quarta-feira, 1 de julho de 2015

Confissões do Padre Eugénio César d'Azevedo, natural de Paus (4)*


Diz-nos a dialéctica que todo o ente tem um fim da sua criação, mas o meu fim é procurar a ruína moral da sociedade. Tendo ensinado muitos discípulos, o mais hábil, o mais talentoso foi José Pinto da Fonseca, professor em S. Martinho de Mouros. Este meu aluno aprendeu tanto que até fez um casamento civil.
Diz ele nos nossos segundos papeluchos que, se promoveu tal casamento, é porque o Buena-Flor lhe prometera receber,  depois, a mulher catolicamente. Ó professor, não mintas. Nessa empresa só te lembrava o dinheiro do Buena-Flor, e o que menos te lembrava era a sua alma e Deus. Saiu melhor o discípulo que o mestre. Tu arranjas daquelas que te dão aos quatro contos, e eu só daquelas que,  sem me  varrerem o pó das salas,  me alimpam tudo. Sim, quando era novo como tu agora e tinha como Salomão as minhas mil concubinas, não tinha nem dez réis. O que me valeu foi casar com a minha Josefa: agora sim, já tenho junto alguns cobres.
Serranas, choro a vossa sorte, lamento a vossa desgraça e aconselho-vos a penitência para que vossas almas não desçam ao Averno.
Já é tempo, meus caros irmãos, de me confessar da injusta guerra que declarei a Pe.Diogo José Rodrigues e a sua mãe, hoje defunta.
Para isto precisava de um estilo grandíloquo, mas pobre de mim, que sendo português, não sei falar bem este belo e rico idioma. Todavia vamos lá, e seja-me permitido principiar de mais longe para que a narração se torne clara aos da cidade de Lamego e a outros mais remotos.
José Pinto da Fonseca, professor na freguesia de S. Martinho de Mouros, sonhou uma vez que havia de haver a fortuna de um Buena-Flor, seu vizinho, cuja fortuna era de uns 8 contos de réis. Para conseguir os fins empregou os meios: cuidou de criar relações com Buena-Flor, e mais íntimas com a criada dele. Buena-Flor adoece, e lembra-se ou lho lembrou o professor de receber a amásia civilmente. Ao menos foi o professor quem consultou o Doutor Barata sobre o modo como se podia efectuar o casamento. Foi ele quem arranjou os papéis  respectivos e foi ele que, em nome de Buena-Flor, recebeu a sua amásia em Resende na presença do Administrador,  que então era José Bernardino, de Viseu.
Mais tarde, Buena-Flor teve ciúmes da mulher com o dito professor e, na verdade, houve essa cópula quando ela era solteira e depois de casada. Por consequência, Buena-Flor legou todo o seu pecúlio à Santa Casa da Misericórdia do Porto. Mas como o casamento civil produz, como o católico, efeitos civis, a mulher tinha direito a metade do dinheiro. Morre o pobre homem, e o professor liquidou a metade do espólio em favor da viúva. E como ela não sabia administrar o dinheiro, deu-o ao professor. Sonhou com os 8 contos, vieram-lhe 4…
Tendo-se dado este casamento civil,  horripilante  para todo o cristão, Pe. Diogo José Rodrigues, desta freguesia de Paus, na tribuna sagrada da Igreja de S. Martinho de Mouros, disse que o casamento civil era concubinato e uma invasão dos direitos do pároco. O professor que tinha feito ou aconselhado este casamento e eu,  que o tinha aprovado,  não levamos a bem que Pe. Diogo o combatesse.
Este o motivo por que por três vezes espalhámos por esta comarca, e suas confinantes, uns impressos em que como cutelo da calúnia verberámos o Pe. Diogo e sua boa mãe.
*Transcrição do manuscrito "O abbade de Barrô e sua segunda confissão", datado de 25 de Novembro de 1889, procedendo-se apenas à actualização gráfica e a pequenas alterações, designadamente sinais de pontuação.
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