segunda-feira, 10 de novembro de 2014

HAWKING E FRANCISCO*

1. Que disse o cientista inglês Stephen Hawking? "Antes de termos entendido a ciência, o lógico era crer que Deus criou o universo, mas agora a ciência oferece uma explicação mais convincente. Não há Deus. Sou ateu. A religião crê nos milagres, mas estes não são compatíveis com a ciência."
Pensa que o homem acabará por entender a origem e a estrutura do universo. "De facto, já estamos perto de conseguir este objectivo. Na minha opinião, não há nenhum aspecto da realidade fora do alcance da mente humana." Por isso, julga que a exploração espacial deve continuar e os grandes avanços científicos e tecnológicos neste domínio poderão "evitar o desaparecimento da Humanidade, graças à colonização de outros planetas".

2. O Papa Francisco veio afirmar que o Big Bang "não contradiz a intervenção criadora divina; pelo contrário, exige-a", desacreditando assim completamente os "criacionistas" e a sua leitura literal da Bíblia.
Duas declarações fundamentais. Por um lado, não há incompatibilidade entre o Big Bang e a fé no Deus criador, a evolução da natureza não contradiz a ideia de criação. Por outro lado, Francisco desfez a ideia infantil de um Deus mágico ou feiticeiro. Deus, que dá o ser a todos os seres, respeita a autonomia das criaturas, nomeadamente a autonomia do ser humano.
Textualmente: "Quando lemos no livro do Génesis o relato da criação, julgamos imaginar que Deus é um mago que com uma varinha mágica fez todas as coisas. Mas não é assim. Ele criou os seres e deixou-os desenvolver-se segundo as leis internas que deu a cada um, para que alcançassem o seu próprio desenvolvimento. Deu a autonomia aos seres do universo ao mesmo tempo que lhes assegurava a sua presença contínua, dando o ser a toda a realidade. E assim a criação prosseguiu a sua marcha por séculos e séculos, milénios e milénios, até transformar-se no que hoje conhecemos; precisamente porque Deus não é um mago mas o Criador que dá o ser a todas as coisas. O início do mundo não é obra do caos que deve a outro a sua origem, mas deriva directamente de um Princípio supremo que cria por amor. O Big Bang, que hoje se situa na origem do mundo, não contradiz a intervenção de um Criador divino; pelo contrário, exige-a. A evolução da natureza não se opõe à noção de criação, porque a evolução pressupõe a criação dos seres que evoluem".
O ser humano, que constitui na história da evolução "uma mudança e uma novidade", tem "uma autonomia diferente da da natureza": chama-se liberdade. Participando do poder de Deus, é sua missão investigar a natureza e as suas potencialidades, colocá-las com responsabilidade ao serviço da humanidade, salvaguardar a criação e "construir um mundo humano para todos os seres humanos e não para um grupo ou classe de pessoas privilegiadas".

3. Aí estão duas tomadas de posição frente ao enigma do universo, mais concretamente, do enigma da existência humana. Elas contrapõem-se, mas nem uma nem outra assenta na ciência. De facto, com argumentos científicos, não se chega a Deus, mas também não se demonstra o ateísmo. Deus não é objecto de saber científico. A ciência não sabe se Deus existe ou não existe. Quem afirma que Deus existe fá-lo baseado na fé, com razões. Quem afirma que Deus não existe fá- -lo também num acto de crença, com razões. Há razões para acreditar em Deus e razões para não acreditar.
Segundo as exigências do seu próprio método, a ciência não pode pronunciar-se sobre as grandes questões metafísicas. Mas, na presente situação do conhecimento científico, são os próprios resultados da ciência que desembocam num universo enigmático, aberto a um fundo último, misterioso, deixando o ser humano numa profunda incerteza metafísica, como escreve o neurólogo e filósofo Javier Monserrat. Quando se pergunta pelo fundamento último, o homem fica aberto a duas hipóteses metafísicas, não sabendo com certeza se se trata de um puro mundo sem Deus ou se o universo se fundamenta em Deus.
A imagem que a ciência segundo o modelo-padrão nos dá é a de um universo que se produz a partir do Big Bang e terminará numa morte energética, portanto, um universo finito e, assim, "um universo que nasce a partir de um 'fundo' desconhecido no qual ficará reabsorvido". A pergunta que então se coloca é como entender esse fundo ou "mar de energia", essa espécie de meta-realidade a que o universo está referido. O ateísmo poderia ser uma conjectura metafísica filosoficamente possível: "O metafísico seria uma realidade impessoal na qual se produziria de modo cego o nosso universo." Mas o teísmo é uma conjectura metafísica igualmente possível: "O metafísico poderia ser uma Inteligência Pessoal capaz de criar o universo."
*Transcrição do DN da crónica de Anselmo Borges, publicada neste jornal no sábado passado, dia 8 de Novembro de 2014
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