segunda-feira, 15 de abril de 2013

Entrevista com António Fonseca, Juiz da Irmandade de S. Francisco Xavier*


“Ele é integralmente um gentleman
Esta citação de Rebeca West, escrita na parede à direita, logo à entrada do restaurante, define e caracteriza o ambiente acolhedor, a arte de bem receber, o bom gosto e a qualidade da comida. Este novo Gentleman, capitaneado por Manuel Pedro Gomes, de decoração sóbria e de muito bom gosto, corporiza o conceito abrangente de restauração: pratos regionais, refeições para dias especiais, almoços muito económicos de preço fixo, pizas, massas e menus infantis, de entre outros destaques. Com bom tempo, poder-se-á desfrutar do espaço convidativo da esplanada. Algumas informações úteis encontram-se no site www.o-gentleman.pt.
É um ótimo espaço para quem quiser fazer da refeição um agradável encontro de conversa, como aconteceu com António Fonseca.

Percurso de vida pessoal
António Fonseca nasceu a 18 de fevereiro de 1955, no lugar da Fonte da Portela, em S. Martinho de Mouros, sendo filho de José da Fonseca (conhecido por Zé Vintém) e de Maria José Almeida. É o mais novo de dez irmãos, dos quais restam apenas três vivos. Cinco morreram ainda bebés, um faleceu com 4 anos e um outro morreu de acidente aos 28 anos.
Assume sem complexos as suas origens humildes, referindo que os seus pais eram muito pobres, tendo nascido e vivido até aos 18 anos numa casa que mais parecia uma barraca. O pai granjeava um campo arrendado e ganhava o dia fora. A mãe, além de cuidar dos filhos e da lida da casa, ajudava na lavoura e costurava para os vizinhos, muitas vezes pela noite dentro à luz de uma candeia de petróleo.
Terminada a escola primária, que concluiu em 4 anos no Barracão, face ao seu aspeto franzino não compatível com o trabalho duro dos campos, o seu pai ainda pensou encaminhá-lo para o Seminário, diligenciando para isso junto de um padre amigo, mas tal desiderato não se veio a concretizar. Pensando que a aprendizagem de uma arte se adequava melhor à sua compleição física, a sua mãe pediu a um carpinteiro vizinho que lhe ensinasse a arte, o que aconteceu. A partir dos 18 anos, foi para casa da Sra. Balbina, onde pôde aperfeiçoar a aprendizagem junto do filho, Manuel Esteves, que era um grande mestre na arte da carpintaria.
Cumpriu o serviço militar em Beja, onde fez a recruta; em Elvas, onde tirou a especialidade de clarim; e por fim, em Évora, onde passou à disponibilidade.
Em 1978 emigrou para a Suíça, começando a trabalhar como carpinteiro na construção civil em Genebra. Casou em 28 de fevereiro de 1981, tendo a mulher ido viver com ele nesta cidade. Entretanto, como a casa era pequena, mudaram-se para Lausanne, onde residia o seu grande amigo Padre Murias de Queirós, responsável pela Missão Católica Portuguesa, que lhe arranjou casa e trabalho nesta cidade.
Em 1991, o casal regressou a Portugal com o filho então com 9 anos, fixando-se na vila de S. Martinho de Mouros, onde continua a residir.

Intervenção cultural, musical e política
A música está-lhe no sangue. Desde pequeno que mostrou apetência pela aprendizagem de instrumentos musicais. Em 1976, integrou como fundador/ guitarrista o grupo “Pele e Osso”. Já em Genebra, contactou a missão católica, que o levou a conhecer uma freira Doroteia, a irmã Ana, de nacionalidade suíça, que tinha trabalhado 40 anos em Portugal, e que era responsável pelo grupo coral, a qual o convidou a integrar o mesmo grupo. Afirmou-se, desde a primeira hora, como um dos seus elementos mais dinâmicos na qualidade de guitarrista. Passou também a colaborar na formação musical dos jovens que frequentavam a missão católica, com aulas de viola, cuja experiência e gosto se mantiveram pela vida fora, o que explica que ainda atualmente continue a ensinar os mais novos a tocar instrumentos musicais. Encantada com o seu jeito em lidar com as pessoas, a referida freira achou que tinha competências para ir mais longe, pelo que se ofereceu para lhe ministrar aulas de solfejo e francês, o que aceitou. Mais tarde, tornou-se o responsável pelos grupos corais da igreja em Lausanne, Morges e Yverdon. De regresso a Portugal, tornou-se o dinamizador do grupo coral da Capela do Senhor do Calvário.
No âmbito das atividades da Irmandade de S. Francisco Xavier, criou a escola Musijovem, destinada a estimular e desenvolver a aprendizagem de instrumentos musicais junto das crianças e jovens, beneficiando de uma parceria com a Câmara Municipal. Em 1995, criou o grupo de bombos “BomMouros”, que se mantém. Organizou, durante 10 anos, o Festival da Canção do Concelho de Resende, que foi substituído entretanto pela Grande Noite do Fado. Ainda no âmbito desta instituição, fundou o jornal Ventos da Mogueira de que foi diretor até junho de 2011.
Quando regressou da Suíça, integrou o grupo musical “Banda Douro”. A título gratuito, continua a ensinar a tocar instrumentos musicais, designadamente cavaquinho, viola e órgão. Com alguns destes alunos, criou o grupo de música popular “TomVintém e Amigos”, que continua a animar festas e eventos. É ainda guitarrista/fundador do grupo “Douro Fado”. Integrou como tocador o Rancho Folclórico de Paus.
Foi durante 4 anos, de 1997 a 2001, deputado na Assembleia Municipal de Resende. De 2001 a 2005, no primeiro mandato do Eng. António Borges, foi vereador pela oposição, o que lhe permitiu rechear a sua agenda de contactos, que lhe seriam úteis para a concretização das obras do Lar da Irmandade de S. Francisco Xavier. A propósito, no que se refere à vida política futura, já tomou a decisão de não se candidatar nas próximas eleições autárquicas.

