de barbeiros/cabeleireiros, com cerca de 150 anos, que se iniciou com o Sr. Ribeiro. A continuidade foi dada pelo Sr. António Pimenta com quem Arménio Pinto, pai de Sílvio Pinto, aprendeu e trabalhou. A barbearia começou por estar sedeada na garagem da Farmácia Avenida, tendo-se mudado depois para as instalações onde agora funciona a papelaria Lina & Couto e, por fim, para o local atual. Embora seja conhecida por barbearia do Sr. Sílvio, denomina-se “Salão Avenida”, que foi adquirida por trespasse ao Sr. Pimenta por Arménio Pinto, pai do atual proprietário, Sílvio Pinto.
A aprendizagem era feita por observação, sendo a prática efetuada com “a matéria prima” dos profissionais ou aprendizes da casa. Isto é, os futuros barbeiros e cabeleireiros praticavam a arte fazendo a barba e cortando o cabelo aos mestres e colegas de ofício. Foi assim a aprendizagem de Sílvio Pinto, cujo mestre foi o pai, como já foi acima referido.
Ainda muito jovem, com menos de 15 anos, já bastante seguro profissionalmente, começou a atender os primeiros clientes de forma autónoma. O grande tirocínio foi-lhe dado nas andanças pelas muitas localidades do concelho, onde prestava serviço ao domicílio. Sobretudo, no fim de semana, de maleta na mão, deslocava-se à residência dos clientes, onde, num terraço, alpendre, junto à soleira ou no interior das casas, conforme o tempo, fazia as barbas e cortava os cabelos, que poderia abranger, neste caso, toda a família, incluindo os elementos do sexo feminino. Ainda se recorda dos preços então praticados: 15 tostões por barba e cabelo; 7,5 tostões por um corte de barba ou 7,5 tostões por um corte de cabelo. Muitas vezes, o ajuste era feito ao mês, cujo preço variava de acordo com o número de cortes de barba semanais e cortes de cabelo mensais. Os caseiros e pequenos lavradores preferiam pagar normalmente em espécie, designadamente em alqueires de milho.
Um dos maiores clientes era o Seminário de Resende, ao qual destinava todas as quintas-feiras para o corte de cabelo dos seminaristas. Pelo manejo das suas navalhas e tesouras passaram quase todos os padres do concelho, médicos, autoridades concelhias, advogados, grandes e pequenos lavradores, ou seja gente de todas classes, do mais rico e culto ao mais pobre e analfabeto. Uns mais assiduamente; outros só em dias de feira.
Por morte do pai em 1960, por afogamento no rio Douro, quando o mesmo tinha apenas 48 anos, Sílvio Pinto, então com 22 anos, teve de tomar conta da barbearia. Refira-se, a propósito, que este acidente abalou então o concelho, tendo envolvido a morte de mais quatro pessoas. Tudo aconteceu num fim de tarde fatídico em que várias pessoas que regressavam da festa de Santa Eufémia, após a saída no apeadeiro de Mirão, vindas da Régua, apanharam um barco de pesca para a passagem para a outra margem, e que a certa altura começou a meter água. Como o pai do Sr. Sílvio, Américo Pinto, sabia nadar bem, num gesto de grande coragem, deitou-se à água para diminuir o peso. Impensadamente, quatro pessoas seguiram-lhe o exemplo, mas como não sabiam nadar agarraram-se a Américo Pinto, que embora tudo fazendo para os salvar, foi vítima do descontrole então gerado, vindo todos a morrer nesta tragédia. Sílvio Pinto, também regressado de Santa Eufémia, tinha apanhado a barca do serviço de travessia regular, não lhe tendo acontecido nada.
Da sua longa carreira profissional orgulha-se de ter ensinado a arte a cerca de 250 jovens. Como nota curiosa, nas provas do curso para diretor técnico de cabeleireiro, tirado no Porto, em que é diplomado, alguns dos avaliadores tinham sido seus alunos.
Sílvio Pinto, além de fazer barbas e cortar cabelos, juntamente com os seus dois colegas, continua a desempenhar um papel social inestimável. O Salão Avenida é um local onde muitos aproveitam para se encontrar e trocar notícias locais (doenças, acidentes, furtos, regresso de emigrantes, andamento de obras…). É o paradeiro obrigatório para integrar e atualizar resendenses de visita ao concelho. O autor destas linhas é disso testemunha. Após cortar o cabelo, sente-se como se aqui sempre tivesse vivido.
 
