Dissemos também “que Pe. Diogo,
suspenso de pregar e confessar, se asilara em casa de um Pe. Nicolau da Silva
Dias, morador na Rua dos Rumulares, em Lisboa; que, enquanto este fez uma
digressão, Pe. Diogo, arrombando-lhe a porta do quarto e uma cómoda, lhe roubara 1:500:000 réis, convencendo-o de
que foram os larápios”.
Isto é uma fábula, e das suas
entranhas saem as provas. Pe. Nicolau não podia acreditar que o conto e
quinhentos mil réis fossem roubados pelos larápios, porque, se o roubo fosse
praticado de dia, enquanto o Pe. Diogo foi passear, os ladrões tinham de arrombar
a porta da rua. Qualquer casa em Lisboa tem, pelo menos, quatro andares, e cada
um é habitado por seu inquilino. Na ala oposta da rua há lojas de comércio e
artistas; o povo sempre em fluxo e refluxo, e além disto vigia sempre a
polícia. Poderiam os larápios arrombar uma porta sem ser apercebidos? Se o
roubo fosse feito de noite, Pe. Diogo, que estava dentro, e os criados ou
criadas do Pe. Nicolau não haviam de gritar por socorro, e este não lhes era logo
ministrado? Logo, se o Pe. Diogo dissesse a Pe. Nicolau que o dinheiro foi
roubado pelos larápios, ele não o aceitava.
Os gazeteiros, para encherem as colunas dos seus jornais,
aproveitam os factos mais insignificantes, nem um furto de seis vinténs lhes
escapa. Seria possível que não dessem notícia de um roubo de 1:500:000 réis,
feito por um padre a outro padre, seu benfeitor? Pe. Diogo veio da Extremadura
há vinte e um anos, e ninguém até hoje o arguiu de tal roubo. Só agora o
arguimos eu e o professor. Notem os leitores: nos outros panfletos pintámos o
roubo feito por um modo e, nestes últimos, por outro. Primeiro se pilha um
mentiroso do que um coxo.
Mais calúnias. Dissemos “que o Pe.
Diogo tentara matar o Pe. Geminiano José Gomes, então pároco de Paus, para se
colar na igreja; que, para tal fim, embriagara certos indivíduos, e que de certo
era vítima, se não lhe valessem o Pe. Eugénio César Azevedo, Pe. Joaquim
António Dias de Oliveira e José Pinto, das Quintãs, e a sua prudência,
fechando-se três dias em casa”.
A falsidade desta asserção
manifesta-se de todos os lados.
Pode-se crer que o Pe. Diogo
mandasse matar o seu pároco por uns homens bêbados, num Domingo, na igreja ou
no adro, em presença de tanta gente, ali reunida nesse dia para assistir à festividade
de S. Sebastião? Se o Padre Diogo quisesse matar, ou mandar matar, o pároco,
aproveitaria as trevas da noite para embeber o cruel punhal no sangue do seu
colega, e assim não se sabia qual a mão assassina.
O Bispo diocesano colaria nesta
igreja um padre que tivesse morto o seu pároco, e o povo não se oporia a uma
tal apresentação? Se por ventura a morte fosse mandada fazer, como dissemos,
por homens bêbados, nós, os três, que afirmamos, lhe valemos, que seríamos
contra homens robustos, armados e dispostos para a sangrenta empresa?
Desapareceríamos diante deles, como o pó diante da face do vento.
E o ódio do Pe. Diogo contra o
seu pároco, ódio que pintamos com as tintas mais carregadas, podia extinguir-se
nos três dias em que o pároco se fechou na sua residência?
Na verdade, um homem, dotado de um talento medíocre, conhece à
primeira vista que ninguém, dotado de razão, planeava assim um assassinato. E
nós, pobres de filosofia, nem nos recordamos que nossos papelitos haviam de
subir às mãos de leitores hábeis, de homens de lógica, que nos haviam de
censurar nossos erros, asneiras, brutalidades, burricadas, cavaladas e
absurdos!!!...
*Transcrição do manuscrito "O abbade de Barrô e sua segunda confissão", datado de 25 de Novembro de 1889, procedendo-se apenas à actualização gráfica e a pequenas alterações, designadamente sinais de pontuação.