Obreiro do Lar da Irmandade de S. Francisco Xavier
Praticamente confinada ao cumprimento de ações do foro espiritual, e às vezes nem isso, a Irmandade de S. Francisco Xavier recebeu uma reviravolta decisiva com a eleição de António Fonseca como Juiz da Mesa Administrativa, em 4 de abril de 1993. Logo após a tomada de posse, procurou fazer com que se cumprissem os estatutos, designadamente no concernente a atos de sufrágio por irmãos falecidos, missas por intenção de irmãos vivos e à assumpção de responsabilidades pelas obras da Capela do Senhor do Calvário e da residência do Capelão. Na altura, com este património em deterioração acelerada e até em ruínas, não havia um cêntimo nos cofres da Irmandade. Imediatamente deitou mãos à obra para angariação de fundos, aproveitando o cantar das Janeiras e lançando outras iniciativas. Com este dinheiro e, posteriormente, com o recurso a fundos comunitários, procedeu a diversas obras de restauro na Capela do Senhor do Calvário e adros e na Casa do Capelão.
António Fonseca nunca pensou nem sonhou em construir um Lar. A ideia só surgiu, porque foi contactado pelo Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Resende a comunicar-lhe a intenção de uma oferta de cem mil contos por parte de um senhor, que se destinaria à construção de uma extensão do Lar em S. Martinho de Mouros. Verificada a impossibilidade de concretização deste projeto, visto que a Santa Casa não era possuidora de quaisquer terrenos para o efeito, dirigiu o convite à Irmandade, aconselhando o dito senhor a falar com António Fonseca, o que nunca aconteceu. Nem a oferta chegou. Mas a ideia nasceu. É de referir também que o incentivo e a disponibilidade manifestada por parte do então pároco de S. Martinho de Mouros, Padre Alberto Ferreira, para contribuir financeiramente para a construção de um lar de idosos também contribuíram para o nascimento do projeto. Mas o dinheiro também nunca apareceu.
Entretanto, para os conformar com a realidade dos tempos atuais, os estatutos foram reformulados, neles se prevendo a criação de um lar de idosos, apoio domiciliário e um centro de dia, entre outras atividades/valências. Com a aprovação dos mesmos em 2000, a Irmandade goza desde então de personalidade jurídica canónica e civil, beneficiando do estatuto de IPSS. Já detentora deste estatuto, foi efetuada uma diligência junto da Segurança Social para uma parceria a contemplar um lar de idosos, tendo a resposta sido positiva. Contudo, a promessa de cem mil contos nunca se concretizou, tendo o sonho sido colocado na gaveta.
Entretanto, António Fonseca foi informado da viabilidade de apresentar uma candidatura à valência de apoio domiciliário, já que podia funcionar na Casa do Senhor do Calvário, bastando equipá-la com uma cozinha e uma lavandaria. A candidatura veio aprovada, mas tornou-se necessário fazer vários peditórios para arranjar dinheiro para estes equipamentos. A 1 de julho de 2002 foi assinado o respetivo contrato para esta valência, que funciona agora noutras instalações.
A oportunidade de construção do tão ansiado Lar chegou com o programa PARES a que se candidatou, tendo sido necessário para isso apresentar um projeto completo, que custou 45 mil euros, que foi totalmente custeado pela Irmandade. Após muitas deslocações e diligências junto da Segurança Social, da Câmara Municipal e da Santa Casa da Misericórdia, chegou finalmente o dia do lançamento da 1.ª pedra, que ocorreu a 19 de outubro de 2008. A inauguração oficial teve lugar no dia 28 de abril de 2012, embora já se encontrasse em funcionamento desde 30 de julho de 2011.
O custo total deste empreendimento atingiu o montante de 1.513.000€, tendo tido a comparticipado da Segurança Social no valor de 656.290€, e a contribuição da Câmara Municipal de Resende no montante de 340.000€, proveniente do somatório de  um subsídio em dinheiro no valor de 150.000€, da assumpção da fiscalização da obra no valor de 80.000€ e despesas dos arranjos exteriores orçamentadas em 110.000€. Como até à altura da inauguração a Irmandade tinha conseguido angariar 100.000€, a dívida junto da Caixa Geral de Depósitos era então de 320.000€.
A instituição criou 33 postos de trabalho, que permitem dar resposta aos 30 utentes do lar de idosos, aos 47 do serviço de apoio domiciliário e aos 10 do centro de dia.

Nota pessoal: Nunca é de mais realçar a vida devotada de António Fonseca às pessoas mais frágeis e desfavorecidas do nosso concelho. Um exemplo de solidariedade e de voluntariado. Lamentavelmente, por falta de espaço, muita coisa ficou por mencionar.
*Artigo da autoria de Marinho Borges, publicado no Jornal de Resende, edição de Março de 2013
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