Diz-nos a dialéctica que todo o
ente tem um fim da sua criação, mas o meu fim é procurar a ruína moral da
sociedade. Tendo ensinado muitos discípulos, o mais hábil, o mais talentoso foi
José Pinto da Fonseca, professor em S. Martinho de Mouros. Este meu aluno
aprendeu tanto que até fez um casamento civil.
Diz ele nos nossos segundos
papeluchos que, se promoveu tal casamento, é porque o Buena-Flor lhe prometera
receber, depois, a mulher catolicamente.
Ó professor, não mintas. Nessa empresa só te lembrava o dinheiro do Buena-Flor,
e o que menos te lembrava era a sua alma e Deus. Saiu melhor o discípulo que o
mestre. Tu arranjas daquelas que te dão aos quatro contos, e eu só daquelas
que, sem me varrerem o pó das salas, me alimpam tudo. Sim, quando era novo como tu
agora e tinha como Salomão as minhas mil concubinas, não tinha nem dez réis. O
que me valeu foi casar com a minha Josefa: agora sim, já tenho junto alguns
cobres.
Serranas, choro a vossa sorte,
lamento a vossa desgraça e aconselho-vos a penitência para que vossas almas não
desçam ao Averno.
Já é tempo, meus caros irmãos, de
me confessar da injusta guerra que declarei a Pe.Diogo José Rodrigues e a sua
mãe, hoje defunta.
Para isto precisava de um estilo
grandíloquo, mas pobre de mim, que sendo português, não sei falar bem este belo
e rico idioma. Todavia vamos lá, e seja-me permitido principiar de mais longe
para que a narração se torne clara aos da cidade de Lamego e a outros mais
remotos.
José Pinto da Fonseca, professor
na freguesia de S. Martinho de Mouros, sonhou uma vez que havia de haver a
fortuna de um Buena-Flor, seu vizinho, cuja fortuna era de uns 8 contos de
réis. Para conseguir os fins empregou os meios: cuidou de criar relações com
Buena-Flor, e mais íntimas com a criada dele. Buena-Flor adoece, e lembra-se ou
lho lembrou o professor de receber a amásia civilmente. Ao menos foi o
professor quem consultou o Doutor Barata sobre o modo como se podia efectuar o
casamento. Foi ele quem arranjou os papéis
respectivos e foi ele que, em nome de Buena-Flor, recebeu a sua amásia
em Resende na presença do Administrador, que então era José Bernardino, de Viseu.
Mais tarde, Buena-Flor teve
ciúmes da mulher com o dito professor e, na verdade, houve essa cópula quando ela
era solteira e depois de casada. Por consequência, Buena-Flor legou todo o seu
pecúlio à Santa Casa da Misericórdia do Porto. Mas como o casamento civil
produz, como o católico, efeitos civis, a mulher tinha direito a metade do
dinheiro. Morre o pobre homem, e o professor liquidou a metade do espólio em
favor da viúva. E como ela não sabia administrar o dinheiro, deu-o ao
professor. Sonhou com os 8 contos, vieram-lhe 4…
Tendo-se dado este casamento
civil, horripilante para todo o cristão, Pe. Diogo José Rodrigues,
desta freguesia de Paus, na tribuna sagrada da Igreja de S. Martinho de Mouros,
disse que o casamento civil era concubinato e uma invasão dos direitos do
pároco. O professor que tinha feito ou aconselhado este casamento e eu, que o tinha aprovado, não levamos a bem que Pe. Diogo o combatesse.
Este o motivo por que por três
vezes espalhámos por esta comarca, e suas confinantes, uns impressos em que
como cutelo da calúnia verberámos o Pe. Diogo e sua boa mãe.
*Transcrição do manuscrito "O abbade de Barrô e sua segunda confissão", datado de 25 de Novembro de 1889, procedendo-se apenas à actualização gráfica e a pequenas alterações, designadamente sinais de pontuação.