sábado, 27 de junho de 2015

Confissões do Padre Eugénio César d'Azevedo, natural de Paus (1)*

P.e Eugénio César d’Azevedo, da freguesia de Paus, concelho de Resende, abade mercenário de Barrô, e capelão do Senhor do Calvário, tendo feito a minha primeira confissão em 15 de Maio do ano corrente, em que me acusei de que fui um filho feroz para com meu pai, um péssimo irmão, um ingrato para com os meus amigos e benfeitores, um Sansão na prostituição, um juramenteiro falso, um escarnecedor da virtude, um apologista do vício, um semeador de doutrinas heterodoxas, etc., o que tudo fui, passando agora a fazer a segunda, que ainda não é completa, confesso primeiramente que fui, sou e hei-de ser, até depois da minha morte, ladrão e um grande ladrão.
Fui 22 anos pároco em Paus, terra que me deu o berço, e aqui, de pastor de almas que devia ser, tornei-me em lobo de redil. Deixei de fazer muitos e muitos assentos de baptismos, casamentos e óbitos. Todo o homem carece de provar o seu baptismo, não só uma, mas muitas vezes. Os jovens não podem casar sem provarem que foram baptizados, porque o baptismo est janua sacramentorum. Um filho para haver uma herança de seus pais, avós, ou de qualquer consanguíneo; um irmão para se habilitar a herdeiro doutro irmão; este para conseguir um emprego; aquele para embarcar; um para se ordenar; outro para se livrar de jurado; enfim, todos têm necessidade de justificar seu baptismo.
Ora, deixando eu de fazer muitos assentos desta natureza, e importando cada justificação em 4.500 réis, quantas libras não roubei eu às outrora minhas ovelhas? Se estas justificações têm sido precisas, e se se fizeram no tempo pretérito, se o são agora e o hão-de ser no futuro, não fui, não sou e não serei depois da minha morte ladrão?
E, se da falta de assentos de baptismo, resultam tantos inconvenientes e gravame de despesas, que danos se não seguem da falta dos de casamento?
Se um consorte aborrecido do outro, quiser separar-se dele, alegando que não está catolicamente casado, como poderá o consorte inocente provar o seu matrimónio, não havendo o respectivo assento no livro de registo, tendo falecido o pároco que lhes assistiu e as duas testemunhas? Os filhos de um tal matrimónio serão considerados como filhos naturais, e os parentes ascendentes ou laterais de seus pais disputar-lhes-ão a herança a que têm a tanto direito. E não serão somente estas as consequências, dar-se-ão outras, tanto e mais lamentáveis…
Se parece que os assentos de óbitos não são de suma importância, é uma ilusão. Os certificados de óbito são para diversos fins indispensáveis.
Ora, deixando eu de fazer muitos assentos destas três espécies, não sou ladrão? Faria meus os proventos que percebi? Não roubei, portanto, as minhas ovelhas de Paus?
*Transcrição do manuscrito "O abbade de Barrô e sua segunda confissão", datado de 25 de Novembro de 1889, procedendo-se apenas à actualização gráfica e a pequenas alterações, designadamente sinais de pontuação.
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