Por mil insídias, por mil
intrigas, por manejos mil, um há seis anos e outro há mais de trinta,
pretendemos enterrar no túmulo do opróbrio o filho, não escapando a mãe, que
nunca nos ofendeu, ao nosso furor tigrino.
Dissemos em nossos panfletos que
o Pe. Diogo descendera dos mais afamados larápios de Paus e que sua mãe, além
de ser amestrada na ladroíce, foi de tal forma prostituta que, sendo eles
quatro irmãos, nenhum pode com verdade dizer qual foi seu pai.
Empurrar, depois de morta, uma
mulher que nunca foi acusada de furto, porque nada roubou e provou a
paternidade de seus filhos, tanto que herdaram de seus pais. Lacerar a honra e a reputação daqueles, qui ex hoc saeculo transierunt, e por
isso já não podem defender-se, isto é só próprio de quem não tem educação nem
caridade, nem piedade, nem crença religiosa. Isto é só próprio de mações!! E os
mações que mais diriam ou fariam? Se Josefa Maria, mãe do Pe. Diogo e Pe. José,
pudesse alevantar-se da vala cerrada da
sua sepultura, gritaria contra o insulto póstumo que nós dirigimos a seus
ossos. E os filhos, se nós, os covardes,
nos assinássemos, vingariam, assaz em demasia, pelas leis, tantas calúnias
estudadas contra uma finada, que foi dotada de magnânimas virtudes. Se Josefa
Maria, solteira, teve um lapso contra o sexto preceito do decálogo, que fez
ela, que eu em maior escala não praticasse? Eu, que desde os 12 anos prostituí
tantas donzelas, adulterei com mulheres casadas e abusei de muitas viúvas,
sendo um Padre, um Pároco e um pregador? E ainda hoje, sendo um “candelho”,
ando amancebado!!
E tu, ó professor, meu dilecto
discípulo, hipócrita, vês o argueiro no olho do teu próximo e não vês uma trave
no teu? Tu, que sendo casado com uma mulher católica, casaste com outra civilmente
para lhe apanhares os 4 contos de réis?!
Afirmamos que Pe. Diogo roubara
uma navalha ao honrado Abade de Felgueiras. Mentimos. Este abade, quando cursou
em Lamego as aulas, perdeu uma navalha, que custaria 200 réis. Passado algum
tempo, Pe. Diogo achou-a e entregou-lha em sua casa, em Felgueiras, em 1852,
pouco depois das exéquias de António Joaquim Cardoso, de Cardoso, freguesia de São
Martinho de Mouros. Não lha roubou, achou-lha e restituiu-lha. Se o abade disse
ao meu discípulo que Pe. Diogo lhe roubou a navalha, aprecia pouco a honra de
um seu colega, parente e a sua própria. Continuam as calúnias.
Asseverámos que o Pe. Diogo
escrevera umas cartas “aleivosíssimas ao Pe. Gil, a Bento José da Silva e a outros”.
Pe. Diogo e Pe. Gil foram desde crianças amigos e ainda hoje o são, e nesta
amizade mútua não tem havido eclipse. Enquanto a Bento José da Silva, este
recebeu uma carta sarcástica que foi escrita por um estudante ditada por outro
e remetida ao dito Bento. Passado algum tempo, o escritor revelou o segredo e,
como a carta indirectamente me feria mais a mim do que a Bento por eu andar
nesse tempo amancebado com uma filha dele, fui dizer ao mesmo Bento quem tinha
ditado e quem tinha escrito a carta e, sem o saber, ajuntei que o Pe. Diogo fora o
principal autor da carta. Eu costumei sempre dar juramentos falsos. O Bento não
chamou o escritor a uma polícia correccional por ele lhe ter revelado quem
tinha forjado a carta. Também não puniu o ditador, porque a sua família deu
dinheiro ao Bento, e só quis castigar o Pe. Diogo, porque eu lhe pedi e me oferecei
como testemunha e, por isso o Bento chamou-o a uma polícia, mas não se provou
que o Pe. Diogo fora cúmplice. Conheço os dois estudantes que hoje são padres e
sei que o Pe. Diogo não concorreu para essa carta. Porque disse que o Pe. Diogo
mandara cartas aleivosíssimas ao Bento? Porque sou mau e invejoso.
*Transcrição do manuscrito "O abbade de Barrô e sua segunda confissão", datado de 25 de Novembro de 1889, procedendo-se apenas à actualização gráfica e a pequenas alterações, designadamente sinais de pontuação.