domingo, 28 de junho de 2015

Confissões do Padre Eugénio César d'Azevedo, natural de Paus (2)*


Nesta freguesia, esquecido do pasce agnos meos, pasce oves meas,  deixei, muitas vezes,  a freguesia só,  e morreram-me muitas almas sem sacramentos. Logo não me pertenciam todos os emolumentos, que chuchei; logo sou ladrão.
Confesso que não fui talhado para padre, e muito menos para pároco, mas sim para representar farsas no palco. Estou lembrado, meus caros patrícios, que representei no Fornelo,  numa  casa que foi de José Carlos, uma farsa inocente, aparecendo no tablado com a cabeça enfeitada com os ramos ou galhos de um carneiro.  Pior fiz em Paredinhas. Indo mascarado a este povo a uma descamisa de milho, aqui cheguei,  visivelmente, as minhas partes pudibundas à cara da mulher de Luís Alves – o velho.
Indo, já era padre, visitar, muitas vezes, o meu vizinho tenente do Fornelo, sua esposa e quatro filhas, no meio desta gente civilizada, perguntava eu a um pequeno que levava comigo, lá parente de minha mulher, que para mim é tudo: ó meu menino, onde é que tu és mais bonito? O menino, previamente instruído por mim, respondia: mais bonito sou aqui, pondo as mãos sobre as partes genitais. Depois de lhe armar uma gargalhada cá do meio da garganta para cima, perguntava ao mesmo menino: qual é o pai das gentes? E ele tornava a colocar a mãozinha no mesmo sítio. Ora isto é que é ser bem educado!!!
E que direis vós se eu confessar que já concorri para a morte de um pároco? Sim, na patuleia, o meu pároco, o infeliz Pe. Manuel Vitorino de Sousa Cardoso era afeiçoado à política cabralista, e o morgado de Córdova, acompanhado duma guarnição, pugnava contra o ministério. Entre o padre e o morgado não reinava amizade recíproca, e por isso a vida do padre na patuleia achava-se arriscada. Fugiu de Paus, e o Sr. Bispo D. José de Moura Coutinho, este sábio e benigno Prelado, mandou-o para encomendado da freguesia de Samodães, onde, por motivos para mim incógnitos, não pôde conservar-se, e por isso refugiou-se em Lamego. Com fim de agarrarem o morgado vinham a Paus soldados do nove de Lamego. Como na freguesia lhe disparassem alguns tiritos, a tropa queimou alguns edifícios e fez algumas mortes. Daqui o morgado e outros tiraram matéria para acender e ódio do povo contra o padre, dizendo que,  se a tropa vinha a Paus,  era mandada pelo padre, e que era ele quem mandava queimar estas e aquelas casas e fazer estas e aquelas mortes. A plebe, em toda a parte bruta e fanática, engoliu esta impostura, ficando convencida de que o padre era a causa dos incêndios, roubos e do derramamento de sangue. Eu, que devia defender o meu colega, que devia tirar ao povo esta cizânia, eu, que devia dizer-lhe que um regimento anda às ordens do governo e não ao mandado de um padre, também dizia com o povo, que o padre era a causa dos estragos.
Terminada a tempestade, bastante tempo depois, regressando este sacerdote à sua freguesia, foi assassinado. Se eu disse com o povo, que ele era o causador das ruínas, concorri indirectamente para a sua morte.
 *Transcrição do manuscrito "O abbade de Barrô e sua segunda confissão", datado de 25 de Novembro de 1889, procedendo-se apenas à actualização gráfica e a pequenas alterações, designadamente sinais de pontuação.
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