Outras facetas e artes de Sílvio Pinto
As freiras que então prestavam serviço de enfermagem no hospital da Santa Casa da Misericórdia de Resende não podiam de lá sair. Tornava-se necessário encontrar alguém com apetência e que se dispusesse a dar injeções, deslocando-se às respetivas residências. Face à vivência familiar onde se cultivava o espírito de entreajuda e às suas características pessoais de responder a desafios, Sílvio Pinto mostrou-se disponível para fazer face a esta necessidade, que se fazia sentir na vila e nas aldeias vizinhas. A aprendizagem foi feita com o Dr. Eurico Esteves, médico no hospital da Misericórdia e delegado de saúde. Desde a juventude até há relativamente poucos anos, Sílvio Pinto foi o cuidador que respondeu às necessidades de centenas de pessoas em situações de doença e fragilidade, deslocando-se às suas casas para dar injeções e distribuir palavras de conforto e incentivo.
Esta competência na aplicação de injeções estendeu-se ao gado, quando estava com a “malina”. Meio brincar, Sílvio Pinto refere que foi o primeiro enfermeiro ambulante e o primeiro veterinário do concelho.
É um homem multifacetado. Também revelou ter “poderes especiais” na deteção de água. Deveria ter à volta de 20 anos quando, após ver o Sr. Padre Esteves, atual pároco de S. João de Fontoura, a caminhar com uma vara dobrada em forma de V, a qual repentinamente se começou a torcer perante aquilo que dizia ser um veio de água, também quis experimentar. A experiência foi um sucesso. A força na vara, agarrada nas extremidades por cada uma das mãos, foi tanta, que parecia ir desmaiar, segundo as suas palavras. O Padre Alfeu, que lá se encontrava, também experimentou, mas para sua deceção nada aconteceu. Muitas minas se romperam e alguns furos se concretizaram, graças aos seus dotes de vedor. E nunca se enganou. Indicou sempre com precisão a localização e a quantidade da água. Dizia, por exemplo, “há água aqui a 5 metros de profundidade, mas o veio principal passa a 10”.
Convém referir que sempre respondeu a estas solicitações pelo prazer de ajudar e ser útil, nunca tendo havido qualquer contrapartida. O mesmo aconteceu com a sua esposa, a quem inúmeras pessoas também recorreram para aplicação de injeções.
O seu percurso de vida integra ainda o exercício de atividades no âmbito associativo, desportivo e político. Fez parte dos corpos sociais da Casa do Povo, da Associação dos Bombeiros Voluntários e do Grupo Desportivo de Resende. Foi membro, durante cinco mandatos, da Assembleia Municipal de Resende. Foi jogador e treinador de futebol.

Nota: Como é do conhecimento público, foi atribuída recentemente ao Sr. Sílvio Alípio Pinto a Medalha de Ouro de Mérito do Município de Resende, “pelas qualidades humanas, profissionais e intelectuais, e pelo seu contributo para a dignificação de uma das mais tradicionais profissões dos resendenses, por ser dos mais antigos profissionais de barbearia em funções”. A fundamentação desta atribuição realça também o seu papel na formação de jovens barbeiros/cabeleireiros ao longo de décadas e ainda o seu contributo para a divulgação do nosso concelho.
*Apontamento da autoria de Marinho Borges, publicado no Jornal de Resende, edição de Julho de 2013